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Introdução

Independentemente da idade da criança, a via inalatória é considerada a mais adequada para o tratamento da asma em Pediatria. Por sua vez, o uso correto dos inaladores é fundamental para o controlo da doença. Deste modo, é imperativo que os profissionais de saúde conheçam os distintos dispositivos inalatórios e respetiva técnica de utilização. É também essencial garantir que o doente e a família dominam a técnica de utilização do dispositivo inalatório prescrito, revendo-a nas consultas subsequentes.

História Clínica

Vantagens da terapêutica inalatória

No tratamento da asma, a via inalatória apresenta diversas vantagens relativamente a outras vias, pois verifica-se: ação direta e mais rápida sobre o órgão-alvo; melhor penetração e distribuição do fármaco na via aérea; necessidade de menores doses de fármaco; menor absorção sistémica, com menos efeitos secundários. 

Indicações e fármacos utilizados

Para além da asma, os dispositivos inalatórios podem ser prescritos noutras doenças obstrutivas da via aérea (bronquiolite/ hiperreatividade brônquica, croup) ou em doenças pulmonares crónicas (displasia broncopulmonar, fibrose quística). Diversos fármacos podem ser administrados através de diferentes dispositivos inalatórios, incluindo broncodilatadores de ação curta ou longa, corticóides, antibióticos e mucolíticos. Quando utilizados corticóides inalados, recomenda-se lavar a cavidade bucal após a inalação independentemente do dispositivo utilizado.

Fatores que determinam a deposição da medicação na via aérea

A via inalatória permite o depósito do fármaco nas pequenas vias aéreas e alvéolos. Contudo, esta deposição depende de vários fatores: 

  1. Tamanho das partículas inaladas: os inaladores e nebulizadores geram aerossóis de partículas de diferentes tamanhos, classificadas de acordo com o diâmetro da massa média aerodinâmica (MMAD). O tamanho ideal para que as partículas se depositem, por acção da gravidade, nos brônquios distais e alvéolos é de 0,5-5 µm de MMAD. Partículas com MMAD superior a 5 µm sofrem um impacto por inércia nas vias aéreas superiores, brônquios principais e brônquios lobares. 
  2. Calibre e anatomia da via aérea: as diferenças anatómicas da via aérea influenciam a passagem da medicação. Em crianças pequenas, o depósito pulmonar do fármaco é, aproximadamente, a décima parte do que se verifica no adulto. Nos lactentes, a respiração nasal funciona como um filtro que aumenta o depósito do fármaco nas vias aéreas superiores, diminuindo a sua deposição a nível distal. 
  3. Velocidade de libertação das partículas: a sedimentação por gravidade nos bronquíolos e alvéolos é inversamente proporcional à velocidade de libertação do aerossol. Quanto maior a velocidade de saída das partículas, maior o impacto na via aérea superior. 
  4. Volume inspiratório: a penetração das partículas é tanto maior quanto mais profunda e homogénea for a inspiração. Chorar ou falar durante a inalação diminuem a sua eficácia. Deste modo, é aconselhável que lactentes e crianças pequenas estejam familiarizados com os dispositivos prescritos para evitar recusa aquando da sua utilização. Perante dificuldades de colaboração, é preferível administrar o tratamento com a criança a dormir do que acordada a chorar. O depósito pulmonar é semelhante em lactentes submetidos a nebulização através de máscara com ou sem chupeta. No entanto, não existem dados relativamente ao uso de chupeta em caso de utilização de inalador pressurizado de dose fixa (MDI) com máscara e câmara expansora. 
  5. Fluxo inspiratório: influencia a quantidade e tamanho das partículas depositadas. A sedimentação é favorecida por fluxos baixos.
  6. Condição do doente e patologia: a existência de áreas mal ventiladas ou o próprio tipo de patologia associada pode condicionar uma correta e homogénea deposição do fármaco a nível bronquial. 
  7. Farmacodinâmica do medicamento utilizado
  8. Técnica inalatória: um dos fatores mais importantes e que determina a biodisponibilidade do fármaco na via aérea inferior e, consequentemente, a eficácia terapêutica dos inaladores. Como a sedimentação das partículas a nível distal depende da gravidade, o tempo de apneia inspiratória pós-inalação favorece o seu depósito, pelo que esta manobra é fundamental em todas as técnicas inalatórias. Também a expiração suave após a inspiração parece melhorar a biodisponibilidade do fármaco.

Tratamento

Sistemas de inalação

Dividem-se em inaladores e nebulizadores (Figura 1). Os inaladores geram aerossóis de pequenas partículas sólidas e incluem o inalador pressurizado de dose fixa (MDI – Metered Dose Inhaler, Figura 1) e o inalador de pó seco (DPI – Dry Powder Inhaler, Figura 2). Os MDI podem ser utilizados de forma convencional, com auxílio de câmara expansora (com ou sem máscara) ou com sistema autodisparo. Os DPI podem ser monodose (não utilizados em crianças atualmente) ou multidose. Os nebulizadores geram aerossóis de pequenas partículas líquidas e dividem-se em pneumáticos tipo jet® e ultrassónicos.

Figura 1. Nebulizador
Figura 2. Inalador pressurizado de dose fixa (MDI) com e sem câmara expansora
Figura 3. Inaladores de pó seco (DPI)

Que dispositivo escolher?

Existe uma grande variedade de dispositivos com técnicas de administração distintas. Contudo, se a técnica se realiza de forma correta o resultado é semelhante. Aquando da escolha do dispositivo, é necessário ter em conta: a idade da criança, a capacidade de utilização correta do dispositivo por parte do doente e família, bem como a sua preferência, e o preço. Adicionalmente, o fármaco pretendido pode influenciar na escolha do dispositivo, sendo importante considerar que existem apresentações com distintas doses do fármaco de forma a permitir uma redução progressiva da medicação sem necessidade de alterar o sistema de inalação. Ainda que seja importante individualizar a escolha, a tabela seguinte descreve, de uma forma geral, o sistema de inalação mais adequado em função da idade. 

IDADE

SISTEMA DE INALAÇÃO RECOMENDADO
MDI com câmara expansora e máscara facial
Nebulizador
4-6 anos MDI com câmara expansora e máscara facial ou bucal
Nebulizador
>6 anos DPI
MDI com câmara expansora e bucal
Nebulizador

Inaladores pressurizados de dose fixa (MDI)

Possuem uma válvula dosificadora que permite libertar uma dose fixa de fármaco em cada administração. Os MDI mais usados são os que se ativam ao pressionar o inalador, inspirando em simultâneo. É mandatório agitar o inalador antes de cada utilização para homogeneizar o fármaco com o propelente. 

Modo de utilização:

  • Doente em pé ou bem sentado com o tronco liberto
  • Retirar a tampa
  • Agitar o inalador
  • Colocar a embalagem na posição vertical (forma de L) com o dedo indicador na parte superior e o polegar na parte inferior 
  • Efetuar uma expiração lenta e profunda
  • Colocar o aplicador entre os lábios fechados 
  • Inspirar lentamente pela boca e ativar o inalador depois de ter começado a inspiração e continuar com uma inspiração lenta e profunda até à capacidade pulmonar total
  • Suster a inspiração 10 segundos
  • Retirar o inalador e expirar lentamente
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar o inalador

Na tabela seguinte expõem-se as vantagens e inconvenientes deste tipo de inalador. 

VANTAGENS

INCONVENIENTES

Baixo custo

Necessário agitar o dispositivo

Exigem fluxo inspiratório baixo

Necessária coordenação mão-pulmão

Permitem perceção da inalação

Elevado depósito na orofaringe 
Podem utilizar-se com câmara expansora Baixa sedimentação pulmonar (10%)
Dose administrada fixa e reprodutível Pode gerar tosse ou broncospamo
Pouco sensíveis à humidade 
(sem necessidade de medidas especiais de conservação)
Ausência de contador de doses em alguns

MDI com câmara expansora

Para facilitar a utilização de MDI em crianças pequenas estão disponíveis câmaras expansoras. Estas permitem que as partículas do aerossol fiquem em suspensão no interior da câmara e possam ser inaladas sem necessidade de coordenação mão-pulmão. As câmaras com máscara facial utilizam-se em lactentes e crianças não colaborantes. A partir dos 3-4 anos, sempre que a criança seja capaz de realizar a técnica de forma correta, recomenda-se retirar a máscara e fazer a inalação através do bucal da câmara. Ao eliminar o espaço morto da máscara, aumenta a disponibilidade do fármaco e a sedimentação pulmonar. As câmaras expansoras de plástico têm um efeito electroestático nas suas paredes, atraindo partículas do fármaco e diminuindo a sua vida média dentro da câmara. Uma forma de diminuir esta carga electroestática é a lavagem da câmara (1 vez por semana) com um detergente suave e água, deixando-a secar ao ar durante 24 horas. Outra opção antes de uma primeira utilização seria fazer a sua impregnação com várias doses de fármaco alguns minutos antes do seu uso, não sendo necessário repetir o procedimento em utilizações seguintes nem após lavagem. 

Modo de utilização com máscara:

  • Doente em pé ou bem sentado com o tronco liberto
  • Retirar a tampa
  • Agitar o inalador
  • Acoplar o inalador ao orifício da câmara
  • Colocar a embalagem na posição vertical (forma de L) com o dedo indicador na parte superior e segurar na câmara e na parte inferior do inalador com a mão
  • Ajustar a máscara à cara da criança (boca e nariz) evitando fugas 
  • Ativar o inalador
  • Permitir qua a criança respire durante 10 segundos e incentivá-la, dependendo da idade, para que as inspirações sejam lentas e profundas
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar o inalador

Modo de utilização com bucal: 

  • Doente em pé ou bem sentado com o tronco liberto
  • Retirar a tampa
  • Agitar o inalador
  • Acoplar o inalador ao orifício da câmara
  • Colocar a embalagem na posição vertical (forma de L) com o dedo indicador na parte superior e segurar na câmara e na parte inferior do inalador com a mão
  • Colocar o bucal entre os lábios fechados (os dentes e a língua não devem obstruir o orifício)
  • Ativar o inalador e imediatamente iniciar uma inspiração lenta e profunda através do bucal/permitir que a criança realize 5-6 respirações através do bucal
  • Suster a inspiração 10 segundos
  • Retirar o inalador e expirar lentamente
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar o inalador

Na tabela seguinte expõem-se as vantagens e inconvenientes das câmaras expansoras.  

VANTAGENS INCONVENIENTES
Sem necessidade de coordenação mão-pulmão Tamanho
Necessidade de menor fluxo inspiratório que MDI Algumas exigem mudança com a idade
Menor impactação na orofaringe 
(
Efeito electroestático
Melhor sedimentação pulmonar que MDI (20%) Limpeza periódica
Utilidade em crise moderada-grave  
Variedade 
(distintos volumes e válvulas, com/sem máscara)
 

Inaladores de pó seco (DPI)

Estes dispositivos contêm o fármaco em forma de pó que se liberta após uma inspiração ativa da criança ou adolescente. Estes inaladores exigem um fluxo inspiratório mínimo de 30L/min para serem ativados, podendo ser mais difíceis de utilizar em situação de crise moderada-grave. Os dispositivos mais usados em Pediatria, todos eles multidose, são: Novolizer®, Turbohaler® e Accuhaler/ Diskus®.

Modo de utilização:

Todos estes inaladores têm uma técnica comum, diferindo apenas na preparação da dose. Os passos comuns incluem:

  • Utilizador em posição correcta
  • Inalador afastado da boca
  • Expirar profundamente
  • Bucal entre os lábios apertados
  • Inspiração rápida e forte
  • Pausa inspiratória
  • Expirar

Modo de utilização Novolizer®:

  • Retirar a tampa 
  • Colocar o inalador na posição horizontal
  • Ativar o dispositivo pressionando a patilha posterior 
  • Verificar se a cor presente na face anterior do dispositivo é verde
  • Expirar lentamente até à capacidade de reserva funcional
  • Colocar o bucal na boca, ocluindo os lábios à volta do mesmo
  • Inspirar profunda e energicamente (se eficaz deverá ouvir-se um click e a cor presente na face anterior do dispositivo muda para vermelho)
  • Retirar o inalador da boca e suster a respiração durante 5-10 segundos
  • Expirar lentamente
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar o inalador

Modo de utilização Turbohaler®:

  • Retirar a tampa que cobre o inalador, desenroscando-a
  • Colocar o inalador na posição vertical
  • Rodar a base do inalador para a direita, seguido de um movimento de rotação no sentido inverso, até ouvir um click
  • Expirar lentamente até à capacidade de reserva funcional
  • Colocar o bucal na boca, ocluindo os lábios à volta do mesmo
  • Inspirar profunda e energicamente
  • Retirar o inalador da boca e suster a respiração durante 5-10 segundos
  • Expirar lentamente
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar o inalador

Modo de utilização Accuhaler/ Diskus®:

  • Colocar o dispositivo na vertical, com o bucal para cima
  • Deslocar o protector da peça bucal
  • Empurrar a patilha plástica lateral à peça bucal até à extremidade oposta e até ouvir o click
  • Expirar lentamente até à capacidade de reserva funcional
  • Colocar a peça bucal na boca, entre os lábios fechados
  • Inspirar profunda e rapidamente
  • Retirar o inalador da boca e suster a respiração durante 5-10 segundos
  • Expirar lentamente
  • Esperar 30 segundos se for necessário realizar outra inalação
  • Tapar de novo a peça bucal

Na tabela seguinte expõem-se as vantagens e inconvenientes deste tipo de inaladores.

VANTAGENS INCONVENIENTES
Sem necessidade de coordenação mão-pulmão Necessário fluxo inspiratório elevado
Sedimentação pulmonar 25-35% Não utilizáveis se dificuldade respiratória significativa
Sem propelentes; alguns sem aditivos 
(menos efeitos secundários)
Sensíveis à humidade
Dose libertada uniforme Preço
Contêm contador de doses  
Portáteis  

Nebulizadores

As indicações para a sua utilização são restritas e concretas, incluindo exacerbações graves de asma ou doentes que não podem utilizar outros dispositivos. Adicionalmente, os nebulizadores permitem a utilização de outro tipo de fármacos não disponíveis noutros dispositivos (como mucolíticos e antibióticos). Nestes sistemas, a medicação deve ser dissolvida em soro fisiológico para evitar que o pH e osmolaridade da solução causem broncospasmo. Utilizam-se preferencialmente os nebulizadores pneumáticos tipo jet® com oxigénio (fluxo mínimo 6-8L/min).

Modo de utilização nebulizadores pneumáticos tipo jet®:

  • Doente sentado confortavelmente (na criança pequena é possível a posição deitada)
  • Manter o nebulizador sempre na posição vertical
  • Adaptar bem a máscara facial
  • Ligar o aparelho mantendo sempre um débito de 6-10L/min
  • Instruir o doente para que respire pela boca
  • Durante a nebulização aplicar pequenos toques na câmara para que as partículas de grande tamanho deslizem para o fundo
  • Terminada a libertação de aerossol, desligar o aparelho
  • Cuidados de limpeza e desinfeção

Na tabela seguinte expõem-se as vantagens e inconvenientes deste tipo de sistema de inalação.

VANTAGENS INCONVENIENTES
Aplicável a todos os grupos etários Maior tempo de administração
Situação de obstrução grave das vias aéreas Desperdício de fármaco
Baixa deposição na orofaringe Sedimentação pulmonar de 12%
Sem necessidade de colaboração Tamanho
Compatíveis com oxigenoterapia Custo
Fluidificam secreções Utilização mais complexa
Facilidade de administração de distintos fármacos a elevadas doses Necessária fonte de energia

Recomendações

Em Pediatria, a eleição de um sistema de inalação depende fundamentalmente da idade e capacidade de aprendizagem da criança. É importante uma adaptação às necessidades individuais de cada doente e a cada circunstância, uma vez que não existe um sistema de inalação ideal. A melhor opção é aquela que permita uma administração correta, com esquema posológico simples e que garanta adesão. Deste modo, sempre que possível deve-se optar pelo modelo preferido pelo doente e sua família, utilizando-se o mesmo tipo de dispositivo para os diferentes fármacos prescritos. Cada sistema tem a sua técnica, sendo fundamental uma execução correta. É imprescindível ter na consulta dispositivos inalatórios com placebo para demonstrar como se utilizam e comprovar a realização da técnica pelo doente, reavaliando-a periodicamente. 

Bibliografia

  1. Sansano MIU, Rico OC, Álvarez JLM, et al. Dispositivos de inhalación. Documentos técnicos del GVR. Inhaladores en Pediatría. DT-GVR-7, 2013. 
  2. Casanueva CO, Belinchón JP, Méndez SA. Dispositivos de inhalación en medicación inhalada. Protocolos de la Asociación Española de Pediatría, 2019.
  3. Aguiar R, Lopes A, Ornelas C, et al. Terapêutica inalatória: técnicas de inalação e dispositivos inalatórios. Rev Port Imunoalergologia 2017;25(1):9-26.

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