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Introdução

Definição

A estenose valvular aórtica é a valvulopatia mais prevalente no mundo Ocidental e resulta da abertura incompleta da válvula, gerando um gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta. O obstáculo ao fluxo sistémico impõe uma sobrecarga sistólica ao ventrículo esquerdo, que hipertrofia a fim de manter o débito cardíaco. 

A estenose valvular aórtica pode ser de origem congénita ou adquirida. Das causas congénitas, a bicúspidia aórtica é a forma mais frequente (75%).

Epidemiologia

A estenose valvular aórtica representa 3% a 6% das cardiopatias congénitas, com um predomínio no sexo masculino (4:1).

História Clínica

Anamnese

Como referido, a bicúspidia aórtica é a anomalia que mais frequentemente se associa à estenose valvular aórtica. Por si, é considerada a anomalia congénita mais frequente. Em muitos destes casos não só existe uma hereditariedade familiar (1), mas é um achado frequente em determinadas síndromes, como é o caso dos portadores do Síndrome de Marfan. Associa-se também a outras malformações da aorta, sendo as mais importantes a dilatação da aorta ascendente e a coartação da aorta (2). Como tal a bicúspidia aórtica dever ser considerada como um componente de uma aortopatia e não apenas um defeito isolado.

A estenose valvular aórtica é uma doença progressiva e a sintomatologia vai depender do grau do obstáculo imposto ao débito cardíaco. 

A grande maioria das crianças portadoras de estenose valvular aórtica são assintomáticas. Daí a importância de uma anamnese cuidada. 

As queixas que se revestem de particular relevância são a dor torácica, cansaço, lipotimias ou síncope sobretudo se se relacionarem com o exercício físico. Nestas, implicitamente, pode estar subjacente uma estenose de maior gravidade com um risco mais elevado de morte súbita (1-2% dos casos).

Exame objectivo 

As manifestações clínicas da estenose valvular aórtica dependem do grau do obstáculo ao volume de ejeção do ventrículo esquerdo, variando entre o choque cardiogénico nas estenoses críticas à criança assintomática. 

O recém-nascido com estenose crítica da válvula aórtica manifesta nas primeiras horas de vida sinais clínicos sugestivos de baixo débito cardíaco, que coincidem com o encerramento do canal arterial.

Ao exame objetivo destaca-se um aumento do esforço respiratório, má perfusão periférica, ritmo de galope, diminuição da amplitude dos pulsos centrais e periféricos e hipotensão arterial. Estes sinais clínicos não são patognomónicos da estenose crítica da válvula aórtica, pois outras patologias cardíacas e não cardíacas podem cursar com clínica idêntica (ver diagnóstico diferencial).  

No entanto, a maioria das crianças são referenciadas a uma consulta de Cardiologia Pediátrica por sopro cardíaco. 

Numa estenose grave o pulso aumenta lentamente e tem baixa amplitude – “pulso parvus e tardus”. 

Um sopro sistólico de ejeção é tipicamente audível no segundo espaço intercostal direito (‘foco aórtico’) com irradiação para o pescoço, podendo-se acompanhar de frémito A presença de um sopro diastólico pode implicar a presença de insuficiência valvular aórtica.

Também é característico um clique de ejeção sistólico. O desaparecimento deste clique sugere um agravamento da estenose. 

Diagnóstico Diferencial

No diagnóstico diferencial do recém-nascido com sinais clínicos sugestivos de baixo débito cardíaco devemos considerar outras situações em que o mecanismo fisiopatológico cursa com atingimento cardíaco, sendo a sépsis neonatal a mais paradigmática. No entanto, outras patologias cardíacas congénitas a considerar são o Síndrome do Coração Esquerdo Hipoplásico em que várias estruturas do coração esquerdo estão envolvidas e a interrupção do arco aórtico. Outras possíveis causas incluem as taqui/bradiarritmias, doenças do foro metabólico e a hipovolémia aguda. No entanto, o contexto clínico e os exames complementares de diagnóstico ao dispor do clínico permitem esclarecer o diagnóstico mais provável.

Nas crianças assintomáticas referenciadas por sopro sistólico com características sobreponíveis à estenose valvular aórtica há que ponderar outras malformações obstrutivas do coração esquerdo, como é o caso da estenose sub-valvular aórtica, supra-valvular aórtica e a miocardiopatia hipertrófica obstrutiva. Apesar do sopro ser idêntico, o clique de ejeção típico da estenose valvular aórtica está ausente. A estenose supra-valvular aórtica é típica do Síndrome de Williams, portanto numa criança com um fenótipo sugestivo deste síndrome com um sopro sistólico deve-se excluir esta patologia. A coartação da aorta é outra situação a ponderar, mas para além do diferencial da pressão arterial entre os membros superiores e inferiores, o sopro irradia para o dorso.

Outras anomalias a considerar são a estenose valvular pulmonar, mas o sopro localiza-se ao segundo espaço intercostal esquerdo e não irradia para as carótidas e a regurgitação mitral em que o sopro é mais audível na região apical.

Exames Complementares

Eletrocardiograma

O eletrocardiograma normal não exclui patologia obstrutiva significativa. O índice de gravidade mais fiável é o padrão de sobrecarga sistólica esquerda.

Imagiologia

Radiografia do tórax

Nos recém-nascidos com estenose crítica da válvula aórtica, o índice cardio-torácico está aumentado, assim como se verifica um padrão de edema pulmonar.

Nas crianças assintomáticas o índice cardio-torácico é habitualmente normal.

Se o obstáculo for grave, o botão aórtico encontra-se mais saliente devido à dilatação pós-estenótica e o índice cardio-torácico aumentado pela hipertrofia ventricular esquerda.

Ecocardiografia transtorácica

É o exame de eleição fornecendo informação relativa à morfologia da válvula aórtica, gradiente valvular e outras anomalias associadas.

Cateterismo cardíaco

Raramente usado para fins de diagnóstico, mas uma ferramenta imprescindível na intervenção percutânea.

Ressonância Magnética

De particular importância na avaliação morfológica e do impacto funcional desta entidade

Tratamento

Em casos de diagnóstico pré-natal de estenose crítica da válvula aórtica, a valvuloplastia é uma opção terapêutica. Tem como objetivo evitar a hidrópsia fetal ou o desenvolvimento do Síndrome do Ventrículo Esquerdo Hipoplásico. Neste período os resultados imediatos são satisfatórios, mas no período pós-natal, em muitos casos, a estenose recidiva. 

No recém-nascido com estenose crítica da válvula aórtica com baixo débito cardíaco é emergente manter o canal arterial patente com Prostaglandina E1. Esta medida possibilita a irrigação do leito sistémico à custa de uma saturação mais baixa de oxigénio, visto o sangue que passa da artéria pulmonar, através do canal arterial para a aorta, ter um baixo teor de oxigénio.

O aumento súbito da pós-carga do ventrículo esquerdo após o encerramento do canal arterial resulta na disfunção contrátil desta cavidade agravando o já condicionado débito cardíaco e exacerbando o quadro de insuficiência cardíaca congestiva. Neste contexto, torna-se necessário adicionar apoio inotrópico e diuréticos ao regímen terapêutico.

Após a estabilização do doente, procede-se à abertura da válvula, quer percutaneamente, com um cateter de balão (valvuloplastia) quer por valvotomia cirúrgica. Pretende-se com estes procedimentos melhorar o débito cardíaco e protelar a substituição valvular. A regurgitação aórtica é uma das questões mais problemáticas relacionada com estes procedimentos, particularmente com a valvuloplastia percutânea.

Em crianças mais velhas com estenoses significativas, a valvuloplastia percutânea é a primeira opção terapêutica. Quer a valvuloplastia quer a valvotomia cirúrgica são consideradas medidas paliativas que permitem adiar a substituição valvular.

Os doentes sem obstáculos hemodinamicamente significativos não requerem qualquer tipo de intervenção. No entanto, sendo uma doença evolutiva é fundamental um seguimento regular, principalmente nos portadores de bicúspidia aórtica pelas malformações associadas (dilatação da aorta ascendente; coartação da aorta) e a degeneração e calcificação da válvula que ocorre a longo prazo.

Cirurgia

O tratamento cirúrgico deve ser ponderado nos casos mais graves ou naqueles em que a valvuloplastia não foi eficaz (3). A opção cirúrgica vai depender da idade e do género da criança. Em regra, e se possível, a substituição da válvula por uma prótese mecânica ou biológica é protelada até à idade adulta. São várias as opções cirúrgicas que existem:

  • a comissurotomia valvular surge como uma primeira opção nas crianças mais novas
  • na cirurgia de Ross a válvula aórtica é substituída pela válvula pulmonar e um homoenxerto é colocado entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar. As complicações a médio-longo prazo são a calcificação do homoenxerto e subsequente estenose e a dilatação da neo-aorta.
  • substituição da válvula aórtica por próteses mecânicas ou biológicas. A válvula mecânica exige anti-coagulação e, como tal, pode não ser uma solução viável para raparias em idade fértil.

Implantação aórtica valvular percutânea

A implantação percutânea de válvulas aórticas deve ser considerada em doentes adultos com alto risco cirúrgico (4).

Evolução

Trata-se de uma doença frequentemente progressiva. O aumento do débito cardíaco que acompanha o crescimento da criança acentua o obstáculo. Mais tarde (vida adulta), a válvula acaba por calcificar, agravando ainda mais este obstáculo. A morte súbita ocorre em 1 a 2 % dos casos.

Cerca de 25% das crianças submetidas a valvulotomia necessitam de uma prótese valvular 15 a 20 anos após este procedimento. A insuficiência valvular aórtica é uma complicação (10-30% dos doentes) tanto da valvuloplastia percutânea como da valvulotomia.

Recomendações

A profilaxia da endocardite bacteriana deve ser comprida em doentes com lesões significativas e com próteses valvulares.

A prática de desporto depende do grau de estenose valvular. Crianças com estenoses ligeiras podem praticar desporto competitivo.

Bibliografia

  1. McBride KL, Garg V. Heredity of bicuspid aortic valve: is family screening indicated? Heart.2011;97:1193-95
  2. Padang R, Bannon PG, Jeremy R, Richmond DR, Semsarian C, Vallely M, Wilson M et al. The genetic and molecular basis of bicuspid aortic valve associated aortoathy: a link to phenotype heterogeneity. Ann Cardiothorac Surg. 2013;2(1):83-91
  3. Bates ER. Treatment options in severe aortic stenosis. Circulation. 2011;124:355-9
  4. Pereira E, Silva G, Caeiro D, Fonseca M, Sampaio F, Fonseca C et al. Cirurgia cardíaca na estenose aórtica severa: o que mudou com o advento do tratamento percutâneo. Rev Port Cardiol. 2013;32:749-56

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