Otite média aguda
Introdução
Definição
A otite média aguda (OMA) consiste no aparecimento súbito de sintomas e de sinais de inflamação no ouvido médio (OM) (1).
Epidemiologia
A OMA é muito frequente na idade pediátrica e é um dos principais motivos para a prescrição de antibioterapia nesta faixa etária. Um estudo europeu refere que a incidência anual é de 268 episódios por 1000 crianças (2) e afeta maioritariamente o género masculino (3).
A incidência da OMA é superior nos 2 primeiros anos de vida, com um pico entre os 6 e os 9 meses de idade. Durante o 1º ano de vida, mais de 60% das crianças apresentam um episódio de OMA. Após os 6 anos de idade, menos de 40% das crianças desenvolvem OMA (4)
História Clínica
Anamnese
O diagnóstico de OMA baseia-se no início súbito de sintomas, maioritariamente inespecíficos, na evidência, à otoscopia, de sinais de inflamação aguda na membrana timpânica e no OM e na presença de efusão no OM(1) Nas crianças mais velhas, a OMA geralmente ocorre com otalgia intensa de início súbito, hipertermia e queixas de hipoacusia. Nas crianças em idade pré-verbal, a hipertermia pode estar presente e a otalgia é sugerida pelo constante manipular das orelhas, choro excessivo, recusa alimentar, irritabilidade e alterações do sono e do comportamento. Se houver ruptura da membrana timpânica (MT) a criança pode apresentar otorreia com consequente alívio da sintomatologia. No entanto, a maioria dos sintomas são inespecíficos e facilmente confundidos com o resfriado comum (1).
Exame objectivo
É fundamental o diagnóstico preciso para o tratamento adequado das crianças com OMA, evitando a utilização de antibióticos desnecessários em crianças com otite média com efusão (OME). O diagnóstico preciso impede ainda o uso excessivo e inadequado de antibióticos, com consequente desenvolvimento de organismos resistentes.
A observação da MT por otoscopia, otoscopia pneumática ou otomicroscopia é fundamental para um diagnóstico correto uma vez que esta apresenta a alteração mais importante ao exame físico, permitindo distinguir uma OMA de uma OME (1).
Segundo as guidelines da Academia Americana de Pediatria (1) considera-se que uma criança tem OMA se apresentar abaulamento moderado a grave da MT ou otorreia de novo, não causada por uma otite externa; considera-se que pode ter OMA se apresentar abaulamento ligeiro da MT associado a otalgia ou rubor pronunciado da MT com início nas 48 horas prévias; considera-se que não tem OMA na ausência de efusão do ouvido médio, demonstrada pela avaliação com otoscópio pneumático e/ou timpanometria.
Para além do exame otológico, o exame da cabeça e pescoço é importante porque permite avaliar a resposta linfática – adenomegalias – cervical e pode identificar condições que podem predispor o paciente a desenvolver otite média. As características faciais devem ser avaliadas para anomalias craniofaciais, como as das síndromes de Down e de TreacherCollins. O exame da orofaringe pode apresentar uma úvula bífida ou uma fenda do palato. A hipernasalidade indica insuficiência velofaríngea, enquanto a hiponasalidade pode ser causada por uma hipertrofia das adenoides ou obstrução nasal secundária a polipose nasal, a desvio do septo ou a hipertrofia dos cornetos inferiores (5).
Diagnóstico Diferencial
O principal diagnóstico diferencial da OMA é a OME. Ambas as condições estão associadas à presença de efusão no ouvido médio. No entanto, a OMA está associada ao abaulamento da MT e à presença de sinais e sintomas de inflamação aguda (dor, hipertermia, rubor, otorreia) enquanto na OME a MT pode apresentar um aspecto normal e não existem sinais ou sintomas de inflamação aguda(6).
Outras condições cuja clínica pode ser confundida com a da OMA são a miringite, a otite externa e as patologias que decorrem com otalgia referida como é o caso das infeções faríngeas e, as patologias dentária, da articulação temporomandibular e da coluna cervical.
A miringite (bulhosa ou hemorrágica) aguda consiste na inflamação da MT e pode ser consequência de uma infeção bacteriana, por Streptococcus pneumoniae ou espécies de Staphylococcus, ou vírica, como o virus Influenza ou Zoster. O agente patogenico pode infetar apenas a MT (miringite primária) ou pode causar otites media ou externa e, secundariamente, envolver a MT (miringite secundária). Uma vez que a clínica das duas entidades é semelhante, o aspeto bulhoso da MT é uma característica útil para a sua distinção da OMA. No entanto, uma vez que os agentes infecciosos são os mesmos o tratamento preconizado é também o mesmo (5).
A otite externa consiste na inflamação do canal auditivo externo (CAE). Esta geralmente é unilateral e está associada com exposição do CAE a água ou a traumatismo local. Quando comparada com a OMA, a dor é mais intensa, agrava-se com a manipulação do pavilhão auricular e apresenta um edema marcado do CAE que pode resultar em hipoacusia ou sensação de plenitude auricular. Características como otorreia e hipertermia também podem estar presentes e podem ser induzir o diagnóstico de OMA (5).
Exames Complementares
Patologia Clínica
O estudo analítico com doseamento de marcadores inflamatórios raramente é necessário para o diagnóstico de OMA e geralmente é requisitado quando se suspeita da possibilidade de complicação.
No entanto, se realizados irão mostrar as alterações características de uma infecção bacteriana, com aumento dos leucócitos, neutrófilos e proteína C reativa.
Imagiologia
O estudo de imagem geralmente está reservado para situações em que se suspeite de complicação da OMA. Nesse caso deve ser requisitada uma tomografia computorizada dos ouvidos e/ou cerebral. No caso de suspeita de complicação intracraniana a ressonância magnética cerebral poderá ser o exame de eleição.
Tratamento
Analgesia
A avaliação da dor deve ser realizada em todos os doentes com OMA e a analgesia apropriada deve ser recomendada, independentemente da utilização de antibiótico, uma vez que a antibioterapia isolada não resulta em alÍvio sintomático nas primeiras 24h. Os principais analgésicos utilizados são o paracetamol e/o ibuprofeno (1).
Antibioterapia
O tratamento da OMA depende da idade do doente, da gravidade dos sintomas, da presença de otorreia e da lateralidade da infecção. Os antibióticos devem ser prescritos a crianças de idade ≥6 meses com OMA associada a otorreia, a crianças de idade ≥6 meses com OMA (unilateral ou bilateral) grave (otalgia moderada a grave ou temperatura ≥30ºC) e a crianças com idade compreendida entre os 6 e os 23 meses e OMA bilateral não grave (otalgia ligeira e temperatura
A opção entre antibioterapia ou vigilância pode ser considerada em crianças com idade entre os 6 e os 23 meses e OMA unilateral não grave e em crianças com ≥24 meses e OMA unilateral ou bilateral não grave. Nos casos de vigilância, a reavaliação deve ser garantida, considerando-se critérios para decisão de instituição de antibioterapia a ausência de melhoria da sintomatologia, a presença de otorreia ou o agravamento sintomático num prazo de 48-72horas (1).
O antibiótico de primeira linha consiste na amoxicilina em elevadas doses (80-90 mg/kg/dia dividida em 2 doses). Para crianças com idade
Se a criança foi medicada com amoxicilina nos 30 dias prévios, se apresentar conjuntivite purulenta associada ou se for necessária cobertura adicional para β-lactamase o tratamento deve ser iniciado com amoxicilina-clavulanato (90 mg/kg/dia de amoxicilina, com 6.4mg/kg/dia de clavulanato, na razão de 14:1 respetivamente, dividida em 2 doses) (1).
Em caso de alergia à penicilina deve-se optar por uma cefalosporina de segunda ou terceira geração (1).
Se 48-72horas após início do tratamento os sinais e sintomas graves persistirem deve ser ponderada a alteração da antibioterapia. Naqueles tratados inicialmente com amoxicilina esta deve ser alterada para a associação amoxicilina-clavulanato; os que iniciaram tratamento com amoxicilina-clavulanato ou com cefalosporina de 3ª geração oral devem ser medicados com ceftriaxonaintra-muscular (50mg/kg/dia durante 3 dias) (1).
Se a criança apresentar múltiplos cursos de tratamento sem sucesso, deve-se obter um diagnóstico bacteriológico por timpanocentese com coloração de Gram, cultura e teste de susceptibilidade do patogeno ao antibiótico (1)
Cirurgia
As crianças devem ser candidatas à realização de miringotomia com colocação de tubos de ventilação de forma urgente se não responderem à antibioterapia corretamente instituída; e de forma programada se apresentarem OMA recorrente (3 episódios em 6 meses ou ≥4 episódios em 12 meses, com 1 episódio nos últimos 6 meses) e efusão unilateral/bilateral na altura em que estão a ser avaliados como candidatos à cirurgia (7).
A adenoidectomia como acto isolado não deve ser realizada na prevenção da OMA mas pode ter benefícios quando realizada simultaneamente com a colocação de tubos de ventilação (1).
Algoritmo clínico/ terapêutico
1 - 80-90mg/kg/dia em 2 doses
2 - 14mg/kg/dia em 1 ou 2 doses. Fármaco não comercializado em Portugal.
3 - 30mg/kg/dia em 2 doses
4 - 10mg/kg/dia em 2 doses
5 - 50mg/kg/dia IM ou IV em 1 dose por 1 ou 3 dias
6 - 90mg/kg/dia de amoxicilina, com 6.4mg/kg/dia de clavulanato, dividido em 2 doses
7e8 - 50mg/kg/dia IM ou IV em 1 dose por 3 dias
9 - Iniciar antibioterapia sempre que otorreia presente.
Adaptado de (1).
Evolução
Em 75% dos doentes a sintomatologia aguda desaparece em 4 dias. No entanto, algumas crianças irão desenvolver novos episódios de OMA. Quanto mais precoce for a data da primeira otite, maior o risco de recorrência. (3).
Efusão persistente após OMA é observada em 50% das crianças um mês após OMA, 20% aos 2 meses e 10% aos 3 meses após OMA (4). Quanto mais cedo ocorrer o episódio de OMA, maior a probabilidade de apresentar efusão persistente. A persistência da efusão no OM está associada a hipoacusia de condução e pode dificultar o desenvolvimento da linguagem e o desempenho escolar (3,4).
Recomendações
Alguns factores que contribuem para o aparecimento precoce de OMA ou para a sua recorrência não são modificáveis. Estes incluem a predisposição genética, a prematuridade, o género masculino, algumas etnias, o número de irmãos e o nível socioeconómico baixo. As medidas seguintes reduzem comprovadamente o risco de OMA: 1) administração de vacina pneumococica conjugada a todas as crianças, 2) vacinação anual de todas as crianças contra o vírus influenza, 3) encorajamento da amamentação exclusiva por pelo menos 6 meses e, 4) evicção da exposição ao fumo de tabaco.
Algumas medidas podem ser tomadas mas cuja evidência é limitada: 1) evitar utilização de biberão na posição supina, 2) evitar ou diminuir a utilização de chupeta a partir dos 6 meses (4).
Bibliografia
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