Estenose valvular pulmonar
Introdução
Definição
A estenose valvular pulmonar resulta da abertura incompleta da válvula pulmonar por fusão das comissuras valvulares e/ou displasia do tecido valvular. O obstáculo á entrada de sangue para a artéria pulmonar gera um gradiente de pressão sistólica que impõe uma sobrecarga ao ventrículo direito, que hipertrofia, para manter o débito pulmonar.
Epidemiologia
A estenose valvular pulmonar representa 8% a 10% das cardiopatias congénitas, não existindo predomínio de género ou raça (1).
A incidência da estenose valvular pulmonar é bem mais superior (30%) quando se enquadra noutras cardiopatias congénitas mais complexas
História Clínica
Anamnese
Os antecedentes familiares e pessoais são de extrema importância. Isto porque existem formas familiares de estenose valvular pulmonar, admitindo-se uma recorrência de cerca de 3% nestes casos. É também um achado frequente nalguns síndromes genéticos, sendo o Síndrome de Noonan o mais paradigmático desta relação.
A grande maioria das crianças são assintomáticas e são referenciadas por sopro sistólico.
As queixas que suscitam maior preocupação, são as que se relacionam com a atividade física, sendo o cansaço e a dispneia os sintomas mais frequentes nas estenoses mais graves. A associação de dor torácica, lipotimias ou síncope devem alertar para uma situação de maior gravidade, com risco de morte súbita.
Exame objectivo
As manifestações clínicas da estenose valvular pulmonar dependem do grau do obstáculo ao volume de ejeção do ventrículo direito, cursando com cianose profunda nas estenoses críticas à criança completamente assintomática.
O recém-nascido com estenose crítica da válvula pulmonar manifesta cianose central precocemente, que não melhora com a oferta de oxigénio, sendo que a clínica coincide com o encerramento do canal arterial.
Nestes recém-nascidos, ao exame objetivo evidencia-se cianose central sem grande aumento do esforço respiratório, para além de uma taquipneia. Estes sinais clínicos não são patognomónicos da estenose crítica da válvula pulmonar, pois outras cardiopatias congénitas podem cursar com uma clínica sobreponível (ver diagnóstico diferencial).
Na ausência de um shunt direito-esquerdo capaz de manter o débito cardíaco, para além da cianose, podem também manifestarem-se sinais de baixo débito cardíaco, nomeadamente, má perfusão periférica, pulsos poucos amplos, ritmo de galope e o aumento do esforço respiratório.
No entanto, a maioria das crianças são referenciadas a uma consulta de Cardiologia Pediátrica por sopro cardíaco.
O primeiro tom cardíaco é normal e o desdobramento do 2º tom cardíaco depende do grau de obstrução. Um clique de ejeção sistólico é audível nas estenoses ligeira a moderadas e a sua intensidade relaciona-se com o ciclo respiratório. O desaparecimento deste clique sugere um agravamento do grau de estenose.
Um sopro sistólico de ejeção é tipicamente audível no segundo espaço intercostal esquerdo (‘foco pulmonar’), mas pode ser percetível em todo o precórdio, podendo-se acompanhar de frémito. A duração do sopro depende também do grau de obstrução, em que quanto mais acentuado o obstáculo, mais prolongado o sopro.
Diagnóstico Diferencial
No diagnóstico diferencial do recém-nascido com cianose central devem ser consideradas outras patologias não cardíacas, como é o caso das doenças respiratórias e neuromusculares. Nestas, a oferta de oxigénio em alto débito (FiO2 a 100%; teste de hiperóxia) eleva proporcionalmente a pressão parcial de oxigénio, ao contrário do que acontece nas cardiopatias congénitas cianóticas.
Nesta faixa etária há que considerar outras cardiopatias congénitas cianóticas em que a clínica coincide com o encerramento do canal arterial, como é o caso da transposição das grandes artérias, atrésia da pulmonar com septo intacto, atrésia da tricúspide, truncus arteriosus e formas extremas da doença de Ebstein da válvula tricúspide (2).
Nas crianças assintomáticas referenciadas por sopro sistólico com características sobreponíveis à estenose valvular pulmonar há que ponderar outras malformações obstrutivas do coração direito, como é o caso da estenose meso-ventricular, infundibular na Tetralogia de Fallot e supra-valvular pulmonar. Nos recém-nascidos assintomáticos há que pensar na estenose fisiológica dos ramos da artéria pulmonar, um alteração muito frequente e com evolução benigna.
Nestas situações, apesar do sopro sistólico ter características idênticas à da estenose valvular pulmonar, o clique de ejeção sistólico está ausente. No entanto, este pode estar ausente nas crianças com Síndrome de Noonan, apesar de terem uma estenose valvular pulmonar.
Outras anomalias a considerar são a estenose valvular aórtica, mas o sopro localiza-se ao segundo espaço intercostal direito e não irradia para as carótidas e a regurgitação tricúspide moderada em que o sopro é mais audível bordo esquerdo do esterno.
Exames Complementares
Eletrocardiograma
O eletrocardiograma reflete a gravidade da estenose valvular pulmonar.
Nas estenoses mais graves evidenciam-se alterações sugestivas de hipertrofia ventricular direita.
Nos recém- nascidos com estenose valvular pulmonar crítica, podem não existir sinais de hipertrofia ventricular direita por hipoplasia deste ventrículo, mas sim sinais de hipertrofia ventricular esquerda.
Imagiologia
Radiografia do Tórax
A alteração mais evidente relaciona-se com dilatação pós estenótica da artéria pulmonar.
A hipovascularizaçãp pulmonar evidencia-se nas estenoses críticas.
Ecocardiograma
A ecocardiografia transtorácica facilmente permite o diagnóstico da estenose valvular pulmonar. Possibilita a avaliação morfológica da válvula pulmonar, quantifica o grau de obstrução através do gradiente transvalvular e também permite excluir outras malformações.
Cateterismo cardíaco
O cateterismo cardíaco tem um papel essencial na intervenção percutânea.
Tratamento
Em casos de diagnóstico pré-natal de estenose crítica da válvula pulmonar, a valvuloplastia intra-utero é uma opção terapêutica. Tem como objetivo aliviar o obstáculo pulmonar e permitir que o ventrículo direito se desenvolva mais harmoniosamente.
No recém-nascido com estenose crítica da válvula pulmonar com cianose profunda é emergente manter o canal arterial patente recorrendo á utilização da Prostaglandina E1. Esta medida possibilita a irrigação do leito pulmonar e uma oxigenação mais adequada do recém-nascido.
O aumento súbito da pós-carga do ventrículo direito após o encerramento do canal arterial pode resultar na disfunção desta cavidade resultando num quadro de insuficiência cardíaca direita. Neste contexto, pode ser necessário adicionar apoio inotrópico e diuréticos ao regímen terapêutico.
Após a estabilização do doente, procede-se à abertura da válvula, quer percutaneamente, com um cateter de balão (valvuloplastia) quer por valvotomia cirúrgica. Pretende-se com estes procedimentos aumentar o débito pulmonar.
Em crianças mais velhas com estenoses significativas, a valvuloplastia percutânea é a primeira opção terapêutica.
Os doentes sem obstáculos hemodinamicamente significativos não requerem qualquer tipo de intervenção. No entanto, sendo uma doença evolutiva é fundamental um seguimento regular.
A implantação percutânea da válvula pulmonar não está indicada nas estenose valvular isolada, mas naqueles doentes com homoenxertos em posição pulmonar que se encontram estenosados ou regurgitantes.
Cirurgia
Se o doente mantiver-se cianosado apesar destas atitudes terapêuticas é necessário aumentar o débito pulmonar através da criação de um shunt Blalock-Taussig (tubo de Gore-Tex® anastomosado entre a artéria subclávia esquerda e o ramo esquerdo da artéria pulmonar). À semelhança da Prostaglandina E1, trata-se de uma medida paliativa e transitória, mas que vai permitir que os ramos da artéria pulmonar cresçam adequadamente a fim de suportarem o volume de sangue com origem no ventrículo direito (3).
Fora do período neonatal, a valvotomia cirúrgica deve ser ponderada nos casos em que a valvuloplastia não foi eficaz, particularmente naqueles em que a válvula é muito displásica.
Evolução
Os recém-nascidos sem tratamento atempado, médico ou cirúrgico, têm um prognóstico reservado.
As crianças com estenoses ligeiras raramente necessitam de qualquer tipo de intervenção, ao contrário das estenoses valvulares moderadas a graves. Nestas a valvuloplastia percutânea é um tratamento muito eficaz. A exceção a esta regra, são os doentes com Síndrome de Noonan que devido à displasia pulmonar subjacente, por vezes necessitam de valvotomia cirúrgica.
É importante referir que a estenose valvular pulmonar não é uma doença estática, particularmente as formas mais graves.
Recomendações
A profilaxia da endocardite infeciosa é necessária em doentes com shunts Blalock-Taussig e naqueles com lesões estenóticas ou regurgitantes hemodinamicamente significativas.
A prática de desporto competitivo é permitida, exceto nas situações de estenoses mais graves.
Bibliografia
- Park MK. Park´s Pediatric Cardiology for Practitioners.6th Edition. Elsevier: Saunders; 2014.
- Jowett V. Right-sided malformations. In: Daubeney PEF, Rigby ML, Niwa K,Gatzoulis MA, editors. Pediatric Heart Disease- a practical guide.Wiley-Blackwell;2012.p.71-73
- Patel ND, Alejo DE, Cameron DE. The history of heart surgery at the John Hopkins Hospital. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2015;27(4): 341-52
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