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Introdução

Definição

A síndrome de Marfan é uma doença sistémica do tecido conjuntivo causada por mutações no gene FBN1, localizado no cromossoma 15. Este gene expressa a proteína fibrilina 1, que é um componente estrutural da matriz extracelular. 

Epidemiologia

Tem uma incidência de 1 em cada 5000 nascimentos, sem predomínio na região geográfica, raça ou sexo. Em 75% dos casos é uma doença hereditária autossómica dominante e nos restantes 25% é uma doença esporádica, ocorrendo devido a mutações de novo.

História Clínica

Anamnese

Os primeiros passos para estabelecer um diagnóstico correcto devem incluir uma história clínica completa, com particular foco na história familiar já que esta é uma doença com um forte carácter hereditário.  

Cada uma das manifestações clínicas da síndrome de Marfan pode ocorrer na população em geral, podendo até haver sobreposição de várias manifestações numa pessoa sem a doença. Assim sendo, para evitar imprecisões diagnósticas, são utilizados os critérios de Ghent, revistos em 2010. Estes critérios dão mais importância às características que são incomuns na população em geral e comuns na síndrome de Marfan (ectopia do cristalino, dilatação aórtica) do que às que são relativamente comuns na população em geral (miopia, prolapso da válvula mitral, elevada estatura, aracnodactilia). Deste modo, a aplicação destes critérios requer não só um exame objectivo detalhado mas também uma ecocardiografia transtorácica (ETT) e um exame oftalmológico com lâmpada de fenda. 

Em indivíduos com menos de 20 anos de idade, a utilização destes critérios de diagnóstico requer especial atenção já que algumas das características da doença podem ainda não estar presentes, o que não invalida que surjam mais tarde.

Exame objectivo

O síndrome de Marfan tem uma expressão fenotípica bastante variável, afectando principalmente os sistemas cardiovascular, esquelético e ocular. Outros sistemas, como por exemplo o pulmonar, o muscular ou a pele podem também ser afectados.

As características mais frequentes desta síndrome são: a nível cardiovascular, aneurisma da raiz da aorta e prolapso da válvula mitral; a nível esquelético, elevada estatura, membros desproporcionalmente longos em relação ao tronco, aracnodactilia, escoliose, deformidade anterior do tórax (pectus carinatum ou pectus escavatum) e pés planos; a nível ocular, ectopia do cristalino e miopia grave de instalação precoce.

Dado que as alterações mais comuns do sistema cardiovascular e ocular são na sua maioria detectadas e monitorizadas através de exames complementares de diagnóstico, o exame objectivo deve atentar essencialmente nas alterações do sistema esquelético. 

É de salientar que devido à expressão fenotípica variável não existe nenhum sinal patognomónico desta síndrome. 

Diagnóstico Diferencial

Existem várias doenças que são incluídas no diagnóstico diferencial da síndrome de Marfan na medida em que apresentam manifestações esqueléticas, cardíacas o oftalmológicas semelhantes. São apresentadas de seguida algumas das mais relevantes:

Fenótipo MASS: é uma doença do tecido conjuntivo cujos sintomas incluem prolapso da válvula mitral, aumento do diâmetro da raiz da aorta, estrias na pele não relacionadas com oscilações no peso e alterações esqueléticas semelhantes à síndrome de Marfan. Tipicamente, estes doentes não apresentam ectopia do cristalino e não têm critérios suficientes para o diagnóstico formal de síndrome de Marfan.

Homocistinúria: caracteriza-se por elevada estatura, aumento do crescimento dos ossos longos e ectopia da lente mas sem dilatação ou dissecção da aorta. Ao contrário da síndrome de Marfan, é uma doença hereditária autossómica recessiva. A distinção entre estas duas doenças pode ser efectuada através da medição dos níveis de homocisteína no plasma.

Síndrome de aneurisma e dissecção aórtica torácica familiar: apresenta manifestações vasculares semelhantes às da síndrome de Marfan, tais como aneurisma e dissecção da aorta. No entanto, não apresenta as manifestações esqueléticas ou oculares. 

Síndrome de Loeys-Dietz: esta síndrome possui algumas características em comum com a síndrome de Marfan, como por exemplo os aneurismas aórticos e algumas manifestações esqueléticas. Porém, é possível distingui-las já que a úvula bífida, tortuosidades arteriais ou hipertelorismo são características apenas presentes na síndrome de Loeys-Ditz. Para além disso, nesta síndrome a ectopia do cristalino não está presente. 

Exames Complementares

Patologia Clínica

Não existe qualquer exame analítico específico para o diagnóstico da síndrome de Marfan. No entanto, os testes genéticos para detectar mutações no gene FBN1 têm-se tornado uma opção cada vez mais utilizada e fidedigna. Este tipo de testes pode ajudar a confirmar ou excluir o diagnóstico em indivíduos com suspeita de síndrome de Marfan. Para além disso, pode ainda ser útil na distinção entre várias síndromes distintas da síndrome de Marfan mas que partilham características com esta. É de salientar que a ausência da mutação não exclui o diagnóstico. Isto é, em 5-10% dos casos, a mutação não é encontrada em pessoas com síndrome de Marfan sendo que este facto se pode dever à presença de certos tipos de mutações não detectáveis por este método ou problemas técnicos. Por outro lado, a presença da mutação não confirma o diagnóstico já que pode estar presente noutras patologias relacionadas, como o fenótipo MASS.

Imagiologia

Em qualquer pessoa com suspeita de síndrome de Marfan, devem ser realizados dois exames complementares de diagnóstico: ETT e exame oftalmológico com lâmpada de fenda. O primeiro permite estabelecer a presença de dilatação da raiz da aorta e de prolapso da válvula mitral enquanto o segundo pode detectar a presença de ectopia da lente. Após o diagnóstico, estes exames devem ser realizados anualmente para a documentação de eventuais alterações.

Tratamento

Não existe tratamento específico para o defeito subjacente à síndrome de Marfan. 

É essencial determinar quais os problemas presentes no momento do diagnóstico e antecipar aqueles que provavelmente irão ocorrer no futuro para que possam ser implementadas medidas profiláticas. Assim sendo, o tratamento é centrado no alívio dos sintomas e na prevenção de complicações.

Entre as complicações esqueléticas que mais frequentemente requererem tratamento destacam-se a escoliose e as deformidades anteriores do tórax.

Escoliose: é uma deformidade tridimensional da coluna vertebral, caracterizada por uma rotação e um aumento da curvatura lateral da mesma. Ocorre em cerca de 50-70% dos indivíduos com síndrome de Marfan. Na maioria dos casos, a escoliose é ligeira e por isso não necessita de tratamento, sendo ainda assim essencial vigiar a sua evolução. Deste modo, todas as crianças com evidência de escoliose e todos os adultos com uma deformidade progressiva devem ser avaliados regularmente por um ortopedista.

Existem duas modalidades principais de tratamento: ortótese e cirurgia.    

  • Ortótese: o tipo de ortótese utilizada tem a forma de um colete que corrige a curvatura da coluna vertebral enquanto está a ser utilizado. No entanto, esta correcção da curvatura não é permamente pelo que o principal objectivo deste tipo de tratamento é impedir a progressão da escoliose. Geralmente, as ortóteses estão indicadas para curvaturas com um ângulo compreendido entre os 20 e 40 graus.     É importante referir que a taxa de sucesso destes dispositivos é menor na escoliose causada por síndrome de Marfan em comparação com a escoliose idiopática.      
  • Cirurgia: é recomendada quando a curvatura é superior a 40 graus. A cirurgia permite uma correcção permanente da deformidade, evitando possíveis complicações do agravamento da escoliose (dor lombar, perda de função pulmonar). O tratamento cirúrgico desta patologia baseia-se no alinhamento da coluna e na abolição do movimento entre os seus segmentos através da fusão dos corpos vertebrais. Apesar de raras, as complicações cirúrgicas, tais como alterações neurológicas ou infecções são mais comuns em indivíduos com síndrome de Marfan.

Deformidade anterior do tórax: no contexto de pectus excavatum, existe uma indicação major para cirurgia apenas nos casos em que se verifique um compromisso cardiopulmonar. Se possível, este tipo de cirurgia deve ser diferido até ao final da adolescência para diminuir a probabilidade de recidiva. O pectus carinatum normalmente não produz sintomas mas pode-se revelar um problema estético com repercussão na qualidade de vida das crianças e adolescentes.

Evolução

O prognóstico das pessoas com síndrome de Marfan é muito variável já que depende dos órgãos afectados e da gravidade dessas alterações. 

Contudo, nos dias de hoje, com o diagnóstico precoce, um bom acompanhamento e o consequente tratamento de eventuais complicações, é expectável uma esperança média de vida que se aproxima da população em geral. 

Recomendações

A maioria dos doentes com síndrome de Marfan pode levar uma vida relativamente normal. 

A actividade física moderada deve ser encorajada pois promove a saúde cardiovascular, músculo-esquelética e psicossocial a longo prazo. Contudo, não é recomendada a prática de desportos de competição, desportos de contacto ou exercícios isométricos devido ao risco elevado de rotura ou dissecção numa aorta dilatada.

Bibliografia

  1. PEPE, G., et al. Marfan syndrome: current perspectives. The application of clinical genetics, 2016, 9: 55.
  2. PYERITZ, R. Marfan Syndrome and Related Disorders. In: KORF, B.; PYERITZ, R.; RIMOIN, D.; editors. Emery and Rimoin's Principles and Practice of Medical Genetics. 6th edition. Elsevier Science, 2013.
  3. BOLAR, N., et al. Marfan syndrome: from gene to therapy. Curr Opin Pediatr. 2012 Aug. 24(4):498-504. 

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