Insucesso escolar / académico
Introdução
Definição
O insucesso académico caracteriza-se pela dificuldade em acompanhar a aquisição de competências escolares e atingir os objectivos de aprendizagem propostos no tempo previsto para a idade.
A etiologia é frequentemente multifactorial e poderão estar envolvidos factores endógenos como doenças crónicas, comprometimento sensorial, condições neurológicas ou do neurodesenvolvimento, síndromes genéticos ou distúrbios psiquiátricos e factores exógenos relacionados com a escola e o meio familiar.
Epidemiologia
Relativamente ao abandono escolar precoce, Portugal fez notáveis progressos na última década, no entanto ainda apresenta uma taxa de abandono > 10%, estando em 23º lugar a nível europeu. A taxa de retenção tem vindo a descer desde 2014, sendo o 7º ano aquele com o valor mais elevado do ensino básico alcançando 11.4%.
História Clínica
Anamnese
O rastreio de problemas relacionados com a escola deve fazer parte da avaliação das crianças e adolescentes em consulta de rotina. A história clínica de uma criança com dificuldade escolar deve incluir:
- Antecedentes pré e perinatais: complicação durante a gravidez e exposições nocivas in utero, prematuridade, hipóxia ou baixo peso ao nascimento.
- Desenvolvimento psicomotor, nomeadamente marcos do desenvolvimento motor, da linguagem, aptidões sociais e comportamento. O desenvolvimento da linguagem é um preditor do sucesso escolar. Um atraso da linguagem pode ser o primeriro sinal de alarme numa criança com perturbação do desenvolvimento cognitivo.
- Antecedentes de trauma crânio-encefálico, patologia do sistema nervoso central, outras condições agudas ou crónicas e medicação habitual.
- Sinais e sintomas que poderão indicar a presença de patologia orgânica.
- Percurso académico: é importante perceber se a dificuldade é aguda ou tem vindo a ser progressiva, quais as maiores dificuldades e facilidades, factores que agravam ou melhoram essa dificuldade, ausências escolares, resultados de avaliações, comunicação com a escola e professores e história pré-escolar.
- Temperamento, atenção e presença de hiperactividade ou impulsividade.
- História social: pobreza, conflitos familiares, baixa educação parental, integração da família na educação, baixas expectativas parentais relativamenete ao sucesso escolar dos filhos, grupo de pares, abuso de substâncias e comportamentos sexuais.
- História familiar: dificuldades escolares, patologias como perturbação do desenvolvimento intelectual, perturbação da hiperactividade com défice de atenção, hiper ou hipotiroidismo e patologias psiquiátricas.
- Revisão de rotinas diárias: excessivo consumo de tecnologias (televisão, computador, jogos), actividades extracurriculares e tempo reduzido dedicado aos trabalhos escolares.
Exame objectivo
O exame objectivo deve ser dirigido de acordo com a história clínica. A observação geral pode revelar tristeza, ansiedade, desatenção, impulsividade e dificuldades de comunicação.
A presença de dismorfias ou estigmas pode revelar a presença de síndromes genéticas como Klinefelter, Turner ou X-frágil. A medição do perímetro cefálico pode revelar microcefalia (associada a condições como síndrome alcoólica fetal) ou macrocefalia (associada a condições como a ausência congénita do corpo caloso, hidrocefalia, autismo ou outra patologia neurológica.).
O peso e estatura podem fazer suspeitar de patologias associadas à dificuldade de aprendizagem e atraso no crescimento como doenças crónicas e doença tiroideia. Achados neurocutâneos (manchas café-com-leite ou angiofibromas) podem sugerir o diagnóstico de neurofibromatose ou esclerose tuberosa. O exame neurológico deve ser realizado sendo importante excluir alterações do tónus muscular e problemas de coordenação. Os rastreios visual e auditivo são um imperativo clínico.
Diagnóstico Diferencial
Múltiplas patologias estão associadas a dificuldade de aprendizagem. Devem ser consideradas:
- doenças crónicas (anemia, fibrose quística, doença de Crohn, Lúpus)
- condições agudas que causem ausência escolar, perturbação / compromisso sensorial (visão e audição)
- período perinatal conturbado, perturbações neurológicas (lesão cerebral aguda, síndrome de Tourette, convulsões, exposições neurotóxicas)
- patologias do neurodesenvolvimento (atraso do desenvolvimento psicomotor)
- perturbação da aprendizagem específica
- perturbação de hiperactividade com défice de atenção
- perturbação do desenvolvimento da linguagem
- perturbação do espectro do autismo
- síndromes genéticas
- patologias endócrinas (híper ou hipotiroidismo)
- patologia psiquiátrica (distúrbios do sono, perturbações do comportamento, perturbação da ansiedade)
- distúrbios do sono e abuso de substâncias
Factores ambientais e contextuais também devem ser considerados:
- condições familiares (divórcio, conflitos, pobreza, depressão, abuso de substâncias, baixo nível de envolvência familiar na educação, negligência parental ou abuso)
- vizinhos, grupo de pares, tempo dedicado a tecnologias
- excesso de actividades extracurriculares que competem com a prioridade de estudar
- escola (má interacção aluno-professor, falta de motivação, turmas com excessivo número de alunos, anos de transição, aumento da exigência das avaliações sem aumento do suporte académico)
Exames Complementares
Deve ser realizada a avaliação cognitiva formal do desenvolvimento, por exemplo com recurso às escalas de Ruth de Griffiths e WISC-III, sendo fundamental a utilização de escalas de avaliação actualizadas, devido ao efeito de Flynn.
Outros exames complementares não fazem parte da avaliação de rotina do insucesso escolar e devem ser pedidos de acordo com a história clínica e / ou exame objectivo.
Tratamento
O tratamento deve ser de acordo com as patologias ou condições identificadas. As crianças devem ser avaliadas no sentido de identificar a necessidade de programas de apoio pedagógico individualizadosindividualizados.
A família deve participar activamente na motivação destas crianças e adoptar estratégias na rotina diária que permitam aumentar o sucesso escolar.
Evolução
A evolução e o prognóstico variam de acordo com as patologias e faxtores de risco associados ao insucesso escolar. No entanto, a identificação e actuação precoce pode alterar a evolução e as metas atingidas no percurso académico.
Recomendações
Identificar precocemente crianças com dificuldades de aprendizagem é crucial pelo que é necessária atenção por parte de familiares, educadores, professores e profissionais de saúde para factores de risco ao longo do desenvolvimento da criança.
A avaliação precoce do neurodesenvolvimento e competências pré-escolares podem permitir identificar factores preditivos de insucesso escolar e assim intervir atempadamente.
Glossário
Griffiths: Escala de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths, criada para avaliação formal do desenvolvimento psicomotor. Corresponde a uma escala com cinco subescalas: Fundamentos da Aprendizagem (aspetos críticos da aprendizagem durante os primeiros anos da infância), Linguagem e Comunicação (linguagem expressiva, linguagem recetiva e a utilização da linguagem para comunicar), Coordenação Olho-Mão (coordenação motora fina, destreza manual e capacidades de perceção visual), Pessoal-Social-Emocional (desenvolvimento do autoconceito e crescente autonomia, interações com outros entre outros aspetos do desenvolvimento emocional) e Motricidade Global (controlo postural, equilíbrio, coordenação visuo-espacial, força, ritmo e planeamento motor).
Wechsler: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III): representa a terceira edição da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC) e tem por finalidade avaliar a capacidade intelectual de crianças. O WISC-III é composto por 13 subtestes, sendo 12 deles mantidos do WISC-R e um novo subteste, Procurador de Símbolos, organizados em dois grupos: Verbais e Percetivos-motores ou de Execução, que são aplicados nas crianças em ordem alternada, ou seja, um subteste de Execução seguido de subteste verbal e vice-versa. Os Subtestes Verbais são compostos pelos itens: Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos, e os subtestes de Execução são constituídos pelos itens: Completar Figuras, Código, Arranjo de Figuras, Cubos, Objetos, Símbolos e Labirintos.
Bibliografia
- Rodrigues AM, Canelas AM et al. Estado da Educação 2017. Conselho Nacional de Educação. Edição 2018.
- Guardiano M. Perturbação da Aprendizagem Específica. Pedipedia online 2018. Disponível em: http://www.pedipedia.org/pro/artigo-profissional/perturbacao-da-aprendizagem-especifica
- Guardiano M, Candeias L et al. Perfil Neuropsicológico em Crianças com Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção: Avaliação da Memória de Trabalho. Acta Pediatr Port 2017; 48:229-235
- Byrd RS, . School Failure: Assessment, Intervention, and Prevention in Primary Pediatric Care. Pediatrics in Review 2005. 26;7
- Miguel RR, Rijo D, Lima LN. Fatores de Risco para o Insucesso Escolar: A Relevância das Variáveis Psicológicas e Comportamentais do Aluno. Revista Portuguesa de Pedagogia 2012; 46-1; 127-143
Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?