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Introdução

Medicina Nuclear foi a designação atribuída à especialidade médica que utiliza as propriedades físico-químicas únicas das substâncias radioactivas para diagnosticar, tratar e investigar múltiplas patologias.

A maior parte dos procedimentos desta especialidade decorre no âmbito do diagnóstico, através da produção de imagem médica. A informação imagiológica fornecida privilegia a vertente funcional, nomeadamente de órgãos e sistemas. Tem ainda, e cada vez mais, um enfoque particular no estudo do metabolismo e da expressão de proteínas funcionais a nível celular caminhando, deste modo, na direcção da tão ambicionada medicina personalizada.

Para além de outras, tem a grande vantagem de avaliar, em tempo real e de uma forma minimamente invasiva, todo o corpo num único exame, aspecto que assume particular relevância em oncologia.

Utilizada em praticamente todos os campos da medicina tem, na pediatria, um leque de aplicações diversificado e a prova da sua tolerabilidade e segurança.

História

Embora sejam muitos os marcos históricos, merece especial destaque o ano de 1896, para sempre associado à descoberta da radioactividade por Antoine-Henri Becquerel. Marie e Pierre Curie descobriram o rádio e o polónio e receberam em 1903, juntamente com Becquerel, o Prémio Nobel da Física (fig. 1) [1].

Fig. 1 – Laureados com o Prémio Nobel da Física em 1903 pela descoberta e estudos sobre a radioactividade. Da esquerda para a direita Antoine-Henri Becquerel (1852-1908), Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934).

Fotografias: Copyright © The Nobel Foundation

Em todos os Serviços de Medicina Nuclear presta-se diariamente tributo a estes cientistas, uma vez que as unidades de medida da radioactividade (fig. 2) são o curie (Ci) e becquerel (Bq).

Fig. 2 – Esquema simplificado do decaimento radioactivo, em que um núcleo atómico instável emite radiação, tornando-se desta forma mais estável (a). Este processo liberta energia na forma de partículas (b) e/ou de energia electromagnética (c).

A unidade de radioactividade do Sistema Internacional (SI) é o becquerel (Bq). Um Bq corresponde a uma desintegração nuclear por segundo (dps). Um curie (Ci) corresponde à atividade contida num grama de rádio-226 (37.000.000.000 de dps)

George de Hevesy, distinguido com o Prémio Nobel da Química em 1943 [1,2], desenvolveu o conceito de traçador radioactivo, cuja designação mais frequente actualmente é a de radiofármaco.

A utilização terapêutica do I-131 no carcinoma da tiróide valeu, em 1946, o reconhecimento do potencial da Medicina Nuclear como especialidade autónoma. Os anos 50 do século XX assistiram à expansão da Medicina Nuclear, muito graças ao aumento da capacidade de produção de elementos radioactivos e à introdução do cintígrafo linear, primeiro equipamento a produzir imagens in-vivo da biodistribuição de um radiofármaco [2]. Os anos 60 e 70 trouxeram grandes avanços tecnológicos em equipamentos (em 1973, Michael Phelps e Edward Hoffman construíram o primeiro tomógrafo para Tomografia por Emissão de Positrões, mais conhecido pelo seu acrónimo inglês PET) e também na diversificação das aplicações clínicas, que se continuam a alargar até aos dias de hoje [2].

Muitos outros marcos foram responsáveis pela construção, passo a passo, de uma especialidade que, desde a sua origem, teve um cariz multidisciplinar, uma vez que contou com a colaboração de figuras proeminentes de diversas áreas da ciência, como a física, química, medicina, engenharia, etc.

Princípios básicos

É no núcleo instável do átomo que reside, tal como o próprio nome da especialidade indicia, “o princípio básico” da Medicina Nuclear. Radioactividade é o termo atribuído ao fenómeno espontâneo que ocorre em núcleos de átomos radioactivos (radioisótopos) e que consiste na libertação de energia (radiação) pelo seu núcleo instável, transformando-se num (mais) estável. Este fenómeno designa-se por decaimento radioactivo e pode ocorrer de diversos modos ou tipos (fig. 2). As leis da física conseguem prever, com uma exactidão e constância admiráveis, o tipo de decaimento e a taxa a que o mesmo ocorre, abrindo portas à utilização segura de isótopos radioactivos em medicina.

Qualquer que seja o procedimento, é necessário administrar ao doente, a maior parte das vezes por via endovenosa, pequenas quantidades de substâncias radioactivas que, neste contexto, se chamam radiofármacos. A radiação gama, graças ao seu poder penetrante e à capacidade de propagação no espaço, é detectada por equipamentos específicos (câmaras gama ou tomógrafos PET) que produzem a imagem (fig. 3). Essa imagem reflecte a distribuição do radiofármaco no corpo (biodistribuição), usando como “mensageiros” os fotões gama emitidos a partir de dentro do doente. Deste modo o processo de obtenção de imagem pela Medicina Nuclear é o oposto do obtido por exames radiológicos, em que a fonte de radiação reside no equipamento e não no doente.

Fig. 3 – Esquema simplificado da produção de imagem em Medicina Nuclear. Após a administração do radiofármaco (a), a radiação emitida (b) atravessa os tecidos do doente, é captada pelo detector do equipamento (c) e é “convertida” em imagem médica (d). A imagem é posteriormente interpretada tendo em conta o contexto clínico, dando origem ao relatório do exame.

Equipamentos/ Aparelhos

Existem dois tipos de equipamentos destinados a produzir imagem em Medicina Nuclear – as câmaras gama e os tomógrafos PET - permitindo a realização, respectivamente, de cintigrafias e de estudos PET. Embora com métodos de funcionamento distintos, ambos “transformam” a radiação gama detectada em imagem.

Existem muitos modelos de câmaras gama, variando no design, dimensões e número de detetores. A maior parte das imagens obtidas corresponde a representações bidimensionais da biodistribuição dos radiofármacos – são as chamadas imagens planares. Contudo, é possível obter imagens tridimensionais que, à semelhança da CT (do inglês computed tomography), criam imagens tomográficas. Esta técnica, denominada de SPECT (do inglês single photon emission computed tomography), pode incrementar a acuidade diagnóstica da cintigrafia. Algumas câmaras gama têm ainda, adicionalmente, um sistema de raios-X acoplado, constituindo equipamentos híbridos, que permitem tomografias com a fusão das duas modalidades de imagem, SPECT/CT (fig. 4). A CT serve para mapeamento anatómico e para corrigir a atenuação sofrida pela radiação gama ao atravessar os diferentes tecidos [2].

Fig. 4 – Exemplo de câmara gama híbrida (a) que integra detectores de radiação gama e um sistema de raios-X. Imagem cintigráfica planar (b) obtida com este equipamento (imagem 2D). Imagem tomográfica (c), SPECT/CT, centrada na região abdominal com os correspondentes cortes axiais da CT (c1), da SPECT (c2) e da fusão de ambos (c3). É ainda visível imagem 3D (c4) da SPECT.

No que diz respeito aos tomógrafos PET, a esmagadora maioria actualmente em uso são híbridos, PET/CT (fig. 5), uma vez que integram um sistema de tomografia por raios-X (ou mesmo um sistema de ressonância magnética: PET/RM). É uma tecnologia mais recente e dispendiosa que a das câmaras gama, tendo revolucionado a imagem em medicina com ganhos enormes na acuidade diagnóstica. Ao permitir o estudo do metabolismo e da expressão celular de várias moléculas, motivou a designação adicional de Imagem Molecular.

Fig. 5 – Exemplo de um tomógrafo PET/CT (a) que integra detectores de radiação gama e um sistema de raios-X. Imagem PET tridimensional (b). Corte axial (c) da PET com os correspondentes cortes da CT (d) e da fusão de ambos (e)

Radiofármacos

O radiofármaco (fig. 6) resulta da combinação de uma molécula, responsável pela biodistribuição, com um isótopo radioactivo, emissor de radiação.

Fig. 6 – Exemplo de um radiofármaco. Trata-se da molécula 2-[18F]-fluor-2-desoxi-D-glicose (FDG-F18), largamente a mais usada em estudos PET/CT. Neste caso o isótopo radioactivo é o 18F (Fluor-18).

A componente responsável pela biodistribuição liga-se um receptor celular, segue uma via metabólica ou identifica, de alguma forma, determinado tecido, órgão ou mesmo um sistema de órgãos. Embora não se lhes reconheçam efeitos farmacológicos, têm estatuto de medicamento obedecendo, por isso, às mesmas exigências legais e ao mesmo controlo por parte das entidades reguladoras.

Podemos dividir os radiofármacos em 3 grupos, de acordo com o tipo de utilização: para terapêutica, para cintigrafia (usados em câmara gama) e para PET. Em terapêutica procura-se a destruição de células alvo, pelo que os radiofármacos utilizados emitem radiação sob a forma de partículas. Já para os procedimentos imagiológicos, cintigrafias e estudos PET, a escolha recai sobre radiofármacos capazes de emitir directamente, ou de gerar a produção, de radiação electromagnética gama.

O tecnécio-99m (Tc-99m) é o isótopo mais frequentemente usado em cintigrafia, permitindo marcar várias moléculas, disponíveis comercialmente em kits susceptíveis de serem armazenados. Pode ser obtido com facilidade ao longo do dia, a partir de geradores portáteis que são fornecidos regularmente aos Serviços. O processo de marcação com este isótopo está muito simplificado, mas exige pessoal especializado e equipamento adequado.

Cuidados com a radiação (Radioprotecção)

Embora ocorra emissão de radiação dentro do corpo do doente capaz de provocar ionização de átomos a nível intracelular (radiação ionizante), os exames de Medicina Nuclear estão associados a doses de radiação absorvida frequentemente inferiores, no máximo equivalentes, às dos exames radiológicos que utilizam raios-X [3].

Em Pediatria Nuclear, as doses unitárias de radiofármacos a administrar são alvo de actualização regular por grupos de peritos internacionais, com o objectivo de assegurar a melhor relação possível entre qualidade de imagem e dose de radiação absorvida.

Contudo, existem alguns problemas adicionais que não se colocam em estudos radiológicos. Referimo-nos ao facto de existir exposição à radiação por parte de todos aqueles que contactam com o doente nas horas, ou mesmo dias, após a administração do radiofármaco. No entanto, sublinhamos que essa exposição é, na grande maioria dos casos, negligenciável. Quando tal não acontece, são fornecidas instrução específicas ao doentes e/ou cuidadores.

A rápida eliminação corporal do radiofármaco minimiza a dose de radiação absorvida pelos tecidos. Como a urina é a via preferencial para a eliminação de grande parte dos radiofármacos, a hidratação e micções frequentes são recomendações transversais a quase todos os procedimentos em Medicina Nuclear, contribuindo para diminuir a dose de radiação recebida pela criança.

Diferentes tipos de procedimentos

Exames

Todos os exames de Medicina Nuclear podem potencialmente ser realizados em crianças. Contudo, a epidemiologia da patologia determina o perfil de procedimentos usados em cada uma das etapas da vida. Durante os primeiros anos de vida, as cintigrafias para o estudo do sistema urinário são os mais utilizados. No recém-nascido a suspeita de atresia das vias biliares pode ser esclarecida com a cintigrafia heépato-biliar e a cintigrafia óssea é habitualmente usada após o 1º ano de vida. Em oncologia há várias técnicas que são um importante instrumento no auxílio ao diagnóstico, no estadiamento, na avaliação da resposta às terapêuticas e também na suspeita de recidiva. Na epilepsia a cintigrafia contribui para a localização do foco epileptógeneo e a quantificação do shunt pulmonar é possível de uma forma simples e com o mínimo de desconforto. A avaliação imagiológica funcional da tiróide é facilmente implementada em qualquer Serviço de Medicina Nuclear e a quantificação da densidade mineral óssea tem utilidade em várias patologias que afectam o crescimento e o metabolismo.

Tratamentos

Os radiofármacos são usados com fins terapêuticos há mais de 70 anos. Uma característica invulgar desta modalidade terapêutica decorre do facto de ser possível produzir imagens cintigráficas durante a ação do radiofármaco. Isto deve-se à radiação gama emitida pelos isótopos habitualmente usados em terapia, que se associa à radiação corpuscular. Tal como no adulto, também na criança o hipertiroidismo e o carcinoma diferenciado da tiróide são as situações que mais frequentemente beneficiam com a terapêutica com radiofármacos, neste caso com o iodo-131 (I-131). A meta-iodo-benzil-guanidina marcada com I-131 (MIBG-I131) pode ser usada no neuroblastoma, integrando esquemas que incluem outras modalidades terapêuticas. Para além das patologias referidas, o uso de radiofármacos com intuito terapêutico em Pediatria é muito limitado, ao contrário do que acontece nos exames de diagnóstico, em que o leque de aplicações clínicas é muito mais vasto.

Glossário

Câmara Gama – Equipamento de imagem médica que permite efectuar Cintigrafias ou Cintigramas

Cintigrafia ou Cintigrama – Exame de imagem obtido com a radiação gama emitida por um radiofármaco, capaz de ser detetada por câmaras gama

Medicina Nuclear – Especialidade médica que usa substancias radioactivas em doentes, para efectuar exames de diagnóstico e tratamentos específicos

PET – Acrónimo na língua inglesa que significa Tomografia por Emissão de Positrões. É um exame de imagem obtido num tomógrafo PET/CT, utilizando radiofármacos emissores de positrões

Radiofármaco - Substância radioactiva administrada aos doentes, que servem para efectuar exames (cintigrafias e PET) e tratamentos específicos

Tomógrafo PET/CT – Equipamento de imagem médica que permite a aquisição de exames PET

Bibliografia

  1. The official web site of the Nobel Prize - http://www.nobelprize.org/
  2. Williams LE. Anniversary Paper: Nuclear medicine: Fifty years and still counting. Med Phys. 2008 Jul; 35(7Part1):3020-3029.
  3. Fahey FH, Treves ST, Adelstein SJ. Minimizing and communicating radiation risk in pediatric nuclear medicine.
  4. J Nucl Med. 2011 Aug; 52(8):1240-51. Epub 2011 Jul 15.

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