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Introdução

A linfadenite cervical (LC) consiste na inflamação dos gânglios linfáticos cervicais caracterizada por aumento das dimensões dos gânglios e dor.

É uma condição comum em idade pediátrica em todas as faixas etárias. A maioria dos casos de LC em idade pediátrica é autolimitada.

Mais de 80 por cento dos casos de LC envolve os gânglios submandibulares e/ou cervicais profundos.

História Clínica

Anamnese

A LC deve ser caracterizada quanto à sua localização (unilateral/bilateral e grupo ganglionar), a sua duração (aguda/ subaguda/ crónica) e existência de outros sintomas.

Deve ser ainda questionado o estado de imunização e o contexto epidemiológico, nomeadamente a existência de conviventes doentes, exposição a animais, uso de fármacos e viagens recentes.

Exame objectivo

1.- LC bilateral aguda:

É a mais comum e é causada frequentemente por infeções do trato respiratório superior. Outras causas: infeção por Streptococcus do grupo A (SGA), infeção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) ou Citomegalovírus (CMV), Gengivoestomatite por herpes simplex (HSV).

Pode haver um contexto epidemiológico associado e sintomas como: odinalgia, rinorreia, congestão nasal e/ou tosse. 1
Embora o curso da doença seja autolimitado, a LC pode manifestar-se durante semanas.

Exame objetivo (EO): Os gânglios são de pequenas dimensões, consistência duro-elástica, móveis e discretos, ligeiramente dolorosos ao toque, sem eritema ou calor.

2.- LC unilateral aguda:

É frequentemente causada por infeções bacterianas, sendo os agentes mais comuns: SGA e Staphylococcus aureus. Outras causas podem ser o Streptococcus do grupo B (em RN), ou ser causada por anaeróbios (história de infeção periodontal).

Podem estar associados sintomas como febre, taquicardia e mal-estar generalizado.

EO: gânglios com 3 a 6 cm de diâmetro, dolorosos, com calor e eritema associado.

Em cerca de 2 semanas, pode ocorrer flutuação, com supuração associada.

3.- LC bilateral subaguda/crónica:

É geralmente causada por infeção pelo EBV ou CMV. Outras causas: tսbеrculose, vírus da imunodeficiência humana (VIH), tοхοрlаѕmоѕe e sífilis.

Pode cursar com febre, faringite exsudativa, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia.

4.- LC unilateral subaguda/crónica:

É essencialmente causada por infeções por micobactérias não tuberculosas (MNT) ou por Bartonella henselae (doença da arranhadura do gato).

Se resultar de infecção por MNT por norma cursa sem febre ou dor associada. O exame objectivo mostra um gânglio unilateral firme e indolor, com aumento progressivo ao longo de várias semanas. A pele sobrejacente altera-se gradualmente para uma tonalidade violácea e mais fina sem alteração da temperatura local.

A Linfadenite cervical causada por Bartonella henselae surge entre 1 semana a 2 meses após a inoculação (mordida/arranhão de gato), e surge dor no local com calor e eritema associado. Pode cursar com ou sem sintomas sistémicos.

Diagnóstico Diferencial

As causas não infeciosas de LC em crianças são menos comuns, mas devem ser sempre consideradas no diagnóstico diferencial.

Causas não infeciosas de linfadenopatias cervicais:

  • Doenças do tecido conjuntivo;
  • Doença linfo-proliferativa;
  • Doença de Kawasaki;
  • Síndrome inflamatória multissistémica em сrianças (MIS-C);
  • Febre periódica com estomatite aftosa, faringite e adenite (síndrome PFAPA);
  • Doença de Kikuchi- Fujimoto - linfadenite subaguda necrotizante.

Outras causas de tumefação cervical são:

A localização na linha média é uma característica que ajuda a diagnosticar, uma vez que linfadenopatias da linha média são raras. 

Outras causas de tumefação cervical são:
- Quisto do ducto tireoglosso;
- Quistos epidermóides:
- Lipomas;
- Quisto branquial;
- Higroma quístico;
- Neoplasia da tiróide;
- Neoplasia ou quisto do mediastino superior;
- Laringocelo.

Exames Complementares

LC aguda:
Sintomas ligeiros (dor ligeira): geralmente não necessitam de exames complementares.
Sintomas moderados a graves (adenite dolorosa, supuração, celulite):
- Hemocultura.
- Pesquisa SGA na orofaringe se faringite exsudativa;
- Aspiração por agulha do nódulo: sem faringite exsudativa. Na presença de flutuação ou celulite é preferível a drenagem.

Devem ser enviadas amostras para coloração de Gram, cultura, coloração de bacilos ácido-álcool resistentes e a cultura micobacteriana.
Requisitar também hemograma, proteína C reativa (PCR) e velocidade de sedimentação (VS).

LC subaguda/crónica:
Requisitar: hemograma, esfregaço de sangue periférico, PCR, VS, função hepática, ácido úrico, lactato desidrogenase, IGRA e/ou teste de tuberculina, serologias para EBV, CMV, VIH, sífilis, Bartonella hanselae e toxoplasmose.
Exames de imagem:
- Ecografia cervical: gold standard na avaliação de uma massa cervical sugestiva de linfadenite cervical supurativa.
- Tomografia computadorizada com contraste: pode ser necessária antes de realizar incisão.

Tratamento

LC bilateral aguda:

Se apenas sintomas ligeiros geralmente não é necessário nenhum tratamento específico, apenas se diagnóstico de faringite bacteriana por SGA. 3
A abordagem de linfadenite cervical grave, progressiva ou persistente vai depender da etiologia. Como exemplo, no caso de infeção por EBV, CMV ou gengivo-estomatite por HSV.

LC unilateral aguda:

Se houver apenas sintomas ligeiros geralmente não é necessário nenhum tratamento específico, apenas se diagnóstico de faringite bacteriana por SGA.
Se existirem sintomas moderados (por exemplo, febre, adenite muito dolorosa ou com calor associado), deve iniciar antibioterapia oral após a obtenção de amostras microbiológicas, conforme indicado para orientar a terapia. A antibioterapia deve cobrir SGA e Staphylococcus aureus. A cobertura para aeróbios deve ser incluída em crianças com doença periodontal ou má higiene oral e estes devem ser encaminhados para um médico dentista. A antibioterapia deve ser ajustada de acordo com os resultados de cultura e testes de sensibilidade. Devem cumprir entre 10 a 14 dias de antibioterapia. A reavaliação médica está recomendada dentro de 48 a 72 horas para garantir a resposta clínica. A estabilidade ou agravamento clínico neste período de tempo pode sugerir infeção por um organismo resistente.
Se sintomas graves (supuração ou celulite concomitante): pode estar indicada a incisão e drenagem e devem realizar antibioterapia endovenosa com cobertura para S. aureus e SGA. A cobertura para aeróbios deve ser incluída em crianças com doença periodontal ou má higiene oral. A antibioterapia deve ser ajustada de acordo com os resultados de cultura e testes de sensibilidade. Após 48 a 72 horas de antibioterapia apropriada deve haver uma resposta clínica favorável com apirexia mantida e descida da PCR e VS. Após alguns dias de antibioterapia endovenosa, pode-se alterar para via oral, de forma a completar um total de 10 a 14 dias de terapia. A transição para a terapia oral vai depender da evolução clínica, melhoria da VS e PCR e disponibilidade de uma antibioterapia oral equivalente. Se a criança não responder à antibioterapia empírica, deve ser considerada resistência dos microrganismos ao tratamento iniciado ou outras causas mais raras de LC unilateral aguda.

Indicações para internamento:

  • Necessidade de antibioterapia endovenosa:
    • LC unilateral aguda com sintomas graves;
    • LC unilateral aguda com sintomas moderados que não respondem ou agravam sob antibioterapia oral.
  •  Necessidade de incisão e drenagem.
Antibioterapia empírica oralDose
Ampicilina + Sulbactam40 mg/kg/dia 8/8 horas (máx Amoxicilina 1,5 g/d)
Amoxicilina-ácido clavulânico 1:725-45 mg/kg/dia 12/12 horas (máx Amoxicilina 1,75 g/d)
Clindamicina30 mg/kg/dia 6/6 ou 8/8 horas (máx 1,8 g/d
Antibioterapia empírica endovenosa  Dose
Ampicilina + Sulbactam100 a 200 mg/kg/dia 6/6 horas (máx. 8 g/dia de ampicilina)
Linezolida<12 anos: 30 mg/kg/dia 8/8 horas (máx 1.8 g/dia
≥12 anos: 20 mg/kg/dia 12/12 horas (máx 1.2 g/dia)
Piperacilina-tazobactam300 mg/kg/dia 6/6 ou 8/8 horas (máx. 16 g/dia de piperacilina)
Vancomicina45 a 60 mg/kg/dia 6/6 ou 8/8 horas (máx. 4 g/dia)

LC subaguda/crónica:

Perante a suspeita de LC causada por infeção por MNT, está indicada a biópsia excisional, faz o diagnóstico definitivo e é o tratamento de eleição. A incisão e a curetagem completa são uma alternativa quando a biópsia excisional não pode ser realizada. A incisão e a drenagem são contra-indicadas, devido ao risco de formação de fístula.
Perante a suspeita de LC causada pela doença da arranhadura do gato a antibioterapia deve fornecer cobertura para S. aureus, SGA e Bartonella Hansea. Têm cobertura para a Bartonella Hansea: Azitromicina, rifampicina e sulfametoxazol-trimetoprim, doxiciclina (>8 anos). Nestes casos, a excisão cirúrgica raramente é necessária. No entanto, nódulos supurativos podem ser tratados com aspiração com agulha para alívio sintomático.

Evolução

A LC regride espontaneamente na maioria das crianças ao longo de várias semanas. A não regressão pode ocorrer em crianças se houver uma fonte oculta de infeção que não foi tratada adequadamente (por exemplo, abcessos dentários). Desta forma, perante a não regressão, agravamento da linfadenite ou novos sintomas a criança deve ser reavaliada.

O atraso no diagnóstico e início de antibioterapia apropriada podem resultar em complicações. A linfadenite persistente e recorrente é a complicação mais frequente Outras complicações variam dependendo da etiologia subjacente e incluem:

  • LC causada por MNT: formação de uma fístula, paralisia do nervo facial, infeção da ferida e/ou formação de cicatrizes.
  • LC causada por SGA: formação de abcesso, ϲеlulite, baϲtеrеmia, glomerulonefrite aguda.
  • LC causada por S. aureus: formação de abcesso, celulite e baϲtеrеmia

 

Bibliografia

  1. Healy C. Cervical lymphadenitis in children: Etiology and clinical manifestations. UpToDate. 2024.
  2. Healy C, Morven E. Cervical lymphadenitis in children: Diagnostic approach and initial management. UpToDate. 2024.
  3. Kanwar V. Lymphadenopathy: Treatment & Management. Medscape. 2024.
  4. Weinstock MS, Patel NA, Smith LP. Pediatric cervical lymphadenopathy. Pediatr Rev. 2018;39(9):433-43.

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