Medicina Nuclear em Pediatria
Introdução
Medicina Nuclear é a especialidade médica que utiliza pequenas quantidades de substâncias radioactivas, denominadas radiofármacos, para tratar e, mais frequentemente, para efectuar exames de diagnóstico recorrendo a equipamentos específicos: câmaras gama e tomógrafos PET/CT (acrónimo inglês para Tomografia por Emissão de Positrões / Tomografia Computadorizada).
Os exames fornecem informações relevantes sobre um vasto leque de doenças, contribuindo para o seu diagnóstico e, quando conjugados com outros dados, para a escolha do melhor tratamento. Privilegiam a avaliação funcional e/ou metabólica dos tecidos e dos diversos órgãos do organismo, de uma forma não invasiva e potencialmente isenta de efeitos secundários.
A segurança associada à extensa lista de diferentes exames e tratamentos, faz com que a Medicina Nuclear possa ser usada em todas as idades, desde o nascimento até à fase mais adiantada da vida.
História
A história da Medicina Nuclear está intrinsecamente ligada à do desenvolvimento científico e tecnológico que colocou à disposição da humanidade a energia concentrada no núcleo de alguns átomos. O conhecimento do núcleo atómico, e dos seus diferentes estados de energia, abriu caminho para o uso médico da radioactividade, sem dúvida um dos melhores exemplos da utilização pacífica desta forma de energia.
Tudo começou em 1896, quando o físico francês Antoine-Henri Becquerel descobriu a radioactividade. Valeu-lhe, em 1903, juntamente com Marie e Pierre Curie, o prémio Nobel da Física (Fig. 1). Mais tarde, em 1926, George de Hevesy (Prémio Nobel da Química em 1943) propôs um dos conceitos mais importantes em Medicina Nuclear, o de traçador radioactivo ou radiofármaco.
Fig. 1 – Laureados com o Prémio Nobel da Física em 1903 pela descoberta e estudos sobre a radioactividade. Da esquerda para a direita Antoine-Henri Becquerel (1852-1908), Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934).
Fotografias: Copyright © The Nobel Foundation
Após a descoberta da radioactividade, a história da Medicina Nuclear faz-se em duas frentes: na evolução dos equipamentos e no desenvolvimento de radiofármacos, de que é exemplo o iodo-131, usado pela primeira vez em 1941 no tratamento de doenças da tiróide e um dos radiofármacos mais conhecidos.
Em 1973, Michael Phelps e Edward Hoffman construíram o primeiro tomógrafo PET, equipamento que mais tarde evoluiu para PET/CT, considerada pela revista TIME como a invenção médica do ano 2000.
A Medicina Nuclear é hoje uma especialidade em crescimento e a multidisciplinaridade mantém-se como característica intrínseca, uma vez que conta com contributos de diversas áreas da ciência, como a física, química, biologia, engenharia, etc.
Princípios básicos
É radioactivo todo o elemento químico que apresenta instabilidade do seu núcleo atómico, emitindo espontaneamente radiação ao procurar um estado de maior estabilidade energética (fig. 2). A Medicina Nuclear baseia-se na utilização da radiação proveniente de substâncias radioactivas administradas aos doentes (radiofármacos), para estudar ou tratar as suas doenças.
Fig. 2 – Esquema simplificado do decaimento radioactivo, em que um núcleo atómico instável emite radiação, tornando-se desta forma mais estável (a). Este processo liberta energia na forma de partículas (b) e/ou de energia electromagnética (A).
Na vertente de diagnóstico, a radiação emitida chama-se radiação gama, é capaz de se propagar no espaço e de ser detectada por equipamentos especiais, câmaras gama e tomógrafos PET, que também produzem a imagem (fig. 3). Deste modo o processo de obtenção de imagem pela Medicina Nuclear, que traduz a localização do radiofármaco no organismo, é o oposto do obtido por exames radiológicos, em que a fonte de radiação reside no equipamento e não no doente.
Fig. 3 – Esquema simplificado da produção de imagem em Medicina Nuclear. Após a administração do radiofármaco (a), a radiação emitida (b) é captada pelo detector do equipamento (c) e é “convertida” em imagem médica (d). A imagem é posteriormente interpretada tendo em conta o contexto clínico, dando origem ao relatório do exame
Na vertente terapêutica, os radiofármacos são usados há mais de 70 anos. Integram átomos radioactivos que emitem partículas (alfa ou, mais frequentemente, electrões) capazes de provocar a morte, mais ou menos selectiva, de determinadas células. Por vezes, também é possível produzir imagens cintigráficas durante o tratamento com estes radiofármacos. Isto deve-se à radiação gama emitida pelos isótopos habitualmente usados em terapia, que se associa à radiação corpuscular.
Equipamentos/ Aparelhos
Um serviço de Medicina Nuclear tem vários equipamentos. Contudo, os utentes desta especialidade contactam, essencialmente, com câmaras gama e tomógrafos PET/CT. Embora tenham um modo de funcionamento distinto, ambos são detectores de radiação capazes de produzir imagem médica.
Existem muitos modelos de câmaras gama, variando no design, dimensões e número de detectores. A maior parte das imagens obtidas corresponde a representações bidimensionais da biodistribuição dos radiofármacos (fig. 4). Contudo, à semelhança da TAC (ou CT do inglês Computed Tomography) é possível obter imagens tridimensionais utilizando uma técnica denominada de SPECT (do inglês Single Photon Emission Computed Tomography). Algumas câmaras gama têm ainda, adicionalmente, um sistema de raios-X acoplado, constituindo equipamentos híbridos, que permitem a fusão das duas modalidades de imagem, SPECT/CT.
Fig. 4 – Exemplo de câmara gama (a) e Imagem cintigráfica (b) – Cintigrafia Renal com DMSA-Tc99m.
A esmagadora maioria dos tomógrafos PET são híbridos, PET/CT (fig. 5), uma vez que integram um sistema de tomografia por raios-X. É uma tecnologia mais recente e dispendiosa que a das câmaras gama, tendo revolucionado a imagem em medicina. A sua utilização é muito vantajosa em algumas doenças oncológicas e em algumas doenças que afectam o cérebro.
Fig. 5 – Exemplo de um tomógrafo PET/CT (a) que integra detectores de radiação gama e um sistema de raios-X. Imagem PET tridimensional (b)
Radiofármacos
Radiofármacos são as substâncias radioactivas administradas aos doentes, com objectivos muito específicos, sendo mais usadas para efectuar exames (cintigrafias e estudos PET) e, menos frequentemente, para tratar determinadas doenças, como alguns casos de cancro da tiróide.
O radiofármaco (fig. 6) inclui sempre um elemento radioactivo e um componente responsável pela sua distribuição ou “transporte” dentro do organismo.
Fig. 6 – Exemplo de um radiofármaco. Trata-se da molécula de FDG-F18, largamente a mais usada em estudos PET/CT. Neste caso o isótopo radioactivo é o 18F (Flúor-18)
Seja qual for o objectivo, o radiofármaco segue as mesmas exigências legais que qualquer medicamento (embora quando usado em diagnóstico seja desprovido de efeitos farmacológicos), e a quantidade de substância administrada é sempre muito pequena. São por isso substâncias seguras e os efeitos secundários são praticamente inexistentes.
Cuidados com a radiação/ Radioprotecção
Embora ocorra, dentro do corpo do doente, emissão de radiação ionizante capaz de produzir iões (átomos ou moléculas com carga eléctrica), a verdade é que os exames de Medicina Nuclear estão associados a doses de radiação absorvida que, genericamente, são equivalentes ou mesmo inferiores às dos exames radiológicos que utilizam raios-X. Este aspecto é muito mais importante em Pediatria, uma vez que a criança é mais sensível aos efeitos da radiação que o adulto. É por isso feito o ajuste da “quantidade” de radiofármaco administrado, a maior parte das vezes em função da idade e do peso.
A rápida eliminação do radiofármaco minimiza a dose de radiação absorvida, e como a urina é a via de eliminação preferencial, a hidratação e micções frequentes são recomendações transversais a quase todos os procedimentos em Medicina Nuclear.
Para além da exposição do próprio utente, existe exposição à radiação por parte de todos aqueles que contactam com o doente nas horas ou, em alguns casos, mesmo dias após a administração do radiofármaco. No entanto, essa exposição é, na grande maioria dos casos, negligenciável. Quando tal não acontece, são fornecidas instrução específicas ao doentes e/ou cuidadores.
Estando as questões de exposição às radiações na ordem do dia, individualmente para cada exame descrito com maior detalhe em cada Tema / Artigo, serão fornecidas informações relacionadas com os cuidados a ter com a radiação.
Diferentes tipos de procedimentos
Exames
Os exames de Medicina Nuclear usados em pediatria dependem, obviamente, das doenças que atingem as crianças em cada uma das etapas da vida. Em cada Tema / Artigo, será detalhado o modo como a Medicina Nuclear contribui para cada patologia ou problema clínico, e serão dadas informações relativas a exames específicos.
Tratamentos
Tal como no adulto, também na criança o hipertiroidismo e o carcinoma diferenciado da tiróide são as situações que mais frequentemente beneficiam com a terapêutica com radiofármacos, neste caso com o iodo-131 (I-131). A meta-iodo-benzil-guanidina marcada com I-131 (MIBG-I131) pode ser usada no neuroblastoma, uma doença oncológica, integrando esquemas que incluem outras modalidades terapêuticas. Para além das patologias referidas, o uso de radiofármacos com intuito terapêutico em Pediatria é muito limitado, ao contrário do que acontece nos exames de diagnóstico, em que o leque de aplicações clínicas é muito mais vasto.
Glossário
Câmara Gama – Equipamento de imagem médica que permite efectuar Cintigrafias ou Cintigramas
Cintigrafia ou Cintigrama – Exame de imagem obtido com a radiação gama emitida por um radiofármaco, capaz de ser detectada por câmaras gama
Medicina Nuclear – Especialidade médica que usa substâncias radioactivas em doentes, para efectuar exames de diagnóstico e tratamentos específicos
PET – Acrónimo na língua inglesa que significa Tomografia por Emissão de Positrões. É um exame de imagem obtido num tomógrafo PET/CT, utilizando radiofármacos emissores de positrões
Radiofármaco - Substâncias radioactivas administradas aos doentes, que servem para efectuar exames (cintigrafias e PET) e tratamentos específicos
Tomógrafo PET/CT – Equipamento de imagem médica que permite a aquisição de exames PET
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