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Introdução

A prova de esforço (PE) é um exame complementar de diagnóstico não invasivo útil na avaliação do sistema cardiovascular. Consiste em fazer um registo electrocardiográfico (e em alguns casos também da saturação periférica de oxigénio) de forma contínua e medições seriadas da pressão arterial enquanto o doente desenvolve um esforço físico padronizado que aumenta gradualmente. Este exame permite avaliar sinais ou sintomas não existentes ou pouco expressivos em repouso e que surgem ou se intensificam com o exercício físico. A prova de esforço pode ser realizada em tapete rolante ou em bicicleta ergométrica. O protocolo mais frequentemente utilizado é o protocolo de Bruce em tapete rolante. Existem protocolos modificados para os doentes com dificuldades motoras.   

A prova de esforço é um exame muito dependente da colaboração do doente, pelo que a sua realização é difícil em crianças pequenas. A idade a partir da qual é possível realizar uma prova de esforço varia de criança para criança, e a equipa técnica que realiza a prova bem como o/os pais/adultos responsáveis que acompanham a criança têm um papel muito importante na sua colaboração. De um modo geral é possível realizar a prova a partir dos 7-8 anos de idade.    

Indicações para Realização de Prova de Esforço em Crianças e Adolescentes(1):

  • Avaliar sinais e/ou sintomas específicos que são induzidos ou agravados pelo exercício
  • Identificar respostas anormais ao esforço em crianças com doença cardíaca ou outra
  • Avaliar a eficácia de tratamentos médicos ou cirúrgicos específicos
  • Avaliar o nível de capacidade funcional para a realização de exercício recreacional ou competitivo
  • Avaliar o prognóstico em doenças específicas (ex.: fibrose quística)
  • Avaliar o nível de preparação física
  • Avaliar o desempenho basal e monitorizar a evolução de programas de reabilitação cardíaca

Contra-Indicações para Realização de Prova de Esforço em Crianças e Adolescentes(1):

Existem duas condições que são contra-indicações absolutas para a realização de prova de esforço e que são:

  1. Doença inflamatória miocárdica ou pericárdica aguda
  2. Obstrução grave do trato de saída aórtico ou pulmonar com indicação para intervenção cirúrgica

Existem algumas contra-indicações consideradas relativas devendo o risco ser avaliado especificamente para cada caso. Apesar dos riscos associados à realização da prova de esforço, esta prova permite avaliar a criança ou o adolescente num ambiente controlado com os equipamentos de segurança necessários, antes de lhe permitir a prática desportiva sem restrições. 

Contra-Indicações Relativas para a Realização de Prova de Esforço:

  • Insuficiência cardíaca agudizada
  • Enfarte agudo do miocárdio recente
  • Transplante cardíaco
  • Síndrome do QT longo
  • Síndrome de Marfan
  • Doença pulmonar aguda (ex.: crise de asma, pneumonia)
  • Hipertensão arterial sistémica grave
  • Doença renal aguda (ex.: glomerulonefrite aguda)
  • Hepatite aguda (com inicio nos três meses anteriores)
  • Intoxicação farmacológica que afecte a resposta cardiopulmonar ao exercício (ex.: digitálicos, salicilato, quinidina)
  • Arritmia ventricular grave, especialmente se associado a doença cardíaca significativa
  • Doença arterial coronária (artéria coronária esquerda anómala, hipercolesterolémia homozigótica, fase aguda da doença de Kawasaki)
  • Doença vascular pulmonar grave
  • Doença metabólica (glicogenólise tipo I e V)
  • Doença hemorrágica
  • Hipotensão ortostática

Realização da prova de esforço

No dia da prova de esforço a criança ou adolescente deve trazer uma roupa confortável e não deve beber bebidas com cafeína ou refeições pesadas nas 3h antes.

O exame é realizado num sitio específico, que geralmente se chama laboratório de prova de esforço, com o material técnico necessário. Realiza-se na presença de um técnico e é supervisionado por um médico. Quando o doente e os pais chegam o médico e o técnico explicam em que consiste o exame e o médico pode fazer algumas perguntas sobre os sintomas do doente e os seus antecedentes médicos. O doente e os pais podem esclarecer as dúvidas que tenham sobre o exame.

Para realizar o exame o doente tem que estar despido da cintura para cima, exceto a roupa interior. São colocados ao doente elétrodos para monitorização do eletrocardiograma (ECG), uma braçadeira para medição da pressão arterial (PA) e um oxímetro. É feita uma avaliação do ECG, da PA e da saturação periférica de oxigénio basais antes do início do exercício.

De seguida o doente começa a andar na passadeira rolante ou a pedalar na bicicleta e o esforço vai aumentando gradualmente de acordo com um protocolo definido a cada 3 minutos. A pressão arterial e o ECG são avaliados no final de cada estadio.

A prova termina quando surgirem alterações ou sintomas que devem determinar a sua interrupção (detalhados abaixo – critérios para terminar a prova de esforço), se o doente pedir para terminar a prova, ou quando o doente atingir o esforço máximo – que se define como 85% da frequência cardíaca máxima expectável para a idade. A frequência cardíaca máxima expectável para uma dada idade é de 200bpm menos a idade em anos.2

A monitorização do doente mantém-se durante a fase inicial de recuperação do esforço, durante pelo menos 6 minutos. A pressão arterial é medida antes do primeiro minuto, antes do 3º minuto e depois a cada 3 minutos de recuperação. A monitorização deve prolongar-se até que a PA tenha normalizado e enquanto o doente mantiver alterações electrocardiográficas desencadeadas pelo esforço.

Critérios para terminar a PE(1):

  • Obtenção de informação diagnóstica relevante e quando a continuidade da prova não fornece mais informações relevantes
  • Diminuição da frequência cardíaca com o aumento do esforço associado a cansaço extremo, tonturas ou outros sintomas sugestivos de débito cardíaco insuficiente
  • Não aumento da frequência cardíaca com o exercício físico e cansaço extremo, tonturas ou outros sintomas sugestivos de débito cardíaco insuficiente
  • Redução progressiva da pressão arterial com o aumento do esforço
  • Hipertensão arterial grave (sistólica > 250mmHg, diastólica > 125mmHg), ou PA mais elevada do que a que pode ser registada pelo equipamento do laboratório
  • Dispneia que o doente não consegue tolerar
  • Taquicardia sintomática que o doente não consegue tolerar
  • Redução da SpO2 para
  • Infra-desnivelamento do segmento ST em rampa descendente ou horizontal com ≥ 3mm
  • Aumento da ectopia ventricular com o aumento da carga, incluindo extrassistolia ventricular com > 3 complexos
  • Pedido do doente para terminar a prova
  • Ocorrência de falha dos equipamentos

Interpretação da prova de esforço

Durante o exercício físico em indivíduos saudáveis há um aumento da FC, do índice cardíaco, e da pressão arterial média. No exercício físico dinâmico (como o realizado em tapete rolante) há uma aumento da pressão arterial sistólica e a pressão arterial média e a pressão arterial diastólica mantêm-se aproximadamente constantes.(3) Não existem valores de referência unânimes em Pediatria para as várias variáveis avaliadas durante uma prova de esforço, apesar de haver vários trabalhos que tentam estabelecer valores padrão.(4)

Durante a PE há uma monitorização contínua de sintomas, de sinais de isquemia ou de arritmia no ECG, da saturação periférica de oxigénio (no caso das provas com avaliação do consumo de oxigénio) e da resposta da frequência cardíaca e da pressão arterial ao esforço.

Parâmetros avaliados(1,3):

  • Duração da prova

O tempo que a criança consegue manter-se a realizar a prova relaciona-se com o consumo máximo de O2 (VO2 máximo), e este parâmetro é utilizado como preditor da capacidade de exercício, ou capacidade funcional em crianças.  Existem tabelas com percentis por idade e por sexo do tempo de duração da prova (tabela 1 e tabela 2).

Tabela 1. Percentis de duração da prova para o protocolo de Bruce em tapete rolante em rapazes dos 4 aos 18 anos

  Percentis  
Idade (anos) 10 25 50 75 90 Média +/- DP
4-5 6.8 7.0 8.2 10.0 12.7 8.9 +/-2.4
6-7 6.6 7.7 9.6 10.4 13.1 9.6+/-2.3
8-9 7.0 9.1 9.9 11.1 15.0 10.2+/-2.5
10-12 8.1 9.2 10.7 12.3 13.2 10.7+/-2.1
13-15 9.6 10.3 12.0 13.5 15.0 12.0+/-2.0
16-18 9.6 11.1 12.5 13.5 14.6 12.2+/-2.2

Fonte: CHATRATH, R., et al. Physical fitness of urban American children. Pediatric Cardiology, 2002, 23.6: 608-612.

Tabela 2. Percentis de duração da prova para o protocolo de Bruce em tapete rolante em raparigas dos 4 aos 18 anos

  Percentis  
Idade (anos) 10 25 50 75 90 Média +/- DP
4-5 6.8 7.2 7.4 9.1 10.0 8.0 +/- 1.1
6-7 6.5 7.3 9.0 9.2 12.4 8.7 +/- 2.0
8-9 8.0 9.2 9.8 10.6 10.8 9.8 +/- 1.6
10-12 7.3 9.3 10.4 10.8 12.7 10.7 +/-2.1
13-15 6.9 8.1 9.6 10.6 12.4 9.6 +/-2.1
16-18 7.4 8.5 9.5 10.1 12.0 9.5 +/- 2.0

Fonte: CHATRATH, R., et al. Physical fitness of urban American children. Pediatric Cardiology, 2002, 23.6: 608-612.

  • Frequência cardíaca

A FC é medida continuamente pelo sinal de ECG e deve aumentar com o exercício físico. A FC máxima expectável em crianças e adolescentes é variável mas a maior parte dos autores considera em pediatria que deverá ser calculada de seguinte forma: 200bpm – a idade da criança (em anos). A FC diminui abruptamente durante o primeiro minuto de recuperação para cerca de 140-150bpm em crianças saudáveis. Aumentos inadequados da FC podem ocorrer na doença do nódulo sinusal, bloqueio aurículo-ventricular congénito e após cirurgia cardíaca. Uma FC desproporcionadamente elevada no inicio do exercício físico pode ser sinal de descondicionamento físico. Uma prova de esforço sem alterações só é considerada conclusiva se atingir uma FC> 85% da FC máxima expectável.

  • Pressão arterial

A pressão arterial é medida no braço por método auscultatório ou oscilométrico. Estava avaliação é difícil de realizar durante o exercício físico. A PA sistólica eleva-se geralmente até 180mmHg, e raramente acima de 200mmHg, com pouca variação da PA diastólica. Após terminar o esforço a PA sistólica regressa ao valor basal em cerca de 10 minutos.

Um aumento da PA sistólica inferior ao expectável pode traduzir uma incapacidade do doente de aumentar o débito cardíaco, o que pode ocorrer em doentes com cardiomiopatia, obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, doença arterial coronária ou arritmias auriculares ou ventriculares.

  • ECG

A monitorização do ECG permite a identificação de arritmias e de sinais de isquémia.

As arritmias induzidas pelo esforço - que aumentam de frequência ou surgem com o exercício físico, são geralmente arritmias significativas. A ocorrência de arritmias ventriculares graves pode ser uma indicação para terminar a prova de esforço.

O infra-desnivelamento do segmento ST induzido pelo esforço é a manifestação mais frequente de isquémia miocárdica induzida pelo esforço. Em crianças considera-se como valorizável um infra-desnivelamento do segmento ST em rampa descendente ou horizontal de 2mm ou mais quando medido 80ms após o ponto J (ver capítulo sobre ECG).

Se o ECG em repouso já apresenta depressão do segmento ST deve ocorrer um aumento da depressão de pelo menos 1mm com o exercício físico para que esta possa ser valorizada. O ECG tem uma baixa especificidade para isquémia na presença de alterações ST-T em repouso e em doentes medicados com digoxina. Quando existem alterações da repolarização (como por exemplo no bloqueio de ramo ou na pré-excitação do síndrome de Wolff-Parkinson White) não é possível valorizar alterações do segmento ST.  

  • Saturação periférica de oxigénio (nas PE com avaliação do consumo de O2)

As crianças saudáveis mantêm a saturação periférica de oxigénio acima de 90% durante o exercício físico máximo. A dessaturação (uma saturação periférica de oxigénio

Bibliografia

  1. PARIDON, Stephen M., et al. Clinical stress testing in the pediatric age group. Circulation, 2006, 113.15: 1905-1920.
  2. MYUNG, K. Park; PARK, M. D. Pediatric cardiology for practitioners. 2014.
  3. Pivarnik JM, Coe DP. Overview of aerobic exercise testing in children and adolescents. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Accessed on May 12, 2017.)
  4. BLAIS, Samuel, et al. A systematic review of reference values in pediatric cardiopulmonary exercise testing. Pediatric cardiology, 2015, 36.8: 1553-1564.

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