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Introdução

Definição

O hipotiroidismo é a situação clínica resultante da diminuição da ação das hormonas tiroideias a nível tecidular (1). Pode ser congénito ou adquirido, por doença da tiroide (primário) ou patologia hipotálamo-hipofisária (central). O hipotiroidismo congénito pode, por sua vez, ser transitório ou permanente.

Epidemiologia

O hipotiroidismo congénito tem uma incidência de aproximadamente 1:2500 nados-vivos (2), sendo a doença endócrina mais frequente no período neonatal e a causa mais comum de défice cognitivo passível de ser prevenida. É uma das patologias incluídas nos programas de diagnóstico precoce existentes em alguns países. Cerca de 90% dos casos são permanentes (1).

Relativamente ao hipotiroidismo adquirido, a causa mais frequente é a Tiroidite de Hashimoto, a qual é mais prevalente nos adolescentes, no sexo feminino, caucasianos ou com outras doenças autoimunes ou síndromes (2).

 

História Clínica

Anamnese

A maioria dos recém-nascidos com hipotiroidismo congénito não apresenta sintomas após o nascimento devido a passagem transplacentar de hormonas tiroideias maternas. Ao fim de alguns dias, pode ser notada letargia e dificuldade alimentar. Se não for diagnosticado, leva a atraso mental grave (2). 

Por outro lado, a maioria das crianças e adolescentes com hipotiroidismo adquirido estão assintomáticas na altura do diagnóstico (2). O hipotiroidismo adquirido moderado a severo manifesta-se geralmente por um declínio na velocidade de crescimento, o qual pode ser insidioso numa fase inicial. Outros sintomas de hipotiroidismo incluem: diminuição do rendimento escolar, intolerância ao frio, pele seca, queda de cabelo, mialgias e obstipação (1).

A criança com hipotiroidismo central pode ter cefaleias, alterações visuais ou manifestações clínicas resultantes da falta de outras hormonas hipofisárias (3). 

Exame objectivo

O recém-nascido com hipotiroidismo congénito pode apresentar fontanela anterior alargada, edemas, hipotonia, icterícia prolongada, hipotermia, palidez, bócio e má evolução ponderal (2). Se não for tratado, leva a caraterísticas fenotípicas particulares como face grosseira com macroglossia e lábios edemaciados, atraso do crescimento e hérnia umbilical (2). 

Na criança com hipotiroidismo adquirido, o achado mais comum ao exame objetivo é a presença de bócio. A criança pode ainda apresentar baixa estatura, excesso de peso, face redonda e pouco expressiva, bradicardia, pseudohipertrofia muscular e diminuição dos reflexos osteotendinosos (2).

A maioria dos adolescentes com hipotiroidismo apresenta atraso pubertário. Mais raramente, algumas crianças com hipotiroidismo severo podem ter puberdade precoce e hiperprolactinemia, uma condição conhecida como Síndrome Van-Wyk-Grumbach (2).

Diagnóstico Diferencial

O hipotiroidismo congénito pode resultar de (2,4):

  • Desenvolvimento anormal da glândula tiroide ou disgenesias (85% dos casos), sendo que a maioria correspondem a ectopia (66%) ou a aplasia ou hipoplasia da tiroide.
  • Defeito na produção de hormonas tiroideias por defeitos enzimáticos ou disormonogéneses (15%).
  • Outras causas mais raras incluem: resistência às hormonas tiroideias, hipotiroidismo iatrogénico por administração de iodo radioativo à mãe durante a gestação, hipotiroidismo neonatal central, hipotiroidismo transitório nos filhos de mães tratadas com antitiroideus, hemangiomas hepáticos, prematuridade.

O hipotiroidismo adquirido pode ter diferentes etiologias (3):

Hipotiroidismo primário:

  • Tiroidite crónica autoimune (ou de Hashimoto). É a causa mais frequente e resulta do efeito de certos estímulos ambientais (ex. infeções) num indivíduo geneticamente suscetível, levando a infiltração da tiroide por linfócitos T citotóxicos, libertação de citocinas inflamatórias e apoptose celular. Identificam-se 2 tipos principais de anticorpos: anticorpos antitireoperoxidade (TPO) e antitiroglobulina (Tg) (2). Apesar de serem característicos da tiroidite auto-imune, têm um papel secundário na patogénese da doença e são insuficientes para causar alterações clínicas. De notar que cerca de 15% da população geral pode apresentar um anticorpo positivo (mais frequente o anti Tg) sem qualquer patologia da função tiroideia associada.
  • Tiroidite subaguda (ou de Quervain). Processo inflamatório da glândula tiroide, geralmente após infecção vírica. Habitualmente há um pródromo tipo gripal que progride para dor intensa na região tiroideia, com irradiação mandibular, febre elevada e atingimento do estado geral. Na primeira fase, pode haver uma tireotoxicose, que depois evolui para eutiroidismo ou hipotiroidismo. Pode durar desde semanas até vários meses e geralmente tem uma resolução espontânea.
  • Síndrome do “eutiroideu-doente”. Em crianças sem história de patologia da tiroide, no contexto de doença aguda ou crónica, podem surgir alterações da função tiroideia, que dependem da severidade da doença (a primeira alteração notada é geralmente uma diminuição da T3, posteriormente uma diminuição da T4L e por fim uma diminuição da TSH). 
  • Deficiência ou excesso de iodo 
  • Drogas (antitiroideus, anticonvulsivantes, lítio, quetiapina, antisséticos iodados)
  • Dano tiroideu (radioterapia, iodo radioativo, tiroidectomia, doença infiltrativa)
  • Resistência às hormonas tiroideias (mutação do gene do recetor das hormonas tiroideias)

Hipotiroidismo central:

  • Por estimulação insuficiente de uma glândula tiroideia normal por défice de tireotropina (TSH) ou de hormona libertadora de tireotropina (TRH). Pode resultar de neoplasias ou defeitos estruturais da região hipotálamo-hipofisária, trauma, doenças genéticas, doenças autoimunes, infeções ou drogas (ex: glucocorticoides, dopamina, somatostatina)

Exames Complementares

Patologia Clínica

O rastreio neonatal do hipotiroidismo congénito consiste, na maioria dos países, no doseamento da TSH em papel de filtro (4), sendo que, em Portugal, é considerado positivo quando a TSH é superior a 20 mU/L (5). Esta forma de rastreio não diagnostica o hipotiroidismo congénito central.

Na suspeita de um hipotiroidismo adquirido, deve ser doseada a T4L e a TSH. No hipotiroidismo primário, a T4L está diminuída e a TSH está elevada. No hipotiroidismo subclínico, a TSH está elevada e a T4L normal. No hipotiroidismo central, a T4L está diminuída e a TSH está diminuída ou inapropriadamente normal. No hipotiroidismo primário, devem ser doseados os anticorpos antitiroideus (TPO e Tg). 

Imagiologia

Perante um hipotiroidismo congénito, deve ser efetuado um exame de imagem para avaliar a presença, tamanho e estrutura da tiroide e tentar definir qual a etiologia (ecografia ou cintigrafia com I123 ou Tc99), a qual pode ser realizada aos 3 anos de idade (4).

Na criança com Tiroidite de Hashimoto raramente estão indicados exames de imagem. A ecografia deve ser reservada para os casos em que o bócio é assimétrico, de grandes dimensões, ou quando existe um nódulo tiroideu palpável (2,3). 

Nas crianças com hipotiroidismo central, deve ser efetuada uma ressonância magnética cerebral e pesquisados outros défices hormonais hipofisários

Tratamento

Algoritmo clínico/ terapêutico

Após a confirmação do hipotiroidismo congénito, o recém‐nascido deve iniciar de imediato levotiroxina, na dose 10‐15 mcg/kg/dia(4). A levotiroxina deve ser administrada em jejum, sob a forma de comprimidos triturados. A T4L e a TSH devem ser reavaliadas 2-4 semanas após início da terapêutica, depois a cada 1-2 meses até aos 6 meses, a cada 2-3 meses entre os 6 meses e os 3 anos e a cada 6-12 meses até finalizar o crescimento. A T4L deve ser mantida no limite superior do normal e a TSH no limite inferior do normal (idealmente 0.5-2 mIU/L) durante os primeiros 3 anos de tratamento (4).

No hipotiroidismo adquirido, a dose de levotiroxina deve ser ajustada à idade: 1-3 anos: 4-6 mcg/kg/dia; 3-10 anos: 3-5 mcg/kg/dia; 10-18 anos: 2-4 mcg/kg/dia (3). Os valores de T4L e de TSH devem ser reavaliados 6-8 semanas após início da levotiroxina ou de uma modificação na dose e, após normalização, a cada 6-12 meses (2). 

Existe alguma controvérsia relativamente à necessidade de tratamento do hipotiroidismo subclínico. Como recomendação geral, é lícito iniciar levotiroxina nas crianças cuja TSH for superior a 10 mU/L (3).

Se a elevação da TSH for ligeira (5-10 mU/L), o seu doseamento deve ser repetido antes de ser feita qualquer intervenção terapêutica. Em mais de 70% destas crianças, a TSH é normal no segundo doseamento (3).
Na criança obesa, pode existir uma elevação ligeira da TSH que não necessita de tratamento e que é reversível com a perda de peso (3).

Evolução

O prognóstico do hipotiroidismo congénito identificado no rastreio neonatal é bom. No entanto, um atraso no diagnóstico e início de levotiroxina ou níveis persistentemente baixos de T4L nos primeiros anos de vida estão associados a défice cognitivo. 

Na maioria dos casos, o hipotiroidismo congénito implica terapêutica com levotiroxina durante toda a vida. Perante uma suspeita de hipotiroidismo congénito transitório, a levotiroxina deve ser suspensa durante um mês, após os 3 anos de idade, e a função da tiroide deve ser reavaliada (4).

Quanto à Tiroidite de Hashimoto, a maioria das crianças que estão eutiroideias ao diagnóstico mantêm-se estáveis nos 5 anos seguintes(2, 3). A presença de bócio, Síndrome de Down ou Turner, ou de outras doenças autoimunes aumenta o risco de progressão para hipotiroidismo.

Quando presente, o hipotiroidismo causado pela Tiroidite de Hashimoto não tem obrigatoriamente de ser permanente. No entanto, o tratamento com levotiroxina deve ser mantido até ao final do crescimento e do desenvolvimento pubertário e só então poderá ser equacionada suspensão da terapêutica e a reavaliação da função tiroideia (3).

Recomendações

Nos recém-nascidos com hipotiroidismo congénito devem ser excluídas outras malformações congénitas, recomendando-se que em todos seja efetuada avaliação cardíaca e rastreio auditivo. (4) O desenvolvimento psicomotor deve ser monitorizado (4).

Nas crianças com risco acrescido de Tiroidite de Hashimoto (ex. diabéticos tipo 1, Síndrome de Down), a função tiroideia deve ser avaliada por rotina. (2) As crianças com Tiroidite de Hashimoto com normofunção ou hipotiroidismo subclínico sem tratamento devem ser avaliadas cada 6-12 meses. (2)

Nas crianças com hipotiroidismo central, deve ser avaliado todo o eixo hipotálamo-hipofisário.

Bibliografia

  1. Mayayo Dehesa E. Hipotiroidismo y bocio. Protoc diagn ter pediatr. 2011:1:150-65
  2. Diaz A, Lipman Diaz EG. Hypothyroidism. Pediatr Rev. 2014 Aug;35(8):336-47
  3. LaFranchini, S. Acquired hypothyroidism in childood and adolescence. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Accessed on August 8, 2016)
  4. Léger J, Olivieri A, Donaldson M, Torresani T, Krude H, van Vliet G, Polak M, Butler G. European Society for Paediatric Endocrinology Consensus Guidelines on Screening, Diagnosis, and Management of Congenital Hypothyroidism. Horm Res Paediatr 2014;81:80–103
  5. Rodrigues AL, Carvalho A, Duarte CP, César R, Anselmo J. Hipotiroidismo congénito. Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2014;9(1):41–52

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