Menu

Introdução

A síndrome de Gilles de la Tourette (SGT) é uma patologia neurológica complexa com início na infância, caraterizada pela presença de múltiplos tiques motores e pelo menos um tique vocal que ocorrem durante um período de pelo menos 1 ano.

Epidemiologia

Esta síndrome é relativamente comum, afetando 4-6 em 1000 crianças.

História Clínica

Anamnese

O “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”, 5ª edição (DSM-5) estabelece os seguintes critérios de diagnóstico:

  • Presença de ambos os tiques, motores e vocais;
  • Início antes dos 18 anos;
  • Persistência por mais de 1 ano (apesar de flutuações);
  • Não explicado pelos efeitos de alguma substância ou outra condição de saúde.

Habitualmente os tiques começam entre os 5 e 7 anos, com os tiques motores, geralmente, a aparecerem antes dos vocais.

Os tiques mais comuns no início do quadro são tiques motores simples como caretas, pestanejo, espasmos do nariz e encolher os ombros. O pestanejar ocorre em mais de 95% dos indivíduos diagnosticados com SGT. Tiques vocais simples incluem tossir, pigarrear, grunhir, fungar e falar e habitualmente aparecem anos após os tiques motores.

A apresentação de tiques adicionais tipicamente têm uma progressão céfalo-caudal, frequentemente tiques faciais e da cabeça primeiro, seguidos por tiques do tronco e membros e posteriormente vocais. Com a idade, os tiques tornam-se mais complexos (envolvem múltiplos grupos musculares ou consistem em palavras polissilábicas ou frases), embora nem todos desenvolvam tiques complexos.

A coprolalia ou copropraxia embora culturalmente associados com SGT, são incomuns e habitualmente combinados com tiques mais severos e comorbilidades como a perturbação obcessiva-compulsiva (POC) e a perturbação de hiperatividade-défice de atenção (PHDA).

Exame objectivo

O exame objetivo deve ser orientado de acordo com a história clínica. Durante o exame objetivo é importante, se possível, presenciar os tiques e avaliar o comportamento dos mesmos: a melhoria perante a distração ou o agravamento quando se fala neles, por exemplo.

O restante exame objetivo de rotina deverá ser orientado no sentido de excluir outros distúrbios hipercinéticos ou patologia orgânica.

Diagnóstico Diferencial

A “perturbação de tique crónico ou persistente” é definido por tiques motores ou vocais (não ambos) com duração de pelo menos um ano, sendo dos principais diagnósticos diferenciais da SGT.

Apesar do diagnóstico de tiques ser habitualmente imediato, outras patologias que incluem movimentos anormais podem ser confundidas com os mesmos. O “pestanejo” pode levantar a suspeita de convulsões, o “fungar” de alergias e a “tosse” de refluxo gastro-esofágico. O diagnóstico diferencial de tiques deve incluir outros distúrbios hipercinéticos involuntários como estereotipias, compulsões, mioclonias, distonia, atetose e coreias.

Os tiques são súbitos, rápidos, variáveis (cada indivíduo irá ter diferentes tiques ao longo do tempo), flutuantes (a presença e severidade de um tique oscila), distrativos (diminuem quando a criança está a fazer atividades que requerem concentração como jogar videojogos), sugestionados (falar sobre eles ou ver alguém com tiques pode resultar em exacerbação). Podem ainda estar associados a um impulso premonitório que corresponde a uma sensação de desconforto que é aliviada pela execução do tique.

A maioria dos doentes, adicionalmente aos tiques, terão pelo menos uma perturbação neuropsiquiátrica, mais frequentemente PHDA (até 60% indivíduos) ou POC (em 30-60% dos indivíduos). Menos comum, mas ainda assim mais frequente que na população geral, são a perturbação do espectro do autismo (PEA), depressão, ansiedade e perturbações comportamentais.

Exames Complementares

O diagnóstico é clínico, baseado na história clínica e no exame objetivo e, por isso, sem necessidade de exames complementares de diagnóstico. No entanto, uma investigação deve ser realizada se houver suspeita de outras patologias.

Tratamento

Se os tiques são ligeiros e não interferem com o dia-a-dia, o tratamento não é necessário. Se por outro lado, os tiques são severos, as intervenções comportamentais e médicas devem ser consideradas.

O tratamento inicial inclui a psicoeducação seguida de terapias cognitivo-comportamentais. Os fármacos mais utilizados são os agonistas α 2 adrenérgicos (clonidina) e os neurolépticos. A injecção de toxina botulínica nos músculos afetados parece ser eficaz, no entanto carece de evidência.

Intervenções de neuroestimulação, como a estimulação cerebral profunda, são consideradas em casos graves e refratários ao tratamento, no entanto a sua segurança e eficácia nestes doentes não está totalmente estabelecida.

Evolução

Os tiques habitualmente atingem o máximo de severidade na adolescência precoce e melhoram até à adolescência tardia ou início da idade adulta. Enquanto 2/3 irá continuar a ter tiques na idade adulta, apenas 10-20% irão manter sintomas significativos.

Os fatores de prognóstico não estão bem estabelecidos apesar de em alguns indivíduos a severidade dos tiques na adolescência parecem estar relacionados com a severidade na idade adulta. A presença de outras perturbações neuropsiquiátricas está associado a uma menor resposta à terapêutica e a pior prognóstico.

Recomendações

Recomenda-se aprender a reconhecer os impulsos e desta forma concentrar-se gradualmente de modo a controlar os tiques; evitar situações de stress e ansiedade; ter uma boa higiene do sono; dedicar tempo a atividades desportivas e/ou musicais.

Apesar da história natural, o impacto dos tiques pode ser enorme, particularmente em crianças e adolescentes, afetando a sua qualidade de vida, desenvolvimento pessoal, desempenho escolar e sucesso académico. A maioria dos doentes não irá necessitar de tratamento, no entanto, um acompanhamento adequado é fundamental para decidir a melhor estratégia caso-a-caso e melhorar a qualidade de vida do doente.  

Em meio escolar é fundamental esclarecer acerca da natureza e características dos tiques, a fim de neutralizar o estigma e orientar sobre a melhor conduta a adotar em sala de aula por pares e docentes.

Saber Mais

  1. Deeb W, Malaty I, Mathews C. Tourette disorder and other tic disorders. Handbook of Clinical Neurology. 2019;165
  2. Muth C. Tics and Tourette Syndrome. JAMA. 2017;317:15
  3. Singer H, Ausgustine F. Controversies Surrounding the Pathophysiology of Tics. J Child Neurol. 2019;1-12
  4. Perisa A, Telarovié S. On differences between Gilles de La Tourette Syndrome and psychogenic/functional Tics: A narrative review. Psychiatria Danubina. 2019;31:732-6
  5. Pringsheim T, Holler-Managan Y, Okun MS, Jankovic J, Piacentini J, Cavanna AE et al. Comprehensive systematic review summary: treatment of tics in people with Tourette syndrome and chronic tic disorders. Neurology. 2019;907-15

Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?

Envie as suas sugestões

Newsletter

Receba notícias da Pedipedia - Enciclopédia Online no seu e-mail