Meningite neonatal
Introdução
Definição
A meningite neonatal é uma inflamação das meninges cerebrais e/ou espinhais no recém-nascido (RN). Pode manifestar-se na primeira semana de vida, mais frequentemente nas primeiras 72 horas (infecção precoce, de transmissão perinatal) ou após a primeira semana de vida (infecção tardia, habitualmente de transmissão pós-natal, na comunidade ou em meio hospitalar).
Epidemiologia
É durante o período neonatal que a meningite é mais frequente, com uma incidência de 0,25 a 0,32 casos por cada 1000 nados vivos.
Etiologia
Pode ocorrer por disseminação hematogénica ou por inoculação directa do agente infeccioso, em RN com malformações do sistema nervoso central (SNC) com fístula ou em RN com dispositivos do SNC.
Os principais agentes etiológicos são comuns aos da sépsis neonatal, sendo que 10 a 20% dos RN com bacteriemia têm meningite.
Etiologia Bacteriana |
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Infecção precoce |
Streptococcus do Grupo B (+ tipo III) |
≈70% | ||
Outros bacilos Gram negativo Staphylococcus coagulase negativo Staphylococcus aureus Listeria monocytogenes Outros Streptococcus |
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Infecção tardia |
Adquirida no Hospital |
Staphylococcus coagulase negativo Staphylococcus aureus Enterococcus Enterobacteriaceae (incluindo produtoras de Beta-lactamases de espectro alargado) Pseudomonas aeruginosa Outros Gram negativo |
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Adquirida na Comunidade |
Streptococcus pneumoniae Neisseria meningitidis Streptococcus do Grupo A Haemophilus influenzae |
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Outra Etiologia Infecciosa (menos frequente) | ||||
Vírus (Herpes simplex, Citomegalovírus, Enterovírus, vírus Varicela-Zoster) Parasitas (Toxoplasma gondii) Fungos (Candida spp) |
História Clínica
Anamnese
No RN a clínica de meningite é inespecífica, semelhante à de sépsis: instabilidade térmica (febre ou hipotermia), letargia, irritabilidade, hipotonia, convulsões, intolerância alimentar, dificuldade respiratória, apneia ou cianose. O abaulamento da fontanela anterior é de aparecimento tardio.
São factores de risco a rotura prematura e/ou prolongada de membranas, infecção materna, prematuridade, baixo peso ao nascer, malformações do SNC com fístula ou dispositivos no SNC, galactosemia (deve ser excluída se meningite neonatal a Escherichia coli) ou outra comorbilidade.
Diagnóstico Diferencial
Patologia Clínica
- Hemograma com bastonetes, proteína C-reactiva (PCR): leucocitose ou leucopenia, neutrofilia ou neutropenia, aumento da razão neutrófilos imaturos/neutrófilos totais, trombocitopenia, PCR positiva.
- Glicémia plasmática (antes da realização da punção lombar).
- Hemocultura: positiva em mais de 60%dos casos.
- Exame citoquímico (glicose e proteínas: na meningite verifica-se um aumento do valor das proteínas e diminuição do valor da glicose); e microbiológico do líquido cefalorraquidiano (LCR).
- Pesquisa de antigénios capsulares no LCR para Streptococcus do Grupo B, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae.
RN de termo |
RN prematuro | |||
≤ 7 dias |
> 7 dias | ≤ 7 dias | >7 dias | |
Leucócitos x109/L |
3 (1-6) | 2 (1-4) | 3 (1-7) | 3 (1-4) |
Proteínas mg/dL |
78 (60-100) | 57 (42-77) | 116 (93-138) | 93 (69-122) |
Glicose mg/dL |
50 (44-56) | 52 (45-64) | 53 (43-65) | 47 (40-58) |
70-80% da glicemia plasmática |
Imagiologia
A ecografia cerebral transfontanelar é o exame mais acessível e deve ser utilizada na monitorização e exclusão de complicações. Podem ser documentadas alterações como edema cerebral com ventrículos em fenda, sulcos hiperecogénicos e alargados, focos de hiperecogenicidade na substância branca.
A ressonância magnética (RM) (ou tomografia computorizada com contraste se RM não disponível) é útil na caracterização de eventuais complicações e na definição do prognóstico neurológico.
Tratamento
A meningite neonatal exige um rápido início de terapêutica, pelo que a antibioticoterapia empírica deve ser instituída de imediato ((Tabela 3). Os aminoglicosídeos, apesar de penetrarem mal a barreira hematoencefálica, têm efeito sinérgico.
As doses dos antibióticos devem ser adequadas ao peso e idade gestacional.
A terapêutica deverá ser ajustada após identificação do agente e teste de sensibilidade a antibióticos.
Antibioticoterapia Empírica | ||
Infecção precoce |
Ampicilina + Gentamicina |
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Infecção tardia |
Adquirida no Hospital |
Vancomicina + Aminoglicosídeo + Cefotaxima |
Adquirida na Comunidade |
Ampicilina + Cefotaxima |
Duração da terapêutica | ||
Gram positivos |
Streptococcus do Grupo B Listeria monocytogenes Enterococcus |
14 a 21 dias após esterilização do LCR Se evolução clínica favorável, a monoterapia com ampicilina pode ser considerada após esterilização do LCR durante mais 14 dias |
Staphylococcus coagulase negativo |
14 a 21 dias após esterilização do LCR |
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Staphylococcus aureus |
Mínimo 21 dias após esterilização do LCR |
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Gram negativos |
Mínimo 21 dias ou 14 dias após esterilização do LCR Após esterilização do LCR pode ser suspenso o aminoglicosídeo |
Não está recomendada terapêutica adjuvante na meningite neonatal.
Está recomendada a repetição de punção lombar às 48 horas após início de antibioticoterapia para documentar esterilização do LCR. Pode eventualmente ser dispensada se a evolução clínica e laboratorial for favorável e se o agente isolado não for um Gram negativo.
Evolução
A meningite neonatal tem uma mortalidade de cerca de 10%, sendo que 20 a 50% dos RN terão sequelas. São factores preditivos de morte ou sequelas graves: prematuridade, baixo peso, neutropenia, convulsões que se prolongam mais de 72 horas, défices neurológicos focais, suporte inotrópico, atraso na esterilização do LCR, lesões parenquimatosas.
O seguimento após a alta deve incluir avaliação por Audiologia, Oftalmologia e Neurodesenvolvimento.
Recomendações
A vigilância da gravidez e o parto em meio hospitalar, associados ao rastreio e profilaxia intraparto da colonização vaginal materna por Streptococcus do Grupo B, são importantes na prevenção da meningite e sépsis precoce.
Nas meningites tardias adquiridas na comunidade a medida preventiva mais importante é a higienização das mãos. Outras medidas são:
- evitar contacto com pessoas doentes, ambientes fechados ou com grande concentração de pessoas (prevenção de meningite neonatal por agentes transmitidos de pessoa a pessoa);
-
vacinação dos contactos próximos do RN.
Bibliografia
- Guimarães J, editores. Neonatologia: manual prático. Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. 2ª edição. 2012.
- Morven E, Carol B. Bacterial meningitis in the neonate: Clinical features and diagnosis and treatment and outcome. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Accessed on July 12, 2017).
- Gomella T, editor. Neonatology: Management, Procedures, On-call Problems, Diseases, nad Drugs. 7th edition. Lange Clinical Science.
- Martin R, Fanaroff, Walsh M, editors. Fanaroff and Martin´s Neonatal- Perinatal Medicine Diseases of the fetus and Infant. 10th ed. St Louis: Elsevier Mosby; 2015.
- American Academy of Pediatrics. In: Kimberlin DW, Brady MT, Jackson MA, Long SS, eds. Red Book: 2015 Report of the Committee on Infectious Diseases. 30th ed. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics; 2015.
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