Alergia aos crustáceos
Introdução
Alergias alimentares são reações imunológicas adversas a alimentos.
Crustáceos são animais marinhos invertebrados que possuem carapaça e 10 patas, como camarão, caranguejo e lagosta.
Devem ser distinguidos dos moluscos, que englobam os bivalves (ostras, ameijoas, etc), os gastrópodes (caracóis) e os cefalópodes (polvo, lulas, pota).
O termo marisco refere-se ao conjunto dos crustáceos e moluscos.
Epidemiologia
A alergia ao marisco, e aos crustáceos em particular, é mais frequente em adultos, mas afeta 0,5-1,5% das crianças.
A prevalência de alergia aos moluscos em alérgicos a crustáceos é de cerca de 50%.
História Clínica
HISTÓRIA CLÍNICA
Anamnese
Perante a suspeita de alergia alimentar, é importante a colheita de uma história clínica detalhada. Assim, deve-se procurar obter as seguintes informações:
- Tempo decorrido entre a exposição e o início de sintomas.
- Tipo de exposição (inalação, contacto ou ingestão) e quantidade de alimento suspeito ingerida.
- Sinais e sintomas presentes e sua evolução.
- Contexto em que ocorreu a reacção, nomeadamente quanto à altura do dia, ambiente, actividades realizadas em simultâneo como esforços físicos ou indutoras de stress, estado de doença/medicação realizada, diário alimentar que englobe todos os alimentos ingeridos nesse dia, forma de preparação dos alimentos, alimentos não ingeridos mas preparados no mesmo espaço e condimentos utilizados.
- Medicação realizada após o episódio e medicação habitual.
- Antecedentes pessoais e familiares de doença alérgica, nomeadamente asma, rinite, conjuntivite, dermatite, alergia alimentar, alergia medicamentosa, alergia a himenópteros, etc.
Exame objetivo
Tratando-se de uma reação IgE-mediada, o desenvolvimento de sintomas é imediato, geralmente nos primeiros minutos após exposição e até duas horas depois.
Os sintomas cutâneos são os mais frequentes e englobam eritema, urticária, angioedema e dermatite atópica. Outros sistemas potencialmente envolvidos são o gastrointestinal (vómitos, diarreia, dor abdominal), respiratório (rinite, pieira, tosse, dispneia) e cardiovascular (hipotensão, toracalgia, palpitações, paragem cardíaca). Quando os sintomas envolvem dois sistemas diferentes, sendo um maioritariamente das vezes o cutâneo, estamos perante uma anafilaxia.
A presença de sinais e sintomas intermitentes não deve ser interpretada como exclusão de alergia, uma vez que espécies diferentes de marisco têm proteínas diferentes e, portanto, um indivíduo pode ser alérgico apenas a determinada proteína que existe só em alguns crustáceos.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial inclui formas de alergia aos crustáceos não IgE-mediadas, como a Síndrome de Enterocolite Induzida por Proteínas Alimentares (FPIES).
A patogénese desta entidade não está completamente esclarecida, mas pensa-se ser mediada por células T e manifesta-se essencialmente por vómitos profusos com necessidade frequente de hidratação endovenosa.
Outro diagnóstico diferencial importante são reações adversas não imunomediadas, como a reação ao anisakis, um parasita por vezes presente no peixe e marisco, ou a outros vírus, bactérias e toxinas filtrados pelos camarões.
De referir que o marisco é um alimento histaminolibertador, podendo causar exantema na ausência de reacção imunológica, pelo que esta manifestação não constitui alergia.
Exames Complementares
Os testes cutâneos são a primeira-linha, dado que são rápidos, facilmente acessíveis e com baixo custo associado. Existem diversos extractos comerciais disponíveis, heterógenos na sua composição. Por esse motivo, testes prick-to-prick com crustáceos geograficamente mais relevantes podem ser particularmente úteis, com maior sensibilidade e valor preditivo negativo, embora menor especificidade e valor preditivo positivo que os testes comerciais.
A quantificação de IgEs específicas no soro é útil para suportar o diagnóstico, embora a correlação clínica seja fundamental, já que a deteção de níveis elevados de uma determinada IgE pode ser devida a reactividade cruzada e não ter manifestação alérgica.
Os testes moleculares têm mostrado resultados promissores. A tropomiosina assume o papel principal na sensibilização ao camarão, existindo duas moléculas possíveis de detectar comercialmente, a Pen a 1 e a Pen m 1, sendo esta última o principal alergénio implicado na sensibilização ao camarão. No entanto, o significado clínico desta determinação é incerto.
A prova de provocação oral mantém-se o gold standard para o diagnóstico, apesar de dispendiosa, morosa e com risco de anafilaxia. Geralmente é iniciada com 3 miligramas de proteína do crustáceo em causa, com doses progressivamente maiores a cada 15 minutos até atingir 0,1 a 1 gramas de proteína de dose final.
Tratamento
O tratamento consiste na evicção do alergénio. Devem ser evitados todos os crustáceos, devido à possibilidade de reactividade cruzada e de contaminação cruzada na sua preparação, até à exclusão de alergia com prova de tolerância oral.
Nos casos de manifestações clínicas induzidas por inalação, devem ser evitados espaços onde são cozinhados crustáceos.
No caso de contacto com o alergénio, perante manifestações cutâneas, devem ser administrados anti-histamínicos e/ou corticoesteróides.
No caso de anafilaxia, deve ser administrada a caneta de adrenalina intramuscular e procurada observação médica. Se em ambiente hospitalar, administrar adrenalina (1:1000) 0,01 ml/kg por via intramuscular.
A imunoterapia específica (ITE) para dessensibilização ao camarão ainda não está disponível na prática clínica. A principal dificuldade no desenvolvimento da mesma prende-se com a heterogeneidade de alérgenos extraídos do camarão e a elevada alergenicidade da tropomiosina, pelo que as ITE desenvolvidas com base nesta proteína apresentam efeitos adversos graves. Estudos recentes têm mostrado que a obtenção de tropomiosina hipoalergénica poderá ser promissora.
Evolução
Ao contrário das alergias alimentares mais frequentes nas crianças, a alergia aos crustáceos geralmente manifesta-se em idades mais tardias e persiste na vida adulta. Devido à reatividade cruzada com os ácaros (essencialmente da responsabilidade da tropomiosina do ácaro Der p 10), é habitual esta alergia ser precedida por uma sensibilização a ácaros.
Por este motivo, pensa-se que a imunoterapia específica para ácaros possa ter algum papel no tratamento da alergia aos crustáceos, mas a evidência é escassa e existem casos reportados de sensibilização aos crustáceos após realização de imunoterapia específica para ácaros.
Recomendações
- Perante história de anafilaxia, o doente deve acompanhar-se de caneta de adrenalina (verificar validade), anti-histamínico e corticosteróide oral.
- Evitar a contaminação cruzada na preparação dos alimentos, utilizando utensílios separados e idealmente bancadas separadas.
- Não aceitar alimentos de composição desconhecida.
- Informar a escola e os locais que a criança/adolescente frequenta acerca desta alergia alimentar.
- Deve ser também evitado o contacto/ingestão com moluscos até à realização de prova de provocação oral com estes alimentos.
Bibliografia
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