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Introdução

Definição

A fenilcetonúria (PKU; MIM # 261600) foi descrita primeiramente na Noruega, por Asbjörn Fölling, em 1934, em duas crianças com atraso mental. Bioquimicamente, esta doença, caracteriza-se por hiperfenilalaninemia (HFA), isto é, por uma elevação persistente da fenilalanina no organismo.

A HFA é o resultado de um defeito na hidroxilação do aminoácido fenilalanina. Em cerca de 98% dos casos, a HFA é consequência do défice hepático da enzima hidroxílase da fenilalanina (HF), embora também possam ocorrer defeitos no metabolismo do seu cofactor, a tetrahidrobiopterina (BH4). Neste texto, sempre que nos referirmos à fenilcetonúria, estaremos a falar do défice da enzima HF e não dos defeitos no metabolismo da BH4.

É uma doença genética, com hereditariedade autossómica recessiva e o gene que codifica a enzima HF está localizado no cromossoma 12. Existe cerca de 1000 mutações causadoras de doença, sendo as mais frequentes em Portugal: IVS10-11G>A, R261Q e V388M.

Epidemiologia

A PKU é uma doença rara, sendo que nos caucasianos, a prevalência varia entre 1:4000 e1:40000. Em Portugal, até ao final de 2015, a prevalência foi de 1:10512 recém-nascidos.

História Clínica

Anamnese, exame objectivo

Uma criança com PKU parece normal ao nascimento e durante os primeiros meses de vida. Após este período pode apresentar os seguintes sintomas/sinais:

  • convulsões
  • tremores, movimentos espasmódicos dos braços e pernas
  • má evolução ponderal, microcefalia
  • alterações cutâneas como eczema
  • diminuição da pigmentação com pele, cabelo e olhos mais claros (a tirosina é convertida em melanina, pigmento responsável pela cor da pele e do cabelo)
  • odor corporal característico: suor e urina

Se não for diagnosticada e tratada, a PKU pode causar ainda:

  • atraso do desenvolvimento psicomotor com défice cognitivo grave causada pela neurotoxicidade da hiperfenilalaninemia
  • alterações do comportamento: hiperactividade e agressividade
  • epilepsia

Se o tratamento for instituído precocemente nas duas primeiras semanas de vida as crianças não chegam a apresentar sintomas.

Diagnóstico

O Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (PNDP) Português realiza, desde 1979, testes de rastreio para a PKU em todos os recém-nascidos, o chamado “teste do pezinho”.

Em Portugal, todas as análises laboratoriais do PNDP são efetuadas num único laboratório, a Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética, do Departamento de Genética Humana, no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no Porto.

Nas maternidades, hospitais e centros de saúde, existem fichas apropriadas para a colheita que deverá ser feita entre o 3º e o 6º dia de vida. Antes do 3º dia os valores dos marcadores existentes do sangue do bebé podem não ter valor diagnóstico e após o 6º dia há o risco de atrasar o início do tratamento. A colheita deverá, no entanto, ser sempre executada, mesmo que tardiamente.

Os resultados do “teste do pezinho” podem ser consultados em Portugal no site do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce utilizando o código de barras dado aos pais no memento da colheita.

A cromatografia dos aminoácidos séricos deve ser posteriormente realizada para confirmar o diagnóstico, assim como o estudo molecular.

Diagnóstico Diferencial

Os defeitos na síntese ou regeneração do cofactor BH4 (tetrahidrobiopterina) da enzima PAH também causam HPA, pelo que é importante rastrear especialmente quando se verificam valores plasmáticos de tirosina normais.

Assim, o défice da síntese de BH4 ou o défice de actividade enzimática de dihidropteridinaredutase (DHPR), devem ser diagnosticados pela determinação das biopterinas e neopterinas urinárias a todos os recém-nascidos com HPA e da determinação da actividade da DHPR sanguínea.

Os defeitos no metabolismo das biopterinas apresentam atingimento neurológico grave e progressivo, uma vez que ocorre uma desregulação da síntese de neurotransmissores, nomeadamente da dopamina, noradrenalina, adrenalina e serotonina.

A hiperfenilalaninemia pode, também, ser transitória (nos prematuros ou nos recém-nascidos e nos filhos de mães fenilcetonúricas), secundária (associada à tirosinémia hereditária) e ainda adquirida (por infecções ou estados inflamatórios, insuficiência renal crónica, insuficiência hepática e tratamento com metotrexato ou outras drogas como o antifolato).

Exames Complementares

O diagnóstico da PKU é realizado através do rastreio neonatal, numa fase pré-sintomática, a partir de sangue colhido em papel de filtro. Nos casos positivos verifica-se uma elevação da fenilalanina, comprovando-se por vezes, valores de tirosina baixos.

De acordo com os valores de rastreio poderemos falar em varias formas da doença; assim, em Portugal, a Comissão Nacional de Diagnostico Precoce considera que:

  1. Hiperfenilalaninemia: níveis de Phe no plasma entre 3mg/dL e 6mg/dL, ou seja, inferiores a 6 mg/dl (360 µmol/dL), forma benigna, clínica e bioquimicamente, actividade residual de 10-35% do valor normal, tratamento dietético bastante liberal.
  2. PKU moderada ou atípica: níveis de Phe no plasma entre 6mg/dL e 20mg/dL(360 e 1200 µmol/dL) requerem tratamento, mas com dieta menos restritas em Phe; actividade enzimática residual é inferior a 10% do valor normal.
  3. PKU clássica: níveis de Phe no plasma superior a 20mg/dL (1200 µmol/dL), pelo que deve ser instituído tratamento dietético imediato; a tolerância de Phe é geralmente inferior a 350 mg/dia; a actividade enzimática residual de PAH é praticamente indetectável.

Deve ser feita a confirmação do diagnóstico, com cromatografia dos aminoácidos séricos e estudo molecular no gene PHA e exclusão de outras causas de HPA.

Tratamento

O tratamento assenta fundamentalmente numa dieta restrita em fenilalanina, a qual deve garantir um bom desenvolvimento cognitivo, a par de um crescimento harmonioso. O tratamento tem de ser mantido ao longo da vida, com redução de consumo de alimentos que contenham Phe, introdução na dieta de produtos especiais com baixo teor de Phe, suplementação com misturas de aminoácidos essenciais e suplementação vitamínica e mineral.

O tratamento é implementado sempre que se verifiquem concentrações de Phe plasmática superiores a 6mg/dL. O recém-nascido com  valores de rastreio entre 3 e 6mg/dL é desejável manter uma monitorizarão mensal dos valores de Phe plasmática, mantendo uma dieta sem quaisquer restrições. As variações nas concentrações plasmáticas de Phe podem ser significativas, principalmente aquando da introdução de novos alimentos na diversificação alimentar, pelo que se sugere nesta fase, um controlo metabólico rigoroso. Em todos deve ser aferida a respectiva tolerância à Phe, ou seja o aporte máximo de Phe que o doente suporta. Em termos práticos, recorre-se a substituição dos alimentos ricos em Phe por outros pobres ou mesmo isentos do referido aminoácido.

A diversificação alimentar nas crianças com PKU é realizada de acordo com as regras gerais adoptadas em nutrição pediátrica, excepto para os alimentos que estão proibidos na dieta. É de salientar a importância da tabela de alimentos proibidos e permitidos, que é entregue aos pais, para facilitar o cumprimento do plano alimentar. Nesta fase, é introduzido o conceito de “parte de Phe”, a qual é utilizada para os alimentos permitidos. Uma parte de Phe corresponde a 20mg de Phe. Com a utilização da tabela de partes, há mais facilidade de escolha e de troca entre alimentos, estimulando a diversidade numa dieta, que pode rapidamente tornar-se monótona. A introdução gradual de alimentos hipoproteicos especiais facilita o cumprimento dietético, bem como o aporte energético.

Para assegurar um crescimento normal e um estado de saúde com qualidade, a dieta é coadjuvada com um suplemento de nutrientes (vitaminas e minerais).

A eficácia da dieta é controlada através da avaliação do nível de fenilalanina no sangue, o qual determina o reajuste do teor de proteína na dieta para que o nível de fenilalanina se mantenha tão próximo quanto possível do valor basal. A frequência do controlo é muito apertada até aos 5 – 6 anos de idade, altura em que se pensa que o processo de mielinização da substância branca esteja completo.

Após instituição de terapêutica nutricional é importante o rastreio de deficiências de oligoelementos e vitaminas inerentes à restrição proteica, pelo que de uma forma regular devem ser realizados: hemograma, função hepática e renal, doseamento de vitamina B12, selénio, carnitina, colesterol, triglicerídeos, Ácidos Gordos Polinsaturados de Cadeia Longa, cálcio, fósforo, ferro, vitamina B6, zinco e ácido fólico. Devem ainda ser monitorizados a IGF1 e a pré-albumina.

Tratamentos alternativos ou complementares da dieta:

Tratamento com BH4

A sapropterina, forma sintética da BH4, é o cofator da enzima HF.  A terapêutica com esta substância, poderá aumentar a tolerância dos doentes à Phe, em alguns casos, eliminar mesmo as restrições alimentares. Deve ser efetuada uma prova terapêutica, sendo considerada uma resposta favorável a descida da FEN de 30% em relação aos valores prévios à toma. As doses usadas no tratamento, nos doentes que têm uma resposta positiva na prova terapêutica, variam entre 5 e 20 mg/kg/dia.

Aminoácidos Neutros

Os aminoácidos neutros compartilham o mesmo sistema de transporte que a fenilalanina através das membranas celulares e da barreia hematoencefálica. Assim, quando usados como terapêutica, a quantidade de fenilalanina cerebral será menor proporcionalmente à plasmática. Esta é uma terapêutica de segunda linha utilizada normalmente em adolescentes e adultos com má adesão ao tratamento dietético e sem resposta à sapropterina.

Outras possibilidades terapêuticas:

A terapêutica enzimática de substituição, com fenilalanina amónia liase, ainda em fase de ensaios clínicos, e a terapia génica poderão vir a ser opções futuras de tratamento.

Evolução

O diagnóstico e o início de tratamento precoces resultam num desenvolvimento intelectual normal e existe uma relação inversa entre o Quociente Intelectual (QI) da criança e a idade de início do tratamento.

A interrupção do tratamento conduz a uma diminuição do QI, a problemas de carácter e comportamento (como agitação, transtornos do sono e pesadelos) e, em alguns casos, a complicações neurológicas mais graves.

O tratamento nutricional previne as sequelas neurológicas irreversíveis e garante o crescimento, mas as severas restrições alimentares impostas podem ter reflexo significativo na socialização.

Recomendações

Para um bom controlo metabólico está recomendado a manutenção de níveis séricos de Phe entre 2 e 6 mg/dl até aos 12 anos e entre 2 e 8 mg/dl a partir os 12 anos de idade.

Uma atenção especial deve ser dada às mulheres com PKU. A ocorrência de atraso mental nos filhos de mulheres com PKU demonstrou o efeito deletério dos níveis de PHE materna no desenvolvimento fetal, causando uma embriopatia conhecida como síndrome de PKU materna.

A placenta mantém níveis mais elevados de aminoácidos no feto do que na mãe, o que eleva os níveis de fenilalanina fetal.

O síndrome de PKU materna caracteriza-se por malformações nomeadamente doença cardíaca congénita, anomalias craniofaciais, microcefalia, restrição do crescimento intra-uterino e pós natal.

Saber Mais

Glossário

Erro inato do metabolismo proteico: são defeitos enzimáticos que ocorrem no metabolismo proteico: transporte ou anabolismo ou catabolismo proteico.

Doença rara: Na União Europeia, consideram-se doenças raras aquelas que têm uma prevalência inferior a 5 em 10.000 pessoas, considerando o total da população da UE. Estima-se que existam entre 5.000 e 8.000 doenças raras diferentes, afectando, no seu conjunto entre 6% a 8% da população, o que significa que existirão entre 600.000 a 800.000 pessoas com estas patologias em Portugal.

Produtos hipoproteicos: produtos com baixo teor em proteína, comparticipados a 100% pelo Ministério da Saúde de Portugal.

Bibliografia

  1. Jonh Donlon; Christineh Sarkissian; Harvey Levy; Carles R. Scriver. Hyperphenylalanemia: Phenylalanine Hydroxylase Deficiency. In: David Valle, MD, Editor-in-Chief, Arthur L. Beaudet, MD, Editor, Bert Vogelstein, MD, Editor, Kenneth W. Kinzler, Ph.D., Editor, Stylianos E. Antonarakis, MD, D.Sc., Editor, Andrea Ballabio, MD, Editor, K. Michael Gibson, Ph.D., FACMG, Editor, Grant Mitchell, MD, Editor. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease. 8th ed. New York: McGraw-Hill 2001:1667- 1724
  2. Título: Programa Nacional de Diagnóstico Precoce: relatório 2015. Autores: Comissão Executiva do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (Laura Vilarinho, Luísa Diogo, Paulo Pinho e Costa)). Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA, IP). Relatórios científicos e técnicos Coordenação editorial: Elvira Silvestre. Lisboa, Novembro de 2016
  3. Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas. Consenso para o tratamento nutricional de fenilcetonúria. Acta Pediatr Port 2007;38(1):44-54.
  4. vanSpronsen FJ, van Wegberg AM, Ahring K, et al. Key European guidelines for the diagnosis and management of patients with phenylketonuria. Lancet Diabetes Endocrinol.doi: 10.1016/S2213-8587(16)30320-5; 2017
  5. Burgard P, Lachmann RH, Walter JH. Hyperphenyllalaninaemia. In Inborn metabolic diseases – diagnosis and treatment. Jean-Marie Saudubray Matthias R. Baumgartner John Walter (Eds.) 6th Edition 2016

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