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Introdução

Definição

A Rinite Alérgica (RA) é uma doença inflamatória crónica da mucosa nasal. Resulta de hipersensibilidade imunológica, mediada por Imunoglobulina E (IgE) após exposição a um alergénio, em indivíduos geneticamente predispostos. Pode ter grande impacto na qualidade de vida do doente, no entanto, é frequentemente subdiagnosticada e subtratada.

Epidemiologia

É uma das doenças crónicas mais frequentes no mundo, e a mais comum do trato respiratório. A prevalência mundial varia de 10 a 30% na população em geral e 40% em crianças, nos países industrializados. Tem vindo a aumentar nas ultimas décadas. Em Portugal, o Inquérito Nacional de Prevalência de Asma (INPA, 2010), estimou que 22% da população tem queixas de rinite. No estudo ARPA-kids (2007), a prevalência dos 3 aos 5 anos atingiu os 43%. 

História Clínica

Anamnese

Uma história clínica minuciosa, com especial atenção aos antecedentes pessoais e familiares e à história ambiental e um exame físico cuidadoso são de extrema importância e estabelecem o diagnóstico de RA na maioria das crianças.

Como doença alérgica, os factores de risco identificados para o desenvolvimento de RA são: história familiar de atopia, isto é, uma susceptibilidade genética para doenças alérgicas (asma, rinite, dermatite atópica); sexo masculino; nascimento durante a época polínica; primeiro filho e agregado familiar pequeno; tabagismo materno no primeiro ano de vida; uso precoce de antibióticos; residência em cidade; exposição aumentada a alergénios do interior (ácaros); IgE total superior a 100UI/ml antes dos 6 anos e IgE específicas positivas.

Os sintomas típicos da RA são os esternutos paroxísticos, rinorreia aquosa, prurido e obstrução nasal. Com frequência acompanham-se de outros sintomas, nomeadamente a nível ocular e da orofaringe. Tosse, irritabilidade e cansaço também são comuns. Muitos doentes apresentam uma conjuntivite alérgica associada, com edema, lacrimejo, hiperemia e prurido ocular.

O desenvolvimento de RA requer tipicamente alguns anos de exposição ao alergénio, não sendo comum os sintomas surgirem em crianças com menos de 2 anos. Com frequência a RA precede o aparecimento de asma, constituindo um factor de risco independente para o seu desenvolvimento.

Na avaliação diagnóstica de RA pode-se aplicar o seguinte questionário, adaptado do estudo ARIA (2008):

Questionário de rinite alérgica
  1. Tem algum dos seguintes sintomas?
Sintomas de uma só narina? Sim Não
Secreções nasais amarelas, verdes ou espessas? Sim Não
Sensação de secreção posterior na garganta? Sim Não
Dor facial? Sim Não
Sangramentos nasais frequentes? Sim Não
Perda de cheiro? Sim Não
Sintomas habitualmente não presentes na RA; se algum deles presente, considerar diagnósticos alternativos
  1. Tem algum dos seguintes sintomas pelo menos 1 hora na maioria dos dias (ou na maioria dos dias durante a época sazonal se sintomas sazonais)?
Corrimento nasal aquoso? Sim Não
Espirros, especialmente violentos e em paroxismos? Sim Não
Obstrução nasal? Sim Não
Comichão nasal? Sim Não
Conjuntivite (olhos, vermelhos e com comichão)? Sim Não
A presença de corrimento nasal aquoso e 1 ou mais dos restantes sintomas sugere RA

Classificação clínica

O padrão temporal e a gravidade dos sintomas permitem classificar a RA em:

  • Intermitente: sintomas em menos de 4 dias por semana ou em menos de 4 semanas seguidas.
  • Persistente: sintomas em 4 ou mais dias por semana e em 4 ou mais semanas seguidas.
  • Ligeira: sono normal; sem interferência nas actividades diárias (escolares, lazer/desporto); sem sintomas incómodos  (todos presentes).
  • Moderada-grave: perturbação do sono; interferência nas actividades da vida diária (escolares, lazer/desporto); com sintomas incómodos (um ou mais presentes).

Exame objectivo

Além dos sinais clínicos, relacionados com a gravidade da RA, podem também ser visíveis: edema e escurecimento infra-orbitário, linhas de Dennie-Morgan, prega transversal no dorso do nariz, resultante da saudação alérgica; fácies adenoideia, com palato em ogiva, má oclusão dentária e respiração oral.

Na rinoscopia anterior observa-se habitualmente uma mucosa pálida com cornetos inferiores hipertrofiados e edemaciados e rinorreia anterior.

A inspecção da orofaringe pode mostrar uma hiperplasia do tecido linfóide e a otoscopia uma retracção da membrana timpânica, por vezes com derrame.

Diagnóstico Diferencial

Algumas doenças podem mimetizar ou coexistir com a rinite alérgica. As mais frequentes são: rinite infecciosa aguda, causada por vírus ou bactérias, rinite não alérgica crónica, rinosinusite crónica, rinite medicamentosa (por uso prolongado de vasoconstritores ou cocaína intranasais), rinite por medicação sistémica (anti-inflamatórios não esteróides, anticonceptivos orais, anti-hipertensores) e rinite atrófica.

Nas crianças mais pequenas devem ser excluídos outros diagnósticos como hipertrofia adenoideia e dos cornetos, anomalias congénitas (atresia das coanas), presença de corpo estranho ou pólipos nasais.

Co-Morbilidades

A rinite alérgica associa-se frequentemente a outras patologias. Apresenta estreita relação com a asma, especialmente a rinite moderada-grave. Cerca de 40% dos doentes com RA têm asma, e aproximadamente 80% dos asmáticos têm RA. Além de interferir no controle da asma, a RA é mais difícil de controlar que a própria asma. Pode-se dizer que asma e rinite alérgica são manifestações diferentes de uma mesma entidade nosológica, já que ambas estão associadas por aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e pela semelhança no tratamento, o que reforça o conceito de “uma única via respiratória, uma única doença”. A conjuntivite alérgica, geralmente bilateral, está presente em até 60% dos doentes com rinite alérgica. A sinusite também é frequente nos doentes com RA, associando-se a 30% dos casos de sinusite aguda e a 80% de sinusite crónica. A dermatite atópica e a síndrome de alergia oral são outras condições que podem estar presentes.

A rinite alérgica leva a complicações como: otite média aguda ou otite crónica com derrame, polipose nasal, anosmia, enxaquecas, distúrbios do sono (respiração oral e roncopatia que podem levar a hipopneias ou apneias do sono); perturbação de hiperactividade e défice de atenção; dificuldades de aprendizagem e fala, com consequentes problemas sociais (interferência nas atividades recreativas e de socialização). A avaliação do impacto psicossocial das crianças e adolescentes com rinite alérgica não deve ser negligenciada.

Exames Complementares

Patologia Clínica

O diagnóstico da rinite alérgica é essencialmente clínico, baseado numa anamnese detalhada, na existência de sintomas típicos e de um exame objectivo concordante.

Os exames complementares ajudam no diagnóstico diferencial e na identificação do(s) alergénio(s), mas não são necessários para iniciar tratamento perante um diagnóstico clínico. Os testes cutâneos ou doseamentos séricos de IgE específica para confirmação da presença de atopia e identificação dos alergénios implicados na génese dos sintomas devem ser realizados se estes forem persistentes e/ou moderados-graves ou a qualidade de vida for afectada. Os testes cutâneos de hipersensibilidade imediata (prick skin tests) são uma forma rápida, relativamente segura e custo-efectiva de identificar a presença de IgE específica a um alergénio. Os alergénios a testar devem estar de acordo com o tipo de exposição e com a clínica que a criança apresentar, sendo os habituais - ácaros do pó da casa, pólenes e epitélios de animais. É fundamental a concordância entre a clínica e os resultados apresentados para se poder estabelecer uma relação de causalidade.

A endoscopia e citologia nasal raramente são necessárias para o diagnóstico, mas podem ser realizadas quando é necessário excluir outras causas de rinite, avaliar comorbilidades ou em situações de ausência de resposta ao tratamento.

Imagiologia

Exames de imagem não são habitualmente necessários para o diagnóstico de RA, excepto quando se suspeita de condições concomitantes como rinosinusite crónica, haja história de traumatismo facial ou sinais que sugiram anomalias anatómicas.

Tratamento

Controlo ambiental

As medidas de controlo ambiental - evicção alergénica e de irritantes com especial atenção ao fumo de tabaco - são fundamentais na prevenção, controle dos sintomas e consequentemente na redução do uso das medicações.

A mudança no ambiente deve ser individualizada, considerando a necessidade da criança e as condições da família. As orientações devem ser abrangentes, mas gradativas, simples e práticas, envolvendo também o ambiente escolar da criança.

Farmacológico

O tratamento farmacológico depende da persistência e da gravidade da sintomatologia, e inclui o uso de anti-histamínicos (antiH1) orais e/ou intranasais, corticoesteróides tópicos intranasais, antileucotrienos, cromonas e descongestionantes, em monoterapia ou associados.

Os antiH1 orais são eficazes no controle do prurido, espirros e rinorreia. Os anti-histamínicos de primeira geração atravessam a barreira hematoencefálica, causam sedação, e por isso não devem ser utilizados no tratamento da RA; os de segunda geração têm efeito mais prolongado, menor penetração no sistema nervoso central e mínimo efeito anticolinérgico, sendo os preferenciais, pela relação entre eficácia e segurança. São o tratamento de primeira linha, excepto na RA moderada a grave persistente.

Os antiH1 intranasais não sendo tão eficazes como os orais, são pouco utilizados.

Os corticoesteróides tópicos intranasais são eficazes para o alívio de todos os sintomas da RA ao reduzirem a inflamação e híper reactividade nasal. Os efeitos são observados após 6-12 horas, com eficácia máxima notada após alguns dias de utilização. São a terapia farmacológica mais eficaz no tratamento da RA, sendo a primeira linha na RA moderada a grave persistente. A técnica correta de aplicação do corticoesteróide intranasal deve ser sempre explicada, realçando a importância de direccionar o spray lateralmente, evitando o septo nasal.

Os descongestionantes reduzem a obstrução nasal pela acção alfa-adrenérgica. O uso prolongado de descongestionantes intranasais (>10 dias) deve ser evitado pelo seu efeito rebound e risco de rinite medicamentosa, com agravamento da obstrução nasal.

Os antileucotrienos actuam competindo com os leucotrienos (importantes mediadores inflamatórios da resposta alérgica) na ligação aos receptores. Têm boa tolerância, e têm particular interesse quando há mais manifestações alérgicas associadas, nomeadamente asma.

As cromonas intranasais são eficazes para o alívio dos sintomas de RA com poucos efeitos laterais. No entanto, têm um efeito curto necessitando de várias aplicações diárias, pelo que são pouco utilizadas.

É válido considerar a associação de fármacos quando não se consegue melhoria da sintomatologia; no entanto, uma vez atingido o controle sintomático, recomenda-se a redução progressiva de dosagens e fármacos.

A higiene nasal é fundamental no tratamento da rinite e deve ser sempre incentivada. As soluções salinas podem aliviar a irritação tecidual, humedecer a mucosa e auxiliar na remoção das secreções.

Imunoterapia específica

A Imunoterapia específica é um tratamento complementar, indicado e eficaz em doentes seleccionados, com queixas provocadas por pólenes e/ou ácaros e comprovadamente sensibilizados a estes através de testes cutâneos ou IgE específica. Está indicada em doentes não controlados com a farmacoterapia convencional, em doentes que não desejam fazer uso de medicação contínua ou naqueles nos quais os possíveis efeitos colaterais indesejados possam ser potencializados. Também deve ser ponderada nos casos onde não é possível afastar o alergénio. A imunoterapia deve ter duração de 3 a 5 anos, e pode ser administrada por via sublingual ou subcutânea. A via subcutânea deve ser sempre realizada por profissional treinado e em locais aptos a tratar eventuais reacções sistémicas que possam ocorrer.

Cirurgia

Está raramente indicada na faixa etária pediátrica, excepto na presença de anomalias craniofaciais ou comorbilidades do foro otorrinolaringológico.

Algoritmo terapêutico

 

 

Evolução

A rinite alérgica não tem cura, mas os sintomas podem atenuar com a idade. As medidas gerais e o tratamento adequado permitem a remissão dos sintomas por períodos prolongados, melhorando a qualidade de vida do doente.

A Imunoterapia ao modelar a resposta imunitária, é actualmente o único tratamento disponível com capacidade de alterar a história natural da doença, podendo evitar novas sensibilizações e a evolução para asma.

Recomendações

Nos doentes com RA, especialmente na persistente e/ou moderada-grave, deve ser sempre avaliada a presença de asma.

As indicações para referenciar à consulta de alergologia pediátrica são habitualmente:

  • presença de complicações / comorbilidades (asma)
  • terapêutica ineficaz ou com efeitos adversos
  • sintomas que afectem significativamente a qualidade de vida
  • necessidade de identificação do alergénio

As indicações para referenciar a consulta de otorrinolaringologia são fundamentalmente:

  • episódios recorrentes de sinusite/otite média aguda
  • polipose nasal
  • roncopatia

Glossário

Linha de Dennie-Morgan - prega ou ruga palpebral inferior.
Fácies adenoideia - face estreita e longa,  boca entreaberta em repouso,   nariz pequeno e arrebitado, lábio  superior curto e incompetente e um lábio inferior  grosso e evertido, bochechas flácidas e olheiras.
Saudação alérgica - “hábito” do doente com rinite de coçar o nariz de baixo para cima com a palma da mão, que resulta em prega transversal no dorso do nariz.

Saber Mais

Bibliografia

  1. Mallol J, Crane J, von Mutius E, et al. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Phase Three: a global synthesis. Allergol Immunopathol (Madr) 2013; 41:73.
  2. Morais-Almeida M, Santos N, Pereira AM et al. Prevalence and classification of rhinitis in preschool children in Portugal: a nationwide study. Allergy. 2013;68 (10): 1278-88.
  3. Allergic rhinitis and its impact on asthma (ARIA) 2008 update (in collaboration with the World Health Organization, GA2LEN and AllerGen). Allergy 2008;63(Suppl. 86):8e160.
  4. Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA) 2010 revision. Geneva: World Health Organization (WHO); 2010 Dec 23. 153 p.
  5. Papadopoulos NG, Bernstein JA, Demoly P, et al. Phenotypes and endotypes of rhinitis and their impact on management: a PRACTALL report. Allergy. 2015; 70 (5):474-94.

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