Asma - tratamento de fundo, controle da doença
Introdução
A asma é uma doença heterogénea caracterizada por uma inflamação crónica das pequenas vias aéreas.
Definição
A asma é definida pela presença de sintomas respiratórios, tais como pieira, dispneia, opressão torácica e tosse que variam em frequência e intensidade, associados a uma limitação reversível e variável do fluxo aéreo que poderá ser medido através Peak Expiratory Flow – PEF (Débito Expiratório Máximo Instantâneo) com Peak Flow Meter (Debitómetro) ou Espirometria.
Epidemiologia
Cerca de 10% das crianças têm asma, sendo que abaixo dos 10 anos esta é mais frequente no sexo masculino.
História Clínica
A anamnese com antecedente pessoais e familiares de atopia e o exame físico são a base do diagnóstico.
Na criança com idade inferior a 6 anos, efectuar com segurança o diagnóstico de asma pode ser difícil, pela frequência de episódios recorrentes de sibilância e/ou tosse em diversas patologias que habitualmente não persistem para além desta idade.
Sendo uma doença heterogénea, apresenta diferentes características demográficas, fisiopatológicas e clínicas que permitem identificar vários fenótipos, sendo os mais comuns:
- Asma alérgica
- Asma não alérgica
- Asma de início tardio
- Asma persistente
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial de outras situações que cursam com sibilância recorrente é importante, assim devemos considerar:
IDADE | PATOLOGIA |
≤ 5 anos |
Infecções víricas recorrentes do trato respiratório |
Refluxo gastroesofágico |
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Aspiração de corpo estranho |
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Traqueomalácia |
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Tuberculose e Bronquiectasias |
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Doença cardíaca congénita |
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Fibrose quística e Défice de alfa-1-antitripsina |
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Discinesia ciliar primária |
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Anel vascular |
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Displasia broncopulmonar |
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Imunodeficiência | |
6-17 anos |
Além das anteriores |
Síndrome da tosse crónica das vias aéreas superiores | |
Disfunção das cordas vocais | |
Hiperventilação, disfunção respiratória |
A avaliação da gravidade da asma é dinâmica e feita retrospectivamente através do degrau terapêutico necessário para controlar e prevenir agudizações após um período terapêutico de alguns meses. Considera-se asma ligeira quando controlada nos degraus 1 e 2; moderada no degrau 3, e grave nos degraus 4 e 5; a asma grave tem definições e abordagens específicas. Quando o doente não está controlado por um período superior a 3 a 6 meses com terapêutica de degrau 4, deve ser avaliada em consulta de especialidade hospitalar de asma.
A. Avaliação do controlo clínico nas últimas quatro semanas | |||
Características |
Asma controlada |
Asma parcialmente controlada | Asma não controlada |
Sintomas diurnos > 2x/semana |
Nenhuma característica presente | 1 a 2 características presentes | 3 ou 4 características presentes |
Limitação de actividades | |||
Sintomas nocturnos/ despertar | |||
Necessidade de medicação de alívio>2x/semana | |||
Factores de risco potenciais para agudizações | |||
A avaliação dos factores de risco deve ser feita aquando do diagnóstico e periodicamente, particularmente nos doentes com agudizações frequentes. | |||
Sintomas de asma não controlados são um importante factor de risco para exacerbações. | |||
Ter presente factores de risco para o desenvolvimento de obstrução fixa das vias aéreas. | |||
Considerar factores de risco para efeitos secundários da medicação. |
Gestão do doente asmático
Os principais objectivos na gestão de um doente asmático consistem no controlo dos sintomas de forma a manter um nível de actividade normal, bem como, minimizar o risco de exacerbações, o declínio da função pulmonar e efeitos adversos da terapêutica.
Tratamento
Para além de medidas não farmacológicas que incluem a prevenção primária (evitar aeroalergénios, promover o aleitamento materno, e evicção do fumo do tabaco), os objectivos do tratamento farmacológico da asma centram-se no controlo dos sintomas e da função pulmonar, na manutenção das actividades de vida diária.
Tratamento farmacológico
O objectivo da farmacoterapia é o controle dos sintomas e a prevenção de exacerbações com um mínimo de efeitos colaterais relacionados ao medicamento. O tratamento deve ser dado numa abordagem gradual de acordo com a persistência, gravidade e / ou frequência dos sintomas e deve levar em consideração o fenótipo de asma apresentado.
Quando comparados com os fármacos utilizados noutras patologias crónicas, os utilizados na asma têm um perfil terapêutico muito favorável e são agrupados em três grupos principais:
- Fármacos de controlo: são utilizados regularmente para tratamento de manutenção. Reduzem a inflamação brônquica, a gravidade e frequência das exacerbações, bem como, evitam o declínio da função pulmonar: corticóides inalados (CI) - beclometasona, budesonida, fluticasona, mometasona; corticóides sistémicos (CS) - prednisolona, metilprednisolona, hidrocortisona; antagonistas dos receptores dos leucotrienos (ARL) -montelucaste, zafirlucaste; β2-agonistas de longa duração de acção (LABA) - formoterol e salmeterol; anticolinérgicos de longa duração de acção (Brometo de tiotrópio); metilxantinas (teofilina e aminofilina) e anti-IgE (omalizumab).
- Fármacos de crise ou alívio: utilizados no alívio dos sintomas das exacerbações. São também recomendados para prevenção da asma induzida pelo exercício. A redução da necessidade de utilização destes fármacos de alívio é um importante objectivo na gestão do doente asmático e uma medida de sucesso do tratamento: β2- agonistas de curta duração de ação (SABA) - salbutamol, terbutalina; anticolinérgicos de curta duração de ação (Brometo de ipratrópio) e corticóides sistémicos.
- Fármacos adicionais na asma grave: são considerados nos doentes com sintomas persistentes e/ou exacerbações apesar da terapêutica optimizada com altas doses de fármacos de controlo e tratamento dos factores de risco modificáveis (por exemplo anti-IgE).
A abordagem farmacológica da asma é diferente nas crianças com mais de 5 anos (5 degraus) daquelas abaixo dessa idade como ilustram os quadros a seguir apresentados:
Degrau 1 Degrau 5 |
Degrau 2 | Degrau 3 | Degrau 4 | ||
Fármacos de controlo (1ºescolha) |
Baixa dose de CI |
- Dose baixa de CI/LABA - Dose média de CI (6-11 anos) |
Dose média/alta de CI/LABA |
Referência para tratamento adicional |
|
Outros fármacos de controlo | Considerar baixa dose de CI |
- ARL - Dose baixa de teofilina (não indicada |
- Dose média /alta de CI - Dose baixa de CI + ARL (ou + teofilina) |
- Adicionar Brometo de tiotrópio (não indicado - Dose média/alta de CI + ARL (ou teofilina) |
Adicionar dose baixa de corticóide oral |
Fármacos de alívio | Quando necessário SABA | Quando necessário SABA ou dose baixa de CI/formoterol |
Degrau 1 Degrau 4 |
Degrau 2 | Degrau 3 | ||
Fármacos de controlo (1ºescolha) | Baixa dose de CI | Dobro da dose de CI | Continuar com o controlo e referenciar a especialista | |
Outros fármacos de controlo |
- ARL - CI intermitente |
Dose baixa de CI + ARL |
Aumento da dose de CI e frequência de administração Adicionar CI intermitente |
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Fármacos de alívio | Quando necessário SABA |
Fármaco |
Dose baixa diária (mcg) |
Dose média diária (mcg) | Dose alta diária (mcg) |
Adultos e adolescentes (≥12 anos) | |||
Beclometasona dipropironato (MDI) |
100-200 | >200-400 | >400 |
Budesonida (inalador pó seco - DPI) |
200-400 | >400-800 | >800 |
Fluticasona (propionato) (DPI) |
100-250 | >250-500 | >500 |
Fluticasona (furoato) (inalador pó seco) |
100 | n.a. | 200 |
Mometasona (furoato) |
110-220 | >220-440 | >440 |
Crianças 6-11 anos | |||
Beclometasona dipropironato (MDI) |
50-100 | >100-200 | >200 |
Budesonida (inalador pó seco DPI) |
100-200 | >200-400 | >400 |
Fluticasona (propionato) |
100-200 | >200-400 | >400 |
Mometasona (furoato) |
110 | ≥220 - | ≥440 |
Crianças até aos 5 anos | |||
Beclometasona dipropironato (MDI) |
100 | n.a. | n.a. |
Budesonida (MDI) |
100-200 | n.a. | n.a. |
Fluticasona (propionato) |
100 | n.a. | n.a. |
Atualmente o tratamento no degrau 1 consiste na utilização, quando necessária, de um β2 – agonista de curta duração de ação. Contudo, a inflamação crónica das vias aéreas é encontrada em doentes com sintomas pouco frequentes ou naqueles com início recente dos sintomas de asma, havendo uma falta de estudos relativamente à utilização de CI nestes doentes.
O tratamento regular com CI é efetivo na redução dos sintomas, no risco de exacerbações, hospitalizações e morte.
No degrau 2 deve ser prescrita terapêutica contínua de controlo, mantendo-se a terapêutica de alívio sintomático definida para o degrau 1:
- Como primeira linha terapêutica em todas as idades: corticóides inalados com indicação para administração em dose baixa diária.
- Como segunda linha terapêutica, os antileucotrienos (menos efetivos que os CI).
No degrau 3 deve ser prescrita terapêutica contínua de controlo, mantendo-se a de alívio sintomático:
- Como primeira linha terapêutica:
- Em adolescentes e adultos, associação de um corticóide inalado, em dose baixa, com um LABA como terapêutica de controlo.
- Nas crianças dos 6-11 anos deverá ser considerado um CI em dose média
- Nas crianças com idade ≤ 5 anos que não se verifice controlo dos sintomas após 3 meses de tratamento com CI de dose baixa, persistência das exacerbações e após sido efetuada uma revisão do diagnóstico, da técnica inalatória, da adesão à terapêutica, do controlo ambiental, da exclusão de diagnósticos alternativos e de eventuais comorbilidades, deverá ser aumentada a dose de CI para o dobro da dose inicial.
- Como segunda linha terapêutica:
- Nos adolescentes e adultos, quando não houve resposta à primeira linha terapêutica, podem ser prescritos corticóides inalados isolados, em dose média/alta diária.
- Associação de corticóide inalado em dose baixa diária com um antileucotrieno pode ser considerada nas crianças dos 6-11 anos, adolescente e no adulto, bem como a associação com uma metilxantinas de libertação lenta nos adolescentes e adultos
- Nas crianças com idade ≤ 5 anos, poderá ser realizada a adição de um ARL a um CI em dose baixa.
No degrau 4 deve ser prescrita terapêutica contínua de controlo, mantendo-se o alívio sintomático:
- Como primeira linha terapêutica:
- Em adolescentes e adultos, associação de um corticóide inalado, em dose média ou alta, com um LABA como terapêutica de controlo.
- Crianças com idade ≤5 anos e aquelas dos 6-11 anos deverão ser referenciadas para um especialista ou como alternativa tentar segunda linha terapêutica.
- Como segunda linha terapêutica:
- Nos adultos e adolescentes com asma, quando não houve resposta à primeira linha terapêutica, pode ser ponderada a adição de um anticolinérgico de longa duração de ação ou a associação de corticóide inalado em dose média/alta diária com um antileucotrieno ou com uma metilxantinas de libertação lenta.
Deve ser efectuado a nível da consulta de especialidade hospitalar de asma (degraus 5), o tratamento do adulto e adolescente com asma não controlada com os medicamentos prescritos no degrau 4, após revisão do diagnóstico, da técnica inalatória, da adesão à terapêutica, do controlo ambiental e de eventuais comorbilidades. Deverá ser seleccionado o tratamento de controlo, dependendo da opção tomada para o degrau anterior, do perfil individual e do fenótipo do doente, mantendo-se o tratamento de alívio sintomático tal como definido para o degrau anterior. Exemplos de outras terapêutica são: Brometo de tiotrópio, anti-IgE, anti-IL 5 ou adiciona doses baixas de corticóide oral.
Tratamento das exarcebações
- SABA por via inalada (pMDI ou câmara expansora) com ou sem Brometo de ipratrópio
- Corticóide oral ou endovenoso (se não tolerar oral)
- Sulfato de magnésio e aminofilina endovenosos
- Oxigenoterapia e medidas de suporte
Escolha do dispositivo inalatório
A terapêutica inalatória é essencial no tratamento da asma e tem de ser adequada a cada grupo etário:
- Na criança com idade até 3 anos deve preferir-se inalador pressurizado (pMDI) associado a câmara expansora com máscara e em alternativa um nebulizador com máscara facial. A partir desta idade e até aos 5 anos, pode considerar-se pMDI associado a câmara expansora com peça bucal e em alternativa inalador pressurizado (pMDI) associado a câmara expansora com máscara.
- No adulto, adolescente e criança com 6 anos ou mais, recomendam-se como primeira linha os inaladores de pó seco, constituindo alternativa relevante os inaladores pressurizados (MDI) associados a câmara expansora com peça bucal, de maior relevo quando se usam doses elevadas de fármacos ou nas agudizações.
Avaliação da resposta e ajuste terapêutico
A asma é uma condição variável, com necessidade de ajustes terapêuticos periódicos.
Deverá ser fornecido um plano de acção escrito ao doente com instruções claras de como actuar nas exacerbações. Reduções de 25 a 30% na dose de CI em intervalos de 3 meses são fazíveis e seguras na maioria dos doentes.
Os objectivos na redução do degrau terapêutico são: encontrar o tratamento mínimo efetivo e encorajar o doente a manter o tratamento de controlo regular.
Tratamento de factores de risco modificáveis
Alguns doentes mantêm episódios de exacerbação apesar da terapêutica maximizada. Ter um episódio de exacerbação aumenta o risco de repetição dentro de 12 meses. Na prática clínica, o risco de exacerbação pode ser reduzido optimizando a terapêutica e identificando e tratando factores de risco modificáveis.
Outras terapêuticas
- Imunoterapia específica para alergénios pode ser uma opção quando a alergia assume um papel proeminente, por exemplo, asma com rinoconjuntivite alérgica. Existem duas abordagens possíveis: imunoterapia subcutânea (SCIT) e imunoterapia sublingual (SLIT).
- Vacinação: infecções por Influenza causam morbilidade e mortalidade significativa, sendo o risco diminuído pela vacinação anual. Infecções por Influenza contribuem para algumas exacerbações da asma, sendo os doentes com asma moderada a grave aconselhados a realizar a vacinação anual.
Evolução
O prognóstico é favorável quando se consegue o controlo da asma. Evolução para remodelação e fibrose é o desfecho nos casos de tratamento incorrecto.
Recomendações
- Tratar complicações e comorbilidades.
- Evicção inespecífica (por exemplo, fumo do tabaco) e específica (alergénios).
Glossário
AR: Antagonistas dos receptores de leucotrienos
CI: Corticóide inalado
CS: Corticóide sistémico
FeNO: Fracção exalada do Óxido Nítrico
FEV1: Volume expiratório máximo no primeiro segundo
LABA: Long-acting beta 2-agonist (β2-agonistas de longa duração de acção)
PEF: Débito expiratório máximo instantâneo
SABA: Short-acting beta 2-agonist (β2-agonistas de curta duração de acção)
Bibliografia
- Bacharier LB, et al. Diagnosis and treatment of asthma in childhood: a PRACTALL consensus report. Allergy. 2008; 63: 5-34.
- Global Initiative For Asthma. (2018). Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Available at: http://ginasthma.org/wpcontent/uploads/2018/04/wms-GINA-2018-report-V1.3-002.pdf
- Norma da Direção Geral de Saúde nº 006, de 26/02/2018
- Hagan, JB, Samant, SA, Volcheck, GW, Li, JT, Hagan, CR, Erwin, PJ, Rank, MA. The risk of asthma exacerbation after reducing inhaled corticosteroids: a systematic review and meta‐analysis of randomized controlled trials. Allergy. 2014; 69: 510–516.
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