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Introdução

A alergia ao peixe é uma reação de hipersensibilidade imediata, geralmente mediada por imunoglobulina E (IgE), desencadeada por proteínas musculares do peixe, predominantemente a parvalbumina. Trata-se de uma das alergias alimentares mais frequentes em idade pediátrica e uma das que mais frequentemente persistem na idade adulta.

As manifestações clínicas variam de urticária e angioedema a anafilaxia. O reconhecimento precoce, diagnóstico adequado e educação dos cuidadores são fundamentais para a prevenção de reações potencialmente fatais.

Epidemiologia

A prevalência estimada da alergia ao peixe situa-se entre 0,2% e 0,3% das crianças em países ocidentais, sendo superior em regiões com elevado consumo de peixe, como zonas costeiras e países asiáticos.

Em Portugal, os dados populacionais são limitados; estudos clínicos apontam o peixe como responsável por cerca de 6,5% das alergias alimentares diagnosticadas em idade pediátrica e por 8% das reações anafiláticas por alergia alimentar.

A alergia pode surgir nas primeiras exposições alimentares e manter-se ao longo da vida.

História Clínica

Anamnese

A anamnese detalhada é fundamental para o diagnóstico. Devem ser investigados: Tipo e quantidade de peixe ingerido, modo de confecção e tempo decorrido até ao início dos sintomas; Sintomatologia apresentada (cutânea, respiratória, gastrointestinal, cardiovascular); Episódios anteriores, mesmo que ligeiros; Coexistência de asma, rinite alérgica ou outras doenças atópicas; Possível contaminação cruzada ou inalação de vapores durante a confecção; Medicação concomitante (AINEs, β-bloqueadores) e fatores exacerbantes (exercício, infeções).  

Exame objectivo

Durante a fase aguda, a avaliação deve ser sistemática, considerando os diferentes órgãos e sistemas potencialmente envolvidos:

  • Cutâneos:
    • Urticária generalizada ou localizada (pápulas eritematosas e pruriginosas).
    • Angioedema, especialmente de lábios, pálpebras ou face.
    • Eritema difuso ou prurido intenso sem lesões evidentes.
  • Respiratórios:
    • Rinorreia, congestão nasal ou espirros (reação leve).
    • Tosse, pieira (sibilos), dispneia, estridor ou sensação de aperto torácico.
    • Sinais de obstrução de vias aéreas superiores (laringoespasmo, dificuldade respiratória).
  • Gastrointestinais:
    • Dor abdominal tipo cólica, náuseas, vómitos ou diarreia.
    • Distensão abdominal e desconforto epigástrico.
  • Cardiovasculares:
    • Taquicardia, hipotensão, palidez ou lipotímia.
    • Choque anafilático em casos graves, com perfusão periférica diminuída e alteração do nível de consciência.
  • Neurológicos (em reações graves):
    • Ansiedade, sensação de “iminência de morte”, confusão, agitação ou perda de consciência em contexto de anafilaxia.

Em contexto não agudo, a observação física pode revelar apenas estigmas de atopia, como dermatite atópica, rinite alérgica ou sinais de hiper-reatividade brônquica.

Diagnóstico Diferencial

  • Intoxicação por histamina (síndrome escombróide): ocorre após ingestão de peixe mal conservado (atum, cavala), devido a níveis elevados de histamina; sintomas semelhantes, mas sem mecanismo imunológico.
  • Alergia a marisco ou crustáceos: diferenciar pela exposição específica.
  • Reações não alérgicas a aditivos alimentares (sulfitos, corantes).
  • Intolerâncias alimentares e síndromes de alergia oral (menos frequentes com peixe).

Exames Complementares

Patologia Clínica

O diagnóstico da alergia ao peixe é fundamentalmente clínico, estabelecido pela relação temporal entre a ingestão e o aparecimento dos sintomas. Os exames complementares têm como objetivo confirmar a sensibilização, caracterizar o mecanismo imunológico envolvido e avaliar o risco de reação em exposições futuras.

  • Testes cutâneos por picada (prick test):
    • Representam o primeiro passo da investigação em casos suspeitos de reação IgE-mediada. Utilizam-se extratos comerciais padronizados ou, idealmente, peixe fresco (teste “prick-prick”), por melhor refletirem a composição antigénica natural. O teste é considerado positivo quando a pápula tem diâmetro ≥3 mm em relação ao controlo negativo.
    • Indicações: história clínica compatível com reação imediata (minutos a 2 h após ingestão); avaliação inicial de sensibilização.
    • Limitações: falsos negativos podem ocorrer quando a proteína alergénica é alterada pelo processamento térmico; falsos positivos podem refletir apenas sensibilização sem expressão clínica.
  • IgE específica sérica (imunoensaio):
    • Quantifica a presença de IgE dirigida contra extratos de peixe ou espécies específicas (por exemplo, bacalhau, salmão, atum). Pode ser usada isoladamente ou como complemento ao teste cutâneo.
    • Indicações: quando há contraindicação para testes cutâneos (dermatite extensa, uso de anti-histamínicos); necessidade de comparar sensibilizações entre espécies; monitorização da evolução da alergia.
    • Interpretação: níveis elevados sugerem sensibilização, mas a correlação clínica é indispensável para confirmação diagnóstica.
  • Diagnóstico molecular:
    • Permite detectar IgE dirigida contra componentes alergénicos purificados, como a parvalbumina rGad c 1. Esta abordagem melhora a precisão diagnóstica, distinguindo entre sensibilização primária e reatividade cruzada.
    • Indicações: múltiplas sensibilizações, discrepância entre resultados laboratoriais e clínica, ou necessidade de avaliação do risco de reações sistémicas.
  • Testes de provocação oral controlada (oral food challenge):
    • Considerados o gold standard no diagnóstico da alergia alimentar. Consistem na administração gradual e controlada do peixe sob supervisão médica em meio hospitalar com suporte de emergência disponível.
    • Indicações: diagnóstico incerto após testes cutâneos e IgE específica; reavaliação da persistência da alergia ou aquisição de tolerância.
    • Contraindicações: história recente de anafilaxia grave, asma não controlada ou doenças intercorrentes.
  • Testes de exclusão e reintrodução alimentar:
    • Úteis sobretudo em reações não IgE mediadas, quando os sintomas são tardios (horas a dias após a exposição). Consistem na eliminação completa do peixe da dieta durante 2–4 semanas, seguida de reintrodução controlada sob supervisão médica.
    • Indicações: manifestações gastrointestinais crónicas ou atípicas sem confirmação laboratorial.

Tratamento

A abordagem baseia-se na evicção rigorosa do peixe e na prevenção de exposições acidentais.

  • Medicação de emergência: todas as crianças com história de reação sistémica devem dispor de adrenalina autoinjetável e de um plano escrito de atuação em caso de reação. Anti-histamínicos e corticoterapia oral podem ser usados para reações ligeiras a moderadas.
  • Educação e treino de cuidadores, professores e da própria criança (conforme idade) quanto ao reconhecimento precoce dos sintomas e à administração correta da adrenalina.
  • Acompanhamento Médico: avaliação periódica, atualização da medicação e reavaliação da sensibilização.

Atualmente não existe imunoterapia específica eficaz para a alergia ao peixe na prática clínica.

Evolução

A alergia ao peixe é habitualmente persistente. A tolerância espontânea ocorre em minoria dos casos e, quando presente, pode ser espécie-específica.

Reações graves podem ocorrer mesmo após longos períodos de evicção, pelo que o risco deve ser considerado permanente.

Recomendações

  • Evicção completa de todas as espécies de peixe até avaliação e orientação individualizada.
  • Vigilância apertada em contexto escolar e social.
  • Educação do doente e cuidadores sobre leitura de rótulos e identificação de fontes ocultas de peixe (molhos, caldos, surimi).
  • Fazer-se acompanhar da medicação de emergência.
  • Acompanhamento médico regular para reavaliação do risco e atualização do plano de ação.

Saber Mais

Parvalbumina – Principal proteína alergénica do peixe, termoestável e resistente à digestão, responsável pela maioria das reações alérgicas.

IgE (Imunoglobulina E) – Anticorpo envolvido nas reações alérgicas imediatas; liga-se a mastócitos e basófilos, desencadeando libertação de histamina.

Anafilaxia – Reação alérgica sistémica grave e potencialmente fatal, que surge rapidamente após a exposição ao alergénio.

Prick test (teste cutâneo por picada) – Exame que avalia a sensibilização alérgica, introduzindo pequenas quantidades de alergénio na pele.

Reatividade cruzada – Reação alérgica a diferentes espécies devido à semelhança estrutural das proteínas alergénicas (ex.: vários tipos de peixe).

Síndrome escombróide – Intoxicação por histamina após ingestão de peixe mal conservado, que pode imitar uma reação alérgica verdadeira.

Bibliografia

  1. Wöhrl S et al. Component-resolved diagnosis in fish allergy. Curr Allergy Asthma Rep. 2020;20(12):77.
  2. Muraro A, Werfel T, Beyer K, et al. EAACI Food Allergy and Anaphylaxis Guidelines: Diagnosis and management of food allergy. Allergy. 2022;77(2):249–273.
  3. Gaspar Â, Santos N, Faria E, et al. Anaphylaxis in children and adolescents: The Portuguese Anaphylaxis Registry. Pediatr Allergy Immunol. 2021;32(6):1278-1286. doi:10.1111/pai.13511

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