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Introdução

Definição

A perturbação do espectro do autismo (PEA), ou autismo, é uma complexa patologia do neurodesenvolvimento de carácter crónico.

Caracteriza-se por alterações persistentes na interacção e comunicação social, e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou actividades.

Não estando ainda disponíveis biomarcadores específicos, o diagnóstico baseia-se na avaliação clínica. As manifestações são muito precoces, sendo evidentes na maioria dos casos antes dos dois anos de idade. 

A disfunção neurológica subjacente à PEA invade a progressão de todo o neurodesenvolvimento, podendo o quadro clínico inicial mimetizar um atraso de desenvolvimento psicomotor global. Há, todavia, especificidades clínicas como as dificuldades de interacção e comunicação social que associadas a comportamento repetitivo e restrito ajudam no diagnóstico diferencial.

É uma perturbação de grande heterogeneidade clínica. Frequentemente, ao quadro clínico nuclear associam-se outros sintomas de disfunção cerebral. Destes salienta-se a incapacidade ou perturbação do desenvolvimento intelectual, a epilepsia, as alterações sensoriais e o comportamento disruptivo.

Epidemiologia

O autismo é frequente e em Portugal, no ano 2000, a prevalência estimada foi de um caso em cada 1.000 crianças de idade escolar. Estudos internacionais posteriores, têm revelado um aumento do número de casos, apontando prevalências atuais próximas de 0,5 a 1%.

A PEA afeta quatro vezes mais o sexo masculino. O diagnóstico precoce, bem como uma avaliação adequada e uma intervenção atempada e intensiva, melhoram o prognóstico. 

História Clínica

Anamnese

Na elaboração da história da doença actual é crucial a valorização das preocupações dos pais ou cuidadores. Contudo, há que questioná-los quando espontaneamente não verbalizam preocupações. É fundamental o conhecimento do padrão típico do neurodesenvolvimento de forma a identificar as suas variantes bem como desvios e alterações.

Perguntar e avaliar etapas precoces do neurodesenvolvimento, registando as idades de aquisição dos principais marcadores como idade de ficar sentado sem apoio, da marcha autónoma, primeiras palavras e quais, primeiras frases (duas ou mais palavras, sendo uma um verbo).

Apesar do autismo se manifestar habitualmente no segundo ano de vida é possível identificar sinais precoces/ de alerta como ausência de contacto visual, não sorrir em reposta e pouco interesse por pessoas, com preferência ou tendência a fixar objectos em detrimento de responder ao nome e orientar-se para a voz e face humana.

Em particular, avaliar a atenção conjunta, ie, um sistema de processamento de informação que se inicia entre os quatro e os seis meses de idade e onde se alicerça a aprendizagem social. Baseia-se na capacidade inata da criança coordenar o seu olhar (atenção visual) com o do seu parceiro social, o que leva a uma partilha de interesses visuais que acabam por ser modelos sociais de ensino e aprendizagem.

No entanto, há casos mais discretos de autismo, com nível intelectual médio ou superior, que demonstram uma clínica muito frustre que pode ser somente evidenciada em situações de maior complexidade social ou pela rigidez e inflexibilidade, comportamental e cognitiva associados a interacção social desadequada com clara repercussão no funcionamento e comportamento do dia-a-dia. 

Exame objectivo

Exame físico completo (incluindo exame neurológico). Pesquisa de dismorfismos e presença de estigmas de síndromes neurocutâneos. Avaliar alterações ou défices sensoriais, mas também no processamento sensorial e sinais do exame neurológico como planeamento motor, marcha em bicos-dos-pés e movimentos estereotipados.

A maioria das crianças com autismo não revela alterações no exame objectivo.

Diagnóstico Diferencial

Após os dois anos de idade, a suspeita do diagnóstico de PEA surge frequentemente associada a uma perturbação no desenvolvimento da linguagem. Porém, o que deve ser questionado aos pais e avaliado em consulta é como está a processar a capacidade de comunicação (?) Avaliar o modo como a criança pede, como aponta (seja para pedir – imperativo, seja para mostrar – declarativo) como partilha; avaliar a existência de imitação e jogo simbólico. É raro que estas crianças façam perguntas do tipo: quem é? O que é? Onde está?

Apesar de ser importante a exclusão de défice auditivo, esta não deve atrasar a referenciação a consulta multidisciplinar de avaliação. Os pais frequentemente não têm dúvidas na exclusão de surdez ao descrever uma “audição selectiva”.

Avaliar se está associado ao quadro clínico de autismo a comorbilidade de perturbação do desenvolvimento intelectual (ocorre em cerca de 50% casos), assim como se está associada outra patologia médica.

Exames Complementares

Não devem ser prescritos meios complementares de diagnóstico, excepto os seguintes devidamente fundamentados: a) Electroencefalograma (EEG) na suspeita de regressão ou crise de natureza epiléptica; b) Ressonância magnética cranioencefálica (RM-CE) na presença de alterações no exame objectivo, nomeadamente no exame neurológico, presença de estigmas neurocutâneos ou alteração do perímetro craniano.

Ressalvar que no autismo cerca de 15% das crianças têm uma macrocefalia pós-natal sem alterações estruturais com significado clínico conhecido.

A realização de c) testes genéticos para o diagnóstico etiológico do autismo deve ser orientada de acordo com a história pessoal e familiar, na presença de dismorfismos e incapacidade intelectual bem como história familiar de doença genética ou de incapacidade intelectual.

Assim, é preconizado, como primeira linha, a exclusão de síndroma de X-frágil (FMR1) seguido de array comparative genomic hybridization (aCGH 750kb). Ponderar a sequenciação dos genes MECP2 no sexo feminino (quando aCGH normal) ou PTEN em criança com macrocefalia extrema (>2,5 desvio padrão da média). Para eventual d) estudo metabólico consultar Norma da Direcção Geral de Saúde sobre critérios de diagnóstico e referenciação de doenças hereditárias do metabolismo.

Tratamento

A intervenção na PEA é essencialmente psicoeducacional, devendo recorrer-se a estratégias comportamentais e terapias directas e estruturadas que devem ser do conhecimento da família. Numa fase precoce, as crianças em risco ou já com o diagnóstico de autismo devem ser intensivamente ensinadas a comunicar recorrendo a meios aumentativos e alternativos (símbolos, gestos, imagens, de preferência em contextos naturais), a adequar comportamentos sociais, a brincar, a adquirir autonomia e a controlar comportamentos disruptivos (birras, agitação, irritabilidade, sono e alimentação).

Preencher o Boletim de Saúde Infantil e Juvenil bem como elaborar e enviar ficha de referenciação à equipa local de intervenção precoce (ELI) do Sistema Nacional de Intervenção Precoce - Decreto-Lei 281/2009) até aos seis anos. Em idade escolar referenciar a equipa multidisciplinar de apoio de apoio à educação inclusiva, em função da situação concreta, e ser elaborado, com a participação ativa da Família, um Relatório Técnico-Pedagógico de intervenção estruturada (Decreto-Lei 54/2018)

A abordagem terapêutica individualizada realizada a nível da consulta de especialidade hospitalar, em articulação com a ELI e/ou equipas locais de intervenção escolar deve assentar na intervenção não farmacológica de acordo com a situação clínica e o contexto personalizado.

Paralelamente, avaliar e promover intervenção especializada em Terapia da Fala e Ocupacional de integração sensorial. Ponderar intervenção de Psicologia em articulação com a componente pedagógica e, em idade escolar, modelos de intervenção com treino de competências sociais (autonomia e socialização). De notar que as intervenções educativas e terapêuticas devem ser efetuadas na comunidade, de preferência nos agrupamentos escolares onde as crianças estão matriculadas. 

A terapêutica farmacológica deve ser usada exclusivamente nas comorbilidades e comportamentos disruptivos de acordo com a situação clínica e contexto individual, sendo apenas do foro da especialidade médica de referência. 

Evolução

A evolução e o prognóstico vão depender do diagnóstico etiológico e funcional da criança, bem como do seu enquadramento familiar e sociocultural. Como factores facilitadores na intervenção psicoeducativa e adaptativa deve haver articulação entre família, escola / docentes, terapeutas e comunidade. Promover a inclusão e a referenciação a equipas de intervenção precoce.

O prognóstico depende do perfil intelectual e do nível funcional e da existência de comorbilidades ou da patologia médica associada (caso seja identificada).

Consideram-se três níveis de gravidade (ligeiro, moderado e grave) de acordo com o grau de suporte necessário versus maior independência/autonomia e flexibilidade cognitiva (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5th edition – DSM-5).

Recomendações

Salientar aos pais a importância da monitorização do neurodesenvolvimento dos filhos. A referenciação precoce para uma avaliação formal mitiga a ansiedade dos pais e, com uma intervenção atempada, aprende-se a lidar com a situação clínica, a adequar expectativas e a antecipar problemas adaptativos e outros.

É imperativo o grande envolvimento da família, capacitando-a e envolvendo os pais como decisores, valorizar as suas preocupações, discutir as alterações encontradas e a melhor forma de as ultrapassar ou atenuar, sublinhando a importância da intervenção terapêutica imediatamente após a identificação de problemas, ainda que sem um diagnóstico clínico conclusivo. 

Após a confirmação do diagnóstico, deve-se oferecer a possibilidade de investigação etiológica dirigida e posterior aconselhamento genético à família.

Glossário

DSM-5: Manual de Diagnóstico de Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, para classificação nosológica, criado em 1952 e a última atualização ocorreu em 2013.

Bibliografia

  1. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th edition). Arlington, US: American Psychiatric Publishing; 2013.
  2. Direção-Geral da Saúde. Norma de Orientação Clínica 002/2019 acessível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0022019-de-23042019-pdf.aspx
  3. Oliveira G. Autismo: diagnóstico e orientação. Acta Pediatr Port 2009; 40(6):278-87.
  4. Amaral DG, Dawson G, Geschwind DH editors. Autism spectrum disorders. Oxford University Press; 2011. 
  5. Howes OD, Rogdaki M, Findon JL, Wichers RH, Charman T, King BH et al. (2018). Autism spectrum disorder: consensus guidelines on assessment, treatment and research from the British Association for Psychopharmacology. J Psychopharmacol. 32(1):3-29. doi:10.1177/0269881117741766.

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