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Introdução

A sífilis congénita é uma infecção de transmissão vertical (mãe/filho), adquirida por via transplacentar ou na passagem pelo canal do parto. É causada pela espiroqueta Treponema pallidum que se transmite apenas no ser humano. É uma infecção muito grave que, não tratada, pode causar morte fetal ou neonatal ou sequelas graves a partir dos dois anos de idade.(1)

Epidemiologia

A sífilis é uma doença altamente contagiosa que não deixa imunidade pelo que uma pessoa pode ter sífilis mais do que uma vez. Do mesmo modo, uma mulher grávida, pode ser infectada mais do que uma vez durante a gravidez. Ainda existe sífilis congénita em Portugal. O número de mulheres entre os 15 e os 44 anos de idade com sífilis aumentou de 33 em 2013 para 118 em 2016. No mesmo período, os casos de sífilis congénita variaram entre 6 e 12 casos por 100 000 nados-vivos correspondendo o valor máximo a 2014.(2, 3)

A transmissão mãe/filho é tanto mais frequente quanto mais recente é a infecção materna. Na infecção materna precoce não tratada 70 a 100% dos fetos serão infectados. A maior transmissão ocorre depois das 20 semanas pelo que o tratamento da sífilis materna antes dessa idade gestacional previne a infecção fetal. A sífilis pode causar morte fetal, nascimento de criança doente sintomática ou, se transmitida no final da gravidez, dar lugar ao nascimento de uma criança infectada mas assintomática.

História Clínica

Apresentação clínica

A sífilis congénita é sempre uma sífilis secundária uma vez que a disseminação é hematogénea. Por isso, os sinais e sintomas da doença são semelhantes aos da sífilis secundária do adulto: exantema, lesões mucocutâneas, pênfigo bolhoso, descamação palmo-plantar, febre, hepato-esplenomegalia, síndroma nefrótica, pseudoparalisia de Parrot (por dor óssea e articular por periostite e osteocondrite), lesões vulvares (condilomata lata) icterícia, anemia. (1)

Exame objectivo

O RN pode estar gravemente doente. Os sinais mais evidentes são exantema, descamação palmo-plantar, hepato-esplenomegalia, icterícia e anemia. Pode haver também pseudoparalisia por dor à mobilização sobretudo dos membros inferiores.  Com o exame objectivo é possível suspeitar de sífilis congénita se o recém-nascido estiver sintomático. Um ou mais dos sinais anteriormente descritos, num RN de gravidez não vigiada, mãe com sífilis anterior sem serologias periódicas ou ausência de comprovativo de cura de sífilis materna, são motivos suficientes para a hipótese diagnóstica de sífilis congénita.

Diagnóstico Diferencial

Habitualmente, a história clínica da gravidez, as serologias e o exame objectivo do RN deixam pouca margem de dúvida. Se os sinais forem pouco significativos e não houver análises maternas a doença pode colocar diagnóstico diferencial com hepatite de outra etiologia ou doença metabólica.

Contudo, perante uma gravidez não vigiada ou sem as análises adequadas, a primeira hipótese diagnóstica deve ser sempre sífilis congénita. Com o exame objectivo é possível suspeitar de sífilis congénita se o recém-nascido estiver sintomático.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Testes não treponémicos: RPR/VDRL titulados no RN e na mãe para comparação de títulos; deve ser realizada uma primeira diluição de modo a evitar o fenómeno de prozona que dará origem e um resultado falso negativo; título no RN 4 vezes superior ao da mãe é altamente sugestivo de infecção apesar de, muitas vezes, este valor de grandeza não ser encontrado em RN infectados

Testes treponémicos: TPHA que, se positivo no contexto descrito, confirma a infecção. FTA-Abs IgM é muito dispendioso

A identificação do Treponema pallidum nos tecidos ou fluidos corporais (por microscopia de campo escuro, imunofluorescência ou polymerase chain reaction) confirma o diagnóstico mas não são de uso comum.

Exames para avaliar a extensão da doença: PL – exame citoquímico e VDRL no LCR para diagnóstico de neurossífilis;

Análises para avaliar a repercussão da doença sobre o organismo: hemograma, proteína C reactiva, função hepática e renal.

Imagiologia

Telerradiografia dos ossos longos dos membros inferiores para diagnosticar eventual periostite ou osteocondrite.

Ecografia transfontanelar

Exame oftalmológico

Tratamento

Antibioticoterapia

Penicilina G cristalina aquosa por via endovenosa; 50 000UI/Kg/dose; tomas de 12/12h nos primeiros 7 dias e de 8/8h dos 7 aos 10 dias. (1,4)

Depois dos 28 dias: 200 000-300 000 UI/kg/dia; administrada em doses de

50 000 UI/kg/dose de 4/4h ou de 6/6h durante 10 dias.

Algoritmo clínico/ terapêutico

Se a terapêutica sofrer interrupção de um dia a contagem de dias deve ser recomeçada.

Se houver neurossífilis tratar durante 14 dias. Caso a PL tenha sido traumática ou haja dúvidas sobre a existência de neurossífilis devem ser completados 14 dias de terapêutica.

Uma criança com sífilis congénita tratada aos 2 anos de idade deve seguir o esquema anteriormente descrito para a criança com mais de 28 dias. Alguns autores defendem que nestas situações a seguir aos 10 dias de penicilina cristalina deve ser dada uma injecção IM de 50 000 UI de penicilina benzatínica.

A criança deve ser seguida em consulta até aos 12 meses. O VDRL no soro deve ser repetido de 2/2 ou de 3/3 meses até ser negativo o que deve acontecer pelos 6 meses de idade. VDRL negativo é prova de cura. Se se mantiver positivo a criança deve ser reavaliada nomeadamente em relação à neurossífilis e submetida a novo tratamento. As provas treponémicas não devem ser usadas para avaliar a resposta ao tratamento porque se mantêm positivas por muito tempo.(1)

Se houve neurossífilis o VDRL no LCR deve ser repetido aos 6 meses de idade. Se for positivo o tratamento deve ser repetido.

As lesões cutâneas ou das mucosas são altamente contagiosas pelo que o RN deve ser manipulado com luvas até 24h depois do início de tratamento com penicilina.

Evolução

Estudo evolutivo incluído nos parágrafos anteriores.

Recomendações

O único modo de evitar casos de sífilis congénita é rastrear a grávida. O rastreio é sempre realizado com provas não treponémicas - VDRL. Em Portugal, a norma da DGS para gravidezes de baixo risco preconiza que o VDRL seja realizado no 1º e 3º trimestres(5). Em países ou zonas de elevada incidência de sífilis o rastreio deve ser realizado uma vez por trimestre.

O VDRL deve ser sempre realizado após uma primeira diluição e titulado. A diluição previne que seja obtido um resultado falso negativo devido a fenómeno de prozona; a titulação permite seguir a evolução da infecção e a resposta ao tratamento.

O VDRL pode ser negativo se a infecção for muito recente. Por isso, se simultaneamente, forem pedidas provas treponémicas (TPHA) - que positivam mais precocemente mas se mantém positivas mesmo em sífilis tratada - pode haver ganho de tempo, precioso para o diagnóstico definitivo e início de terapêutica na grávida.(6)

O resultado destes exames deve ser visto pelo médico ou outro profissional de saúde para isso habilitado, e correctamente interpretado.

A sífilis na grávida tem como único tratamento a penicilina. A penicilina trata a infecção materna e a fetal. Mesmo que a grávida alegue que é alérgica à penicilina deve ser este o antibiótico utilizado após dessensibilização. Outros antibióticos que não a penicilina tratam a grávida mas não tratam o feto.(3)  

A administração de penicilina pode desencadear reacção de Jarisch-Herxheimer na grávida - calafrios, febre, taquicardia, hipotensão, cefaleia, lesões cutâneas, leucocitose e taquipneia, sofrimento fetal e ameaça de parto pré-termo.(5) Por isso há quem advogue que a penicilina deve ser administrada em meio hospitalar/Centro de Saúde e que a grávida deve estar monitorizada.

O parceiro sexual tem que ser também tratado.

Em Portugal a sífilis congénita é uma infecção de notificação obrigatória.

Toda a situação deve ser transcrita para o boletim da grávida: resultados de análises, comprovativos de tratamento do casal e comprovativo de cura.

Bibliografia

  1. REDBOOK. Report of the Committee on Infectious Diseases. American Academy of Pediatrics. 28th Ed. Elk Grove Village,2009
  2. Doenças de Declaração Obrigatória 2013-2016, DGS Lisboa, 2017
  3. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Inquérito Serológico Nacional 2015-2016: Doenças Evitáveis por Vacinação. Lisboa: INSA IP; 2017.
  4. Kimberlin DW, Brady MT, Jackson MA, Long SS eds. Red Book: 2018: Report of the Committee on Infectious Diseases. 31st ed. Itasca, IL: American Academy of Pediatrics; 2018: 773-88
  5. Norma de Orientação Clínica: Exames laboratoriais na Gravidez de Baixo Risco. Nº 37/2011 de 30/09/2011; Actualizada em 20/12/2013. Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil. Departamento da Qualidade na Saúde.
  6. Janier M, Hegyi V, Dupin N, Unemo M, Tiplica GS, Potočnik M, French P, Patel R. 2014 European Guideline on the Management of Syphilis. Acedido em: https://www.iusti.org/regions/europe/pdf/2014/2014SyphilisguidelineEuropean.pdf

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