Alto fluxo por cânulas nasais
Introdução
Definição
Alto fluxo por cânulas nasais é um suporte respiratório não invasivo, que fornece gás aquecido (a 34-37ºC) e humidificado (a 95-100%), a um fluxo constante, mais elevado do que o fluxo inspiratório do recém-nascido (RN) e do que o utilizado em cânulas nasais convencionais.
Têm sido publicados vários estudos sobre a aplicação do alto fluxo em variados contextos neonatais: tratamento de síndrome de dificuldade respiratória do RN, prevenção ou tratamento da apneia da prematuridade e após extubação. A revisão da Cochrane de 2016 (Wilkinson) concluiu que a eficácia do alto fluxo por cânulas nasais em RN prematuros é semelhante a outras formas de suporte respiratório não invasivo, sobretudo após extubação, estando associado a menos trauma nasal e pneumotórax (comparativamente ao CPAP nasal). Contudo, refere a necessidade de mais ensaios controlados e randomizados, especialmente em RN de extrema prematuridade.
A definição de alto fluxo ainda não é consensual, sendo aceitável considerar:
- RN pré-termo e de termo - fluxos > 1 L/min;
- Lactentes - fluxos > 2 L/min;
- Crianças - fluxos > 6 L/min;
- Adultos - fluxos até 60 L/min.
Em idade pediátrica, a tendência é considerar alto fluxo se ≥ 2 L/kg/min.
Mecanismo de Acção
O alto fluxo por cânulas nasais gera pressão positiva na nasofaringe reduzindo a resistência na via aérea e o trabalho respiratório. A pressão de distensão melhora ainda a compliance pulmonar e a capacidade residual funcional e o preenchimento do espaço morto da nasofaringe contribui para uma lavagem do CO2 expirado. Por outro lado, a administração de ar ou oxigénio previamente aquecido e humidificado é melhor tolerada, com menor secura e diminuição da resistência na mucosa nasal, melhor função mucociliar e mobilização de secreções. A utilização do alto fluxo por cânulas nasais permite também uma optimização da administração de O2, já que é possível ajustar a FiO2, assim como ajustar apenas o fluxo, sem necessidade de aumento das concentrações de O2 administradas. As pressões geradas dependem de vários factores, dos quais se destacam a existência de fuga, as características anatómicas da nasofaringe, a presença de secreções e a relação entre o diâmetro das narinas e das cânulas nasais. A pressão gerada na via aérea é responsável por grande parte dos efeitos benéficos do alto fluxo, contudo é variável e não regulada, podendo causar efeitos adversos inesperados, sobretudo em RN prematuros. Vários estudos têm avaliado as pressões geradas com o alto fluxo, contudo esse cálculo é ainda inconsistente. Apesar das diferentes metodologias utilizadas, a maioria dos estudos (incluindo metanálises) tem apoiado a segurança do alto fluxo, sendo prudente o limite máximo de 8 L/minuto. Em RN de idades gestacionais (sobretudo abaixo das 28 semanas) e pesos ao nascer mais baixos devem ser utilizados fluxos mais baixos, dado o maior risco de efeitos adversos associados a barotrauma, assim como pela existência de menos estudos neste grupo.
Tratamento
Forma de Administração
Existem vários sistemas comercializados para administração de alto fluxo por cânulas nasais e actualmente não há evidência da superioridade de nenhum sistema/marca. A maioria dos sistemas inclui:
- misturador de ar e oxigénio e debitómetro;
- cânulas nasais de alto fluxo;
- sistema de aquecimento e humidificação do ar e oxigénio;
- válvula de escape.
A ausência de recomendações, assim como as diferentes metodologias dos estudos já publicados, tornam difícil a elaboração de protocolos de actuação padronizados, pelo que a experiência de cada centro, assim como o tipo de sistema de administração de alto fluxo por cânulas nasais devem ser considerados. Regra geral, está recomendado:
- Verificar material.
- Seleccionar as cânulas nasais adequadas, assegurando que a cânula oclui apenas cerca de metade do diâmetro da narina.
- Seleccionar o fluxo inicial – abordagens mais ou menos conservadoras de acordo com a experiência de cada centro, devendo sempre respeitar-se os fluxos máximos das cânulas (recomendados pelo fabricante) e ter em conta que fluxos maiores podem gerar PEEP mais elevada. Por exemplo, iniciar com fluxos entre 2 a 8 L/min, de acordo com peso, idade gestacional e patologia do RN ou adoptar a fórmula 2 L/kg de peso/min e ajustar de acordo com necessidade.
- Seleccionar FiO2 adequada para atingir a SpO2 alvo.
- Programar o sistema de aquecimento e humidificação da mistura de ar e oxigénio.
A descontinuação de alto fluxo deve ser feita de forma faseada, iniciando-se pela redução de FiO2 (por exemplo até 30%), seguida da redução do fluxo (por exemplo, 0,5 a 1 L/min a cada 12 a 24 horas).
Deve considerar-se a passagem para ar ambiente ou oxigénio convencional de baixo fluxo quando o fluxo administrado for inferior a 1 L/min.
Deve considerar-se falência de alto fluxo quando há necessidade de aumento de fluxo até ao máximo recomendado e FiO2 > 60%.
Monitorização
Tal como em qualquer outra modalidade de suporte respiratório, a monitorização da sua eficácia e resposta terapêutica são fundamentais, destacando-se: evolução clínica, esforço respiratório, frequência respiratória, frequência cardíaca e SpO2, gasimetria, eventual radiografia de tórax, assim como, permeabilidade das narinas, conexões do sistema ao doente, fluxo e FiO2 administrados, temperatura programada, condensação de água no sistema.
Estudos futuros poderão vir a esclarecer efeitos a médio-longo prazo, detalhes sobre o efeito das cânulas utilizadas, fluxos e monitorização da pressão de distensão gerada.
Bibliografia
- Guimarães J, editores. Manual prático de ventilação neonatal. Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. 2016
- Yoder BA, et al. Consensus approach to nasal high-flow therapy in neonates. Journal of Perinatology. 2017; 1-5
- Wilkinson D, Andersenn C, O’Donnell C, De Paoli AG, Manley BJ. High flow nasal cannula for respiratory support in preterm infants. Cochrane Review. 2016
- Ke-Yun Chao et al. The role of heated humidified high-flow nasal cannula as noninvasive respiratory support in neonates. Pediatrics and Neonatology. 2017; 1-8
- Kotecha S, et al. Safety and efficacy of high-flow nasal cannula therapy in preterm infants: a meta-analysis. Pediatrics. 2015; 136: 542-553
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