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Introdução

Definição

Podemos definir má progressão ponderal num recém-nascido (MPP-RN) como uma perda de peso superior a 10% nos primeiros 3-5 dias de vida ou, nos dias e semanas seguintes, um aumento médio diário inferior a 20 gramas / dia ou, eventualmente, uma perda ponderal. Este capítulo foca-se no período após a perda ponderal fisiológica dos primeiros dias de vida.

Epidemiologia

Não existem dados epidemiológicos globais neste tema e existe uma grande variância consoante os países e respectivas regiões. Claramente, os casos de MPP-RN relacionados com a baixa ingestão de leite, sem uma patologia subjacente, são muito frequentes. Já os casos com patologia subjacente variam de frequentes a muito raros, variando também a gravidade clínica associada, com algumas situações com ameaça vital quase imediata (ver tabela 1).

Tabela 1: Causas de MPP-RN por frequência e gravidade

CAUSAS MAIS FREQUENTES

  • Hipogalactia materna
  • Dificuldades alimentares
  • (má técnica, alterações anatómicas, prematuridade, doença neurológica,...
  • Infecção (CRS, infecção urinária, sépsis neonatal, TORCHS)
  • Estenose hipertrófica do piloro
  • Alergia a proteínas do leite de vaca
  • Problema social / negligência
CAUSAS MAIS GRAVES
  • Desidratação / Choque, qualquer causa subjacente
  • Sépsis neonatal
  • Cardiopatia congénita
  • Obstrução intestinal
  • Hiperplasia supra-renal congénita
  • Doenças do metabolismo do RN
OUTRAS CAUSAS (MAIS RARAS)
  • Mal absorção intestinal (abetalipoproteinémia, fibrose quística,…)
  • Doença renal (acidose tubular, displasia renal,…)
  • Doença hepática (atrésia de vias biliares, hepatite por infecção congénita,…)
  • Doença pulmonar (fibrose quística,…)
  • Doença oncológica

História Clínica

Anamnese, exame objectivo

A anamnese e o exame objectivo do RN são fundamentais para a orientação diagnóstica da MPP. É muito importante diferenciar os casos relacionados com uma baixa ingestão de leite, seja ela por hipogalactia materna, seja por dificuldades no acto de mamar (seja por uma combinação das duas), dos casos associados a uma patologia orgânica subjacente. Nos primeiros casos, a história da gravidez e do período perinatal é habitualmente insuspeita, podendo existir referência a dificuldade ao mamar, icterícia e eliminação pouco frequente. Frequentemente, o RN, depois da perda ponderal fisiológica, começa a ganhar peso, mas de modo insuficiente (

Tabela 2: Alterações sugestivas no Exame Objectivo
Desidratação
(qualquer causa)
Hipotonia, letargia
Olhos encovados, fontanela deprimida.
Mucosas secas
Tempo de recoloração capilar aumentado
Síndrome de dificuldade respiratória
Cardiopatia Congénita Dificuldade respiratória com taquipneia.
Sopro cardíaco. Galope. Pulso periféricos fracos
Cianose ou palidez
Tosse frequente, sibilância
Sudorese importante com alimentação
Incapacidade de completar refeição
Engasgamento, vómito
Sono excessivo, letargia
Infecção / Sépsis Letargia, hipotonia ou irritabilidade.
Recusa alimentar
Alterações térmicas (febre ou hipotermia)
Síndrome de dificuldade respiratória.
Sinais de desidratação ou choque
Estenose Hipertrófica do Piloro Sexo masculino mais frequente. 1º filho.
Vómitos pós-prandiais, não biliares, em jacto
Tendência para agravamento progressivo
Apetite e estado geral inicialmente conservados
Alergia a proteínas do leite Rectorragia no RN
Vómitos, diarreia, distensão abdominal, recusa alimentar
Problema Social
Negligência
Cuidados de higiene desadequados.
Lesões cutâneas suspeitas, hematoma / equimoses
Obstrução Intestinal
(Volvo, por exemplo)
Vómitos biliares
Dor, distensão abdominal
Hemorragia digestiva baixa
Sinais de peritonite
Eventual instabilidade cardiorrespiratória
Hiperplasia Congénita
Suprarrenal

Virilização dos genitais
Colapso circulatório: sinais de choque
Letargia, hipotensão

Doença congénita do 
Metabolismo
Vómitos, diarreia, desidratação
Letargia, coma, convulsões
Odor corporal ou de fluidos peculiares

Exames Complementares

Os exames complementares de diagnóstico devem ser escolhidos criteriosamente de acordo com a gravidade da apresentação do caso e com os elementos recolhidos na anamnese e exame objectivo. Caso contrário, seria necessário requisitar uma quantidade inaceitável de exames e procedimentos, submetendo o RN a agressões eventualmente desnecessárias e não isentas de risco. Em primeiro lugar, devem ser pedidos os exames dirigidos às causas mais graves e / ou frequentes (ver tabela 3 e algoritmo 1).

Na maioria dos casos, relacionados com hipogalactia materna ou dificuldades com o acto de alimentar, a anamnese e o exame objectivo (desde que a vigilância médica seja regular, como esperado) serão normais ou quase. Não serão necessários exames complementares, numa primeira fase, em que se corrige a quantidade de leite ingerida. A vigilância do estado geral, de novos sintomas e da evolução ponderal deve ser muito frequente. Se persistir a MPP, deve ser reavaliada a situação e pedir exames complementares dirigidos às causas mais frequentes.

Tabela 3: Exames complementares de diagnóstico.
Desidratação
(qualquer causa)
Hemograma, bioquímica, pH e gases

Cardiopatia Congénita

Electrocardiograma, Ecocardiograma
Radiografia do torax

Infecção / Sépsis

Hemograma, parâmetros de infecção.
Sumária de urina
Culturas: sangue, urina, LCR (?)
Grupo TORCH, eventuais técnicas de PCR
Estenose Hipertrófica do Piloro Ecografia abdominal: avaliação piloro
Gasometria: alcalose metabólica hipoclorémica
Ionograma sérico e urinário
Alergia a proteínas do leite Utilidade? Maioria são não IgE-mediadas
IgE específica para proteínas do leite

Problema Social
Negligência

Eventuais exames dirigidos a lesões esqueléticas
Obstrução Intestinal
(Volvo, por exemplo)
Radiografia simples abdominal
Trânsito gastrointestinal
Hiperplasia Congénita
Suprarrenal
Ionograma, glicémia, gasometria
17-OH-progesterona, renina, cortisol, ACTH
Rastreio Neonatal
Doença congénita do 
Metabolismo
Gasometria. Amónia. Sumária de urina.
Hemograma, ionograma sérico e urinário.
Glicémia, creatinina, ureia, ácido úrico.
Função hepática.
Lactato, piruvato, perfil de acilcarnitinas.
Aminoácidos plasmáticos.
Ácidos orgânicos urinários.

Evolução

O prognóstico da MPP-RN é, tal como as suas causas, extremamente variável. Nos casos mais habituais por baixa ingestão de leite, uma vez identificada e resolvida em tempo útil (ou seja, sem ter evoluído com desidratação, hipoglicémia, convulsão, infecção,…), o prognóstico é excelente. Nas situações com patologia subjacente, varia muitíssimo com a gravidade e possibilidade de tratamento existente.

Recomendações

É fundamental a vigilância da saúde da grávida (infecção na gravidez, diagnóstico pré-natal de malformações congénitas, avaliação do crescimento e bem-estar fetal, os suplementos necessários), a assistência perinatal diferenciada (“nascer bem”) e a vigilância neonatal próxima e frequente por profissionais treinados para identificar MPP-RN, detectar as suas causas, iniciar o tratamento e verificar a sua eficácia. Neste contexto é importante insistir na observação e pesagem semanal do RN em centro de saúde, na realização da consulta médica nos primeiros 10-15 dias de vida, no rastreio de doenças metabólicas (“teste do pezinho”) entre o 3º e o 6º dia de vida e na vigilância e ensino de uma técnica correcta de amamentação.

Bibliografia

  1. Homan GJ. Failure to Thrive: A Practical Guide.  Am Fam Physician. 2016 Aug 15;94(4):295-9. Review.
  2. Kerzner B, Milano K, MacLean WC Jr, et al. A practical approach to classifying and managing feeding difficulties. Pediatrics 2015; 135:344.
  3. Cole SZ, Lanham JS. Failure to thrive: an update. Am Fam Physician. 2011 Apr 1;83(7):829-34. Review.
  4. Committee on Nutrition American Academy of Pediatrics. Failure to thrive. In: Pediatric Nutrition Handbook, 6th, Kleinman RE (Ed), American Academy of Pediatrics, Elk Grove Village 2009. p. 601.
  5. https://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-weight-loss-in-infants-six-months-of-age-and-younger

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