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Introdução

A Síndrome de Noonan (SN) - [OMIM 163950] - é uma doença genética com notória heterogeneidade fenotípica. A baixa estatura e cardiopatia (mais comummente estenose pulmonar e cardiomiopatia hipertrófica) são as características mais clássicas.

Etiopatogenia

A SN é frequentemente autossómica dominante, embora existam casos raros de transmissão autossómica recessiva. As mutações genéticas habitualmente encontradas condicionam hiper-ativação da via de transdução RAS-MAPK, por este motivo, a SN integra um grupo de doenças designado RASopatias. Podem ocorrer mutações numa multiplicidade de genes - SOS1, RAF1, RIT1, KRAS, NRAS, BRAF, MAP2K1, LZTR1, SHOC2 e CBL – mas a principal mutação (em 50% dos casos) ocorre no gene PTPN11.

Algumas mutações genéticas foram detectadas através de tecnologias de amplo espectro como a sequenciação completa do genoma, no entanto a sua utilização conduz à deteção de um grande número de variantes genéticas de significado clínico incerto. Ainda assim, a identificação de mutação patogénica não é possível em 20% dos casos.

Epidemiologia

A SN ocorre em 1 / 1000 a 2500 nados vivos. Contudo dadas as apresentações ligeiras não reportadas e as dismorfias menos evidentes em idade adulta, a sua verdadeira incidência permanece desconhecida. Sendo uma doença autossómica dominante, a SN afecta ambos os sexos, contudo é mais facilmente identificada nos rapazes com criptorquidia, e em idades mais precoces.

História Clínica

As manifestações clínicas consistentemente referidas nos doentes com SN são a baixa estatura, a estenose pulmonar, o hipertelorismo e os pavilhões auriculares com implantação baixa em rotação posterior e com hélice larga.

No período pré-natal, as anomalias no desenvolvimento linfático são comuns (translucência da nuca aumentada, higroma cístico transitório ou persistente, hidronefrose, polihidrâmnios, ascite, hidrópsia fetal generalizada, edemas jugulares). Os doentes podem evidenciar macrossomia fetal e macrocefalia relativa e as cardiopatias congénitas são menos frequentemente identificadas neste período.

As peculiaridades faciais tornam-se mais aparentes a partir do final do primeiro ano de vida e ao longo da infância e menos perceptíveis na idade adulta. As principais características são: fronte larga; hipertelorismo; fissuras palpebrais descendentes com sobrancelhas arqueadas altas; ptose discreta; pregas epicantais; íris de tonalidade azul; nariz com base larga / ponte nasal deprimida e ápice bulboso; filtro labial elevado e contorno labial pronunciado com angulação superior; pavilhões auriculares com implantação baixa e em rotação posterior com hélice larga; linha de implantação capilar posterior baixa; pterygium colli. No adulto, os olhos são menos proeminentes, o pescoço levemente alongado e geralmente mostram sinais de envelhecimento precoce, (ex. pregas nasolabiais profundas). Devido ao alongamento da mandíbula, os adultos aparentam um rosto em triângulo invertido com palato ogival alto.

Como já referido, os doentes com SN apresentam frequentemente baixa estatura (altura

No contexto de dificuldades alimentares (raramente com necessidade de sonda nasogástrica ou gastrostomia) pode ainda ocorrer uma redução do ganho ponderal até aos 18 meses.

Pode verificar-se ausência ou atraso pubertário até dois anos (mais comum em pacientes com mutações no PTPN11). A fertilidade pode estar comprometida nos homens (e não nas mulheres), por anomalias na espermatogénese relacionadas quer com criptorquidia (observada em 60-80% dos homens com SN) quer com disfunção das células de Sertoli por defeitos intrínsecos.

Mais de 80% dos doentes apresentam anomalias cardíacas e as mais frequentemente identificadas são: estenose pulmonar por displasia do tecido valvular (~50%), cardiomiopatia hipertrófica (20-30%, habitualmente mutações no RAF1 ou RIT1), defeitos do septo interauricular (6-10%), anomalias das artérias coronárias como estenoses ou aneurismas, defeitos do septo interventricular e auriculoventricular, tetralogia de Fallot e coarctação da aorta. Mesmo sem defeitos estruturais concomitantes, 87% dos doentes apresentam alterações no electrocardiograma, principalmente desvios do eixo; podem-se observar ainda alterações no complexo QRS (ondas Q gigantes, amplitude aumentada, padrão negativo nas derivações precordiais esquerdas) e taquicardia auricular (rara, fundamentalmente em mutações no gene RAF1).

Até um quarto dos indivíduos apresenta perturbação ligeira do desenvolvimento psicomotor e dificuldades de aprendizagem, mas apenas 10-15% necessitam de apoio pedagógico individualizado com adaptações curriculares. Registam-se valores de quociente de inteligência inferiores a 70 em 6 a 23%. Identificam-se outros problemas do neurodesenvolvimento, nomeadamente: défices motores, de processamento visual e de integração oculo-manual (com impacto na coordenação motora fina); défices na linguagem expressiva e funções executivas; reduzidas competências sociais; Perturbação do espectro do autismo; Perturbação de hiperactividade-défice de atenção; anomalias cerebrais estruturais; convulsões (13%); neuropatia hipertrófica; doença de Moyamoya (inclusivamente em mutações do CBL).

A diátese hemorrágica é mais comum nos doentes com mutações no PTPN11, com gravidade muito variável. Aproximadamente 1/3 dos doentes apresenta pelo menos um defeito da coagulação, tipicamente deficiência do factor XI, podendo, contudo, observar-se deficiência parcial de factor VII e outros defeitos na coagulação ou função/agregação plaquetária.

As anomalias linfáticas podem surgir em qualquer altura do período pré-natal (vide supra) ou pós-natal, habitualmente por refluxo da linfa. O mais comum são edemas no dorso das mãos e pés, mas outro fenótipo específico consiste em edema genital e dos membros inferiores bilateralmente. Edema pulmonar e linfangiectasias intestinais também podem ser observados.

É reconhecida a predisposição dos doentes com SN para aparecimento de doenças hematológicas malignas. A neoplasia mais frequente é a leucemia mielomonocítica juvenil, mas também se observam tumores cerebrais, LMA/LLA e neuroblastomas. O risco neoplásico é maior em doentes com mutações no PTPN11, no entanto certos tipos específicos de neoplasia foram identificados noutras mutações, nomeadamente o rabdomiossarcoma embrionário em mutações do SOS1 e o neuroblastoma em mutações do SHOC2. Existe um distúrbio mieloproliferativo semelhante à leucemia mielomonocítica juvenil, predominantemente em mutações do CBL, que é policlonal e apresenta uma evolução indolente, com resolução espontânea. Por outro lado, um maior risco de progressão tumoral está associado a mutações no códão 61 ou T73I do PTPN11 ou T58I do KRAS. De referir ainda que, além do risco tumoral aumentado no SN, parece existir uma tendência para doenças auto-imunes, nomeadamente tiroidite auto-imune e LES (principalmente se mutação no SHOC2).

Os doentes com SN podem apresentar anomalias renais (11% dos casos), em que a dilatação pielocalicial é a mais comum. Outras: estenose ureteral distal, hipoplasia renal, cistos bilaterais, agenesia renal unilateral, sistemas duplex, ectopia renal unilateral.

Podem ocorrer alterações cutâneas, habitualmente discretas, incluindo: xerose cutânea (responsiva a tratamento conservador), manchas hiperpigmentadas como nevos ou lentigos café-au-lait (baixo potencial maligno) e queratose folicular na face e superfícies extensoras dos membros.

Ocorrem distúrbios oftalmológicos em até 95% dos casos, principalmente estrabismo e erros refractivos (hipermetropia, astigmatismo). Outros: queratocone, hipoplasia do nervo óptico, disgenesia do segmento anterior do olho. Alguns doentes apresentam distúrbios audiológicos nomeadamente surdez (do tipo neurossensorial, condutivo ou misto).

Podem surgir defeitos esqueléticos como pectus carinatum superior (por vezes com aumento da distância intermamilar) e pectus excavatum inferior (até 95%), na maioria das vezes sem necessidade de intervenção cirúrgica. Outros: escoliose torácica; cubitus valgus (50%); clinobraquidactilia (30%); pé boto (5%); craniossinostose (raro); sinostose radiocubital.

Por último, os doentes com SN podem ainda apresentar anomalias da cavidade oral, nomeadamente má oclusão, anomalias no número ou morfologia dos dentes e lesões mandibulares não-malignas de células gigantes (raro, mas sugestivo).          

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico de SN é clínico, tendo em conta as características previamente descritas. Quando a suspeita surge em idade adulta, é importante consultar fotografias da primeira infância onde as características faciais podem ser mais elucidativas. Os critérios formais de diagnóstico clínico foram desenvolvidos por van der Burgt em 1997, mas são pouco úteis em pacientes com mutações em genes menos frequentemente associados a SN. Além disso, a gravidade fenotípica é dependente da mutação genética associada. Por esses dois motivos, a grande maioria dos doentes com suspeita de SN é submetido à realização de testes genéticos, nomeadamente painéis multigénicos de RASopatias. Finalmente, deve ser realizado cariótipo para excluir cromossomopatias.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Síndrome de Turner: a SN chegou a ser inclusivamente mencionada na literatura como "síndrome de pseudo-Turner” dado ambas as síndromes se caracterizarem por baixa estatura e pterygium colli. Contudo, na SN o cariótipo é normal, contrariamente ao Síndrome de Turner que é uma cromossomopatia ligada ao X. Além disso, na SN, as anomalias renais são menos comuns comparativamente ao Síndrome de Turner, e a perturbação do desenvolvimento psicomotor e a estenose pulmonar são mais frequentes.

RASopatias: a sua diferenciação encontra-se muitas vezes dependente da caracterização molecular. A Síndrome Cardio-facio-cutânea 1 (CFC1) [OMIM 115150] é a RASopatia com maior sobreposição clínica à SN (75% dos casos apresentam mutações no gene BRAF). As duas síndromes têm em comum os achados cardíacos e linfáticos, mas diferem no risco de diátese hemorrágica (mais raro no CFC1) e nas perturbações do neurodesenvolvimento / distúrbios gastrointestinais associados (mais graves no CFC1). No CFC1 podem ser ainda notórias dismorfias faciais que não são características da SN como a ausência de sobrancelhas e dolicocefalia. No grupo de RASopatias com características comuns à SN estão ainda incluídas a síndrome de LEOPARD tipo 1 [OMIM 151100], a síndrome de Costello [OMIM 218040], o “Distúrbio SN-like cabelos anágenos frouxos tipo 1” [OMIM 607721], o “Distúrbio SN-like com ou sem JMML” [OMIM 613563] e a Neurofibromatose tipo 1 [OMIM 162200].

Existem outras condições que condicionam ADPM, baixa estatura, cardiopatias e dismorfias faciais nomeadamente a síndrome de Watson [OMIM 193520], a síndrome de Williams-Beuren [OMIM 194050] e a síndrome de Aarskog [OMIM 100050].

Tratamento

Não há cura para SN. O tratamento é de suporte e a abordagem de complicações é semelhante à preconizada para a população geral. A baixa estatura por SN é uma indicação aprovada pela FDA para o tratamento com hormona de crescimento; é comprovadamente segura e benéfica, exceto em situações de resistência à hormona de crescimento (nas quais os resultados da sua administração são pouco expressivos).

Estratégias terapêuticas recentes com resultados promissores incluem a utilização de everolimus no tratamento de cardiomiopatia grave num doente com mutação no gene RAF1 e fármacos que reduzem a hiper-ativação da via de transdução RAS-MAPK, como inibidores MEK ou estatinas.

Evolução

PROGNÓSTICO

O prognóstico é extremamente variável, mas na maioria dos casos é possível funcionar na idade adulta sem qualquer limitação. Curiosamente, foi reportada uma correlação entre a gravidade de dificuldades alimentares na infância e perturbação do desenvolvimento psicomotor. Além disso, existe uma associação entre a mortalidade no SN e o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica antes dos 24 meses. A estenose pulmonar tratada com valvuloplastia pulmonar percutânea por balão apresenta uma taxa de re-intervenção superior à verificada em doentes sem SN. Estudos recentes reportaram comorbilidades psiquiátricas em cerca de metade dos adultos (ansiedade e/ou depressão).

FOLLOW-UP

A equipa multidisciplinar responsável pela orientação destes doentes deve incluir um pediatra do neurodesenvolvimento, um geneticista clínico, um cardiologista, um otorrinolaringologista, um oftalmologista e um estomatologista/médico dentista.

Ponderar referenciações a: Endocrinologia (se atraso no crescimento), Neurologia (se aumento do perímetro cefálico ou sintomas neurológicos), Cirurgia (se criptorquidia), Ortopedia/Neurocirurgia (se deformidades esqueléticas/craniossinostose), Gastroenterologia/Nutrição (se dificuldades alimentares graves).

Avaliações recomendadas: realização anual de exame físico e neurológico completo; vigilância da evolução estaturo-ponderal utilizando gráficos de crescimento específicos para SN; hemograma completo com contagem diferencial e PT/APTT; vigilância clínica (p. ex. esplenomegalia) e analítica por hemograma com contagem diferencial a cada três a seis meses até os cinco anos de idade em pacientes com mutações específicas nomeadamente mutações no códão 61 ou T73I do PTPN11 ou T58I do KRAS ou mutação do CBL; função tiroideia/anticorpos anti tiroideus a cada 3-5 anos; avaliação cardíaca com ecocardiografia/eletrocardiografia (mesmo pacientes sem patologia cardiovascular numa primeira avaliação necessitam de reavaliação anual até aos 3 anos de idade e posteriormente a cada cinco anos); avaliação oftalmológica e auditiva (anualmente durante a infância); ecografia renal (no momento do diagnóstico); avaliação clínica e eventualmente radiográfica de defeitos esqueléticos; avaliação dentária anual.

RECOMENDAÇÕES

Em caso de necessidade de intervenção cirúrgica, deve-se ter em consideração a possibilidade de via aérea difícil (se anomalias craniofaciais ou cervicais como escoliose ou craniossinostose), as anomalias cardiovasculares e o risco de diátese hemorrágica. A confirmação genética em familiares de 1º grau sem diagnóstico e assintomáticos/pauci-sintomáticos, deve ser ponderada após identificação da mutação patogénica. Dada a raridade desta síndrome, é importante que se mantenha um contacto multicêntrico de carácter investigacional não só de características fenotípicas e co-morbilidades, mas também para partilha de estratégias terapêuticas

Bibliografia

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