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Introdução

Resumo

Objetivos: As recomendações de diagnóstico de doença celíaca (DC) de 2012 da ESPGHAN visam orientar clínicos no diagnóstico preciso de DC e permitem a não realização de biópsia duodenal em casos selecionados. Aqui, são apresentadas recomendações baseadas na evidência atualizada e ampliada.

Métodos: Foram pesquisadas bases de dados da literatura e outras fontes de informação para estudos que poderiam informar sobre dez perguntas formuladas sobre sintomas, serologia, genética do HLA e histopatologia. Os artigos elegíveis foram avaliados através do QUADAS2. O GRADE forneceu uma base para declarações e recomendações.

Resultados: Na DC são sugeridos vários sintomas para a procura de casos, o que limita a precisão diagnóstica. Se houver suspeita de DC, a quantificação da IgA total sérica e de IgA anti-transglutaminase 2 (TGA-IgA) é superior a outras combinações de testes. Não recomendamos para rastreio inicial o IgA/IgG anti-peptídeos desaminados de gliadina (DGP-IgG / IgA). Apenas se IgA total for baixa ou indetetável é indicado um teste baseado em IgG. Doentes com resultados positivos devem ser referenciados a um Gastroenterologista Pediátrico. Se TGA-IgA for ≥ 10 vezes superior ao limite normal (10xLSN) e a família concordar, pode ser feito o diagnóstico sem biópsia, desde que os anticorpos anti-endomísio (EMA-IgA) sejam positivos numa segunda amostra de sangue. A determinação de HLA DQ2 / DQ8 e a presença de sintomas não são critérios obrigatórios. Em crianças com TGA-IgA positivo

Conclusões: O diagnóstico de DC pode ser estabelecido com precisão com ou sem biópsias duodenais se forem seguidas as recomendações.

O que se sabe?

  • A DC é subdiagnosticada devido à apresentação heterogénea de sinais e sintomas.
  • Para diagnosticar a DC, são aplicadas diferentes abordagens (história, exame físico, serologia, HLA, histopatologia), mas nenhuma deles foi considerada suficiente para fazer um diagnóstico confiável isoladamente.
  • Pela primeira vez, as recomendações/guidelines da ESPGHAN de 2012 permitiram o diagnóstico baseado na serologia, sendo desnecessária a histopatologia em casos selecionados, no entanto, a evidência era proveniente maioritariamente de estudos retrospetivos.

O que há de novo?

  • Para rastreio inicial, a combinação de anticorpos IgA total e TGA-IgA é mais precisa do que outras combinações.
  • A abordagem sem biópsia para diagnóstico de DC é segura em crianças com valores de TGA-IgA elevados (≥10xLSN) com testes apropriados e EMA-IgA positivo numa segunda amostra de soro.
  • Crianças com TGA-IgA positivo, mas com títulos mais baixos (
  • HLA e a presença de sintomas não são critérios obrigatórios para um diagnóstico sem biópsia baseado na serologia.

Introdução

O reconhecimento do amplo espectro clínico da doença celíaca (DC) tem evoluído nas últimas décadas. Tornou-se evidente que a DC é uma doença comum que ocorre em todas as idades e com uma variedade de sinais e sintomas. Em 2012, o grupo de trabalho da DC da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) reviu as recomendações de diagnóstico de DC. A principal mensagem das recomendações foi que o diagnóstico de DC pode ser feito sem biópsia num subgrupo de pacientes pediátricos porque a enteropatia celíaca (com alterações Marsh 2 ou 3) estava quase sempre presente em doentes com níveis elevados de auto-anticorpo da DC no soro. Para esta abordagem sem biópsia, todos os seguintes critérios teriam que ser cumpridos:

1. Sintomas sugestivos de DC (particularmente sinais e sintomas de má absorção).

2. Níveis séricos ≥ 10xLSN de TGA-IgA.

3. EMA-IgA positivos numa segunda amostra de soro.

4. Alelos de risco celíaco positivos HLA DQ2 e / ou DQ8.

5. Só pode ser considerada a não realização de biópsias duodenais no doente /pais que compreendem o diagnóstico e se comprometem com uma dieta sem glúten. O diagnóstico e o seguimento de DC devem ser feitos por um Gastroenterologista Pediátrico ou Pediatra com amplo conhecimento de DC.

Embora as recomendações publicadas posteriormente para adultos não contemplem a abordagem sem biópsia, as recomendações da ESPGHAN de 2012 suscitaram interesse considerável. É oportuno atualizar e amplificar as recomendações de 2012, uma vez que vários estudos prospetivos recentes avaliaram favoravelmente o seu desempenho.

Métodos

Processo de desenvolvimento das guidelines / recomendações

Em 2016, a ESPGHAN estabeleceu um grupo de trabalho para desenvolver uma orientação clínica atualizada baseada na evidência para o diagnóstico de DC. Foram formuladas 10 questões clínicas de acordo com o formato PICO: População, Intervenção, Comparação e Outcome/Seguimento. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica para cada questão; estudos informativos, avaliados sistematicamente para o risco de viés e aplicabilidade clínica, foram incluídos na base de evidência; os resultados dos estudos de meta-análise foram resumidos e classificados quanto à força da evidência e foram discutidas as implicações para a prática clínica e as recomendações foram formuladas e classificadas pela força. O grupo de trabalho consistiu em gastroenterologistas pediátricos, um metodologista do GRADE, bioestatísticos e um membro da Associação das Sociedades Celíacas Europeias (AOECS). Grupos de trabalho mais pequenos focaram-se em cada questão clínica e todas as perguntas foram discutidas em conjunto em 4 reuniões presenciais e 12 conferências telefónicas.

PICOs

As 10 perguntas abordadas nesta guideline refletem as guidelines de DC do NICE de 2016 e as recomendações resultantes estão listadas na Tabela 1. A análise histológica das biópsias duodenais foi considerada como padrão de referência na precisão diagnóstica e os resultados predefinidos de maior interesse foram sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos / negativos (VPP / VPN). 

Pesquisa e inclusão de estudos

Critérios de elegibilidade: Para cada pergunta, foram especificadas características do estudo (limitadas a crianças e adolescentes quando apropriado, enquadramento, teste índice, padrões de referência, condições-alvo e desenho do estudo). As seguintes bases de dados foram pesquisadas para estudos elegíveis publicados em 2000-2016, em colaboração com um especialista em informação: Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Health Technology Assessment Database, EMBASE (Ovid), MEDLINE (Ovid) e MEDLINE In-Process (Ovid). 

Os estudos foram selecionados e, para estudos potencialmente elegíveis, foram avaliados os textos completos. A escolha final dos estudos foi acordada por discussão e consenso em subgrupos. Foi usado o Covidence (www.covidence.org) para organizar as referências e estudos.

Avaliação do risco de viés e aplicabilidade clínica

Todos os estudos incluídos foram avaliados quanto ao risco, utilizando a ferramenta QUADAS-2 e a extração de dados e avaliação foi realizada por dois revisores independentes.

Processo de síntese de evidência

Os métodos e resultados dos estudos foram resumidos de acordo com a questão colocada. Para as perguntas 3 a 6, foi realizada uma meta-análise de sensibilidade e especificidade e / ou valor preditivo positivo (VPP). Para as questões 1-2 e 7-10, os resultados foram resumidos qualitativamente (Tabela 1). Foi feita uma clara distinção entre estudos prospetivos e retrospetivos e, para precisão diagnóstica, entre estudos transversais (coorte) e estudos de caso-controlo. 

Medidas de precisão diagnóstica e síntese de resultados

Para que um teste seja útil para descartar uma doença, deve ter alta sensibilidade e, para ser útil para confirmar uma doença, deve ter alta especificidade. Como a maioria dos pacientes seronegativos não vão fazer biópsia e, portanto, verdadeiros negativos são frequentemente perdidos, nenhum estudo poderia fornecer dados válidos sobre a sensibilidade para encontrar casos. Além disso, para algumas questões foi mais apropriado um alto VPP, tal como determinar o nível de Tg-IgA para a abordagem sem biópsia. 

Para resumir a sensibilidade e a especificidade de diferentes grupos, meta-regressões binomiais bivariadas foram utilizadas juntamente com a investigação de diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes grupos (seguindo o método sugerido pelo Cochrane Diagnostic Test Accuracy Working Group). Para cada grupo, o índice de Youden foi calculado como J = sensibilidade + especificidade -1. Foi construído para cada grupo um gráfico de Forest com sensibilidade e especificidade e foram traçadas curvas ROC para cada grupo com base nos modelos. 

Para selecionar o ponto de corte ideal para sensibilidade e especificidade, foi usado um modelo de múltiplos pontos de corte com base num modelo de probabilidade restrita máxima baseada em efeitos aleatórios multinível. Os cálculos foram realizados na versão R 3.3.3 (www.r-project.org/) usando os pacotes 'lme4', 'meta' e 'diagmeta' (https: //CRAN.R project.org/package=diagmeta), bem como o Review Manager versão 5.3. 

Qualidade da evidência 

GRADE foi usado para avaliar a qualidade geral da evidência do risco de viés, viés de publicação, imprecisão, inconsistência, indireto e magnitude do efeito. A classificação da evidência do GRADE em muito baixa, baixa, moderada ou alta qualidade reflete a extensão da confiança de que as medidas de diagnóstico obtidas estão corretas. Embora a abordagem formal do GRADE se concentre numa estimativa quantitativa (normalmente de uma meta-análise) quando possível, foram aplicados princípios semelhantes para avaliar a certeza de um resumo qualitativo, reconhecendo o aumento de incerteza neste procedimento. Além disso, embora os resultados padrão de estudos de precisão, como sensibilidade e especificidade, possam ser considerados resultados substitutos, o diagnóstico correto de DC está claramente ligado a uma intervenção bem estabelecida e eficaz (dieta sem glúten). Portanto, os estudos não foram depreciados por falta direta ou por falta indireta de resultados importantes relevantes do paciente. 

Força das Recomendações

A recomendação incluía uma classificação de força, de acordo com a abordagem GRADE e conforme sugerido pelo Grupo de Trabalho GRADE.

As implicações de uma forte recomendação para os pacientes seriam: “a maioria dos pais e crianças na sua situação iriam querer o teste de diagnóstico recomendado e apenas uma pequena proporção não". Para os médicos, as implicações seriam que a maioria dos pacientes deveria receber o teste de diagnóstico recomendado. Para uma recomendação condicional, os médicos devem perceber que diferentes testes de diagnóstico serão apropriados para diferentes crianças com suspeita de DC; ou seja, o clínico deve ajudar cada doente suspeito de DC (e pais) para chegar a uma decisão consistente com seus valores e preferências.

Ética e regulamentos

Os conflitos de interesse de todos os membros da guideline foram observados e registados no Site da ESPGHAN. A guideline foi financiada pela ESPGHAN e foi desenvolvida em colaboração com a AOECS.

Resultados

Sintomas e Sinais

Pergunta 1: Há diferença na prevalência de DC em crianças com obstipação, dor abdominal, sinais de síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia, má absorção, anemia por deficiência em ferro ou aftas orais em comparação com a população em geral?

Declaração: Um amplo espectro de sintomas e sinais foi reportado no momento do diagnóstico de DC. Os sintomas clássicos de má absorção parecem ser mais específicos e incluem atraso no crescimento, perda de peso e diarreia crónica. Para sintomas menos específicos, há evidência de que pacientes com SII com predomínio de diarreia, anemia por deficiência de ferro, obstipação crónica e defeitos no esmalte aumentam o risco de DC. Para outros sintomas gastrointestinais inespecíficos como dor abdominal, dispepsia e distensão, não há evidência suficiente.

Recomendação: Recomendamos considerar despiste de DC em crianças e adolescentes com sintomas, sinais e condições mostrados na tabela.

Sinais e sintomas sugestivos de DC (*sintomas comuns)

Gastrointestinais Diarreia crónica ou intermitente*
Obstipação crónica refratária ao tratamento habitual
Dor abdominal crónica
Distensão abdominal*
Náusea recorrente, vómitos recorrentes
Sintomas extra-intestinais Perda ponderal, atraso de crescimento*, baixa estatura*
Atraso pubertário, amenorreia
Irritabilidade, fadiga crónica
Neuropatia
Artrite / artralgia
Anemia por deficiência de ferro 
Diminuição da mineralização óssea (osteopenia / osteoporose)
Fraturas de repetição
Estomatite aftosa recorrente 
Dermatite herpetiforme 
Defeitos no esmalte dentário
Alteração das transaminases
Condições específicas Familiares em 1º grau com DC
Doenças autoimunes: DM tipo 1, patologia da tiróide, hepatite crónica
Síndrome de Down, síndrome de Turner
Síndrome de Williams Beuren
Défice de IgA

Aspetos HLA

Pergunta 2: O que é que a determinação de HLA-DQ2 e DQ8 vai adicionar à certeza / segurança no diagnóstico de DC?

Declaração: A tipagem do HLA não aumenta a certeza do diagnóstico de DC se os outros critérios de diagnóstico forem cumpridos. O teste de HLA DQ2 e DQ8 pode ser útil noutras circunstâncias. Se nenhum alelo de risco for encontrado, a DC é improvável.

Recomendação: Recomendamos que a tipagem do HLA não seja necessária em doentes com TGA-IgA positivo, se cumprirem critérios de diagnóstico de DC em biópsias ou se tiverem TGA-IgA sérico elevado (≥10xULN) e EMA-IgA positivo. Se um doente apresentar HLA DQ2 e DQ8 negativo, o risco de DC é muito baixo, enquanto que um resultado positivo não confirma o diagnóstico.

Anticorpos 

Pergunta 3: O algoritmo proposto para evitar biópsias em pacientes sintomáticos pode ser aplicado em assintomáticos?

Declaração: Estudos recentes sugerem que a abordagem sem biópsia para diagnóstico de DC pode ser aplicada em crianças assintomáticas. No entanto, em crianças assintomáticas, o valor preditivo positivo de TGA-IgA ≥10xLSN pode ser inferior ao de crianças sintomáticas, o que tem de ser considerado durante o processo de tomada de decisão.

Recomendação: Damos uma recomendação condicional de que, tendo em conta a evidência disponível, a DC pode ser diagnosticada sem biópsia em crianças assintomáticas, usando os mesmos critérios que em doentes sintomáticos. Recomendamos que a decisão de realizar ou não biópsia duodenal para diagnóstico seja feita juntamente com os pais e, se apropriado, com a criança.

Pergunta 4: Que teste serológico é o mais apropriado para o diagnóstico de DC?

Declaração: Os três anticorpos celíacos específicos (TGA-IgA, EMA-IgA, DGP-IgG) têm diferente desempenho. A TGA-IgA obteve a pontuação mais alta num ensaio comparativo de precisão e, portanto, é considerado o teste inicial mais adequado para DC na investigação diagnóstica de crianças com suspeita de DC. 

Recomendação: Recomendamos que em indivíduos com valores séricos normais de IgA para idade, a TGA-IgA deve ser usada como teste inicial, independentemente da idade.

Pergunta 5: Deve ser usado mais de um teste serológico e, se sim, qual deve ser a sequência de teste?

Declaração: A evidência atual indica que a adição de testes DGP-IgG, DGP-IgA ou AGA-IgA ao TGA-IgA raramente melhora a sensibilidade após a exclusão de doentes com IgA total baixo. A especificidade diminui acentuadamente, sobretudo em crianças com menos de 4 anos de idade, nas quais a positividade DGP ou AGA é um fenómeno transitório comum. 

Recomendação: Recomendamos o teste de IgA total e TGA-IgA como rastreio inicial em crianças com suspeita de DC. Em pacientes com baixas concentrações de IgA total, um teste baseado em IgG (DGP, EMA ou TGA) deve ser realizado como uma segunda étapa. Teste para anticorpos (IgG e IgA) EMA, DGP ou AGA como triagem inicial não é recomendado na prática clínica.

Pergunta 6: Em que ponto de corte para TGA-IgA (LSNx10, x7, x5) pode um diagnóstico de DC ser feito com segurança (valor preditivo positivo > 95%) sem necessidade de biópsia?

Declaração: Níveis séricos elevados ≥10xLSN de TGA-IgA são preditivos de enteropatia (Marsh 2/3) e devem ser usados como critério para o diagnóstico de DC sem biópsia. Devido à variabilidade inter-laboratório e inter-teste, a fiabilidade de níveis positivos de TGA-IgA

Recomendação: Recomendamos que, para o diagnóstico de DC sem biópsia, deve ser obrigatória TGA-IgA sérica pelo menos 10xLSN. Apenas devem ser usados testes de anticorpos calculados adequadamente com base na curva do calibrador e com o valor 10xLSN. Recomendação contra a não realização de biópsia em casos de deficiência de IgA com testes serológicos baseados em IgG positivos.

Pergunta 7: É necessário o teste EMA-IgA em todos os casos para o diagnóstico de DC sem biópsia?

Declaração: Embora valores elevados de TGA-IgA (≥10xLSN) sejam raros em crianças com histopatologia normal, um resultado EMA-IgA positivo diminuirá ainda mais a taxa de falsos positivos.

Recomendação: Recomendamos que em crianças com TGA ≥10X LSN, e em que os pais / doentes concordam com a abordagem sem biópsia, o diagnóstico de DC deve ser confirmado por um teste EMA-IgA positivo numa segunda amostra de sangue.

Biópsia 

Pergunta 8: Qual a variabilidade inter e intra-observador em relação ao diagnóstico de DC por resultados histopatológicos de biópsias duodenais e do bulbo? Que grau de lesão é considerado DC não tratada? As biópsias do bulbo duodenal aumentam a taxa de deteção de DC? É necessário um patologista de referência na prática clínica?

Declaração: A variabilidade inter-observador da classificação da histopatologia de lesões do intestino delgado é alta, o que indica que a histopatologia não pode ser o único padrão de referência. Pode ser alcançada uma maior taxa de deteção de DC com mais amostras duodenais, incluindo pelo menos uma do bulbo. A leitura da histopatologia pode ser melhorada através de procedimentos operativos padronizados validados. Biópsias de baixa qualidade ou sem orientação correta não são adequadas para o diagnóstico de DC. 

Recomendação: Devem ser feitas pelo menos quatro biópsias do duodeno distal e pelo menos uma do bulbo duodenal para avaliação histológica durante uma dieta com glúten (em Portugal 6 biópsias são aconselhadas com 4 da segunda porção e 2 do bulbo duodenal). A leitura de biópsias deve ser feita em biópsias com orientação ideal. Um rácio vilosidade/cripta

Pergunta 9: O Marsh 1 (apenas contagem de linfócitos intra-epiteliais (LIE) aumentada) em comparação com o Marsh 0 tem um resultado diferente a longo prazo no diagnóstico de DC em crianças com autoimunidade celíaca (TGA ou EMA positivo)?

Declaração: A designação DC potencial identifica indivíduos com TGA-IgA e EMA positivos e sem ou com alterações histológicas mínimas do intestino delgado. Contudo, podem ser razões para esta situação a baixa ingestão de glúten antes da biópsia, erro de amostragem ou orientação incorreta para leitura das biópsias, levando ao diagnóstico incorreto de potencial em vez de DC verdadeira. Marsh 1 não é considerado suficiente para o diagnóstico de DC, mas algumas observações sugerem que casos potenciais de DC com lesões no intestino delgado Marsh 1 têm maior probabilidade de evoluir para atrofia das vilosidades em comparação com Marsh 0. 

Recomendação: Recomendamos, antes do diagnóstico de DC potencial, verificar o conteúdo em glúten da dieta e a orientação correta das biópsias. Uma vez confirmada, a DC potencial requer vigilância clínica e laboratorial (serologia, biópsias adicionais) para monitorizar a possível evolução para atrofia das vilosidades. Para acompanhamento, é importante referenciar o doente para centros de cuidados terciários com experiência em DC.

Pergunta 10: Com que frequência são perdidos outros diagnósticos clinicamente relevantes se a endoscopia (esofágica-gastro-duodenal) não é realizada em pacientes diagnosticados pela abordagem sem biópsia?

Declaração: Não há evidência para apoiar que sejam perdidos diagnósticos relevantes se a endoscopia com biópsia não for realizada para o diagnóstico de DC. 

Recomendação: Recomendamos que a decisão de não realizar endoscopia alta com biópsia pode ser tomada sem considerar que possam ser perdidas outras patologias ou diagnósticos.

Algoritmo

Com base na evidência, os algoritmos das guidelines da ESPGHAN de 2012 foram modificados num algoritmo comum em indivíduos com IgA normal (Fig. A), com IgA baixa ou ausente (Fig. B) e com indicação para biópsia duodenal (Fig. C).

Conclusões e direções futuras

Essas guidelines têm em consideração nova evidência (tabela seguinte), decorrente principalmente de estudos baseados na publicação das guidelines anteriores. Nem todas as declarações das guidelines de 2012 foram apoiadas por um grau de evidência semelhante. Os estudos mais informativos realizados nos últimos anos confirmaram a correção substancial das guidelines de 2012, mas ao mesmo tempo indicam que devemos considerar o processo estar longe de ser concluído.

Principais alterações das guidelines da ESPGHAN de 2012 para 2019

Guidelines 2012 Guidelines 2019
Se a DC puder ser diagnosticada sem a realização de biópsia do intestino delgado em crianças com forte suspeita clínica de DC e com anticorpos específicos para DC altos, considere a possibilidade de tipagem de HLADQ2 / HLADQ8 nessas crianças para aumentar a força do diagnóstico. Recomendamos que a tipagem do HLA não seja necessária em doentes com Tg-IgA positivo, se cumprirem critérios de diagnóstico de DC por biópsia ou se tiverem Tg-IgA sérico elevado (≥10xULN) e AE-IgA positivo. Se um doente apresentar HLA DQ2 e DQ8 negativo, o risco de DC é muito baixo, enquanto que um resultado positivo não confirma o diagnóstico.
Inicie o despiste de DC em grupos de risco com a tipagem de HLA-DQ2 e HLA-DQ8, se o teste estiver disponível. Esses grupos incluem parentes de primeiro grau de um doente com caso confirmado e doentes com patologias autoimunes e não autoimunes associadas à DC, como DM tipo 1, síndrome de Down e Turner. Damos uma recomendação condicional de que, tendo em conta a evidência disponível, a DC pode ser diagnosticada sem biópsia duodenal em crianças assintomáticas, usando os mesmos critérios que em doentes sintomáticos. Recomendamos que a decisão de realizar ou não biópsia duodenal para diagnóstico seja tomada em conjunto com os pais e, se apropriado, com a criança.
Podem ser usados em crianças com outros anticorpos negativos para DC testes que medem anticorpos IgG e / ou IgA anti-gliadina ​​como testes adicionais, mas nas quais a suspeita clínica seja fortemente sugestiva de DC, principalmente se forem menores de dois anos. Recomendamos como rastreio inicial em crianças com suspeita de DC o teste de IgA total e Tg-IgA. Em doentes com baixas concentrações de IgA total, pode ser realizado como segunda linha um teste baseado em IgG (anti-gliadina, AE ou Tg). Não são recomendados na prática clínica testes para anticorpos (IgG e IgA) AE ou anti-gliadina como rastreio inicial.

Serologia. A especificidade de títulos baixos de TGA-IgA, particularmente na ausência de EMA-IgA, e a consequente decisão clínica precisam de mais investigação. A importância do EMA-IgA e TGA-IgA na repetição da amostra de sangue recomendada no diagnóstico serológico não foi totalmente esclarecida pela literatura existente. Como o EMA-IgA permite detetar seletivamente anticorpos contra certos epítopos TG2, novos ensaios sub-moleculares de TGA com epítopo celíaco antígeno(s)-alvo específico(s) podem trazer avanços, incluindo a especificidade necessária para distinguir estes epítopos alvo específicos da reação de segundo plano e dos anticorpos TG2 não celíacos noutras doenças. As diferenças dos ensaios para os ensaios TGA devem ser avaliadas mais detalhadamente e é necessário estabelecer um padrão comum que permita a comparação direta entre os testes e fornecer um cut-off confiável de título de anticorpos para a abordagem sem biópsia. Atualmente, os calibradores internos dos testes TGA-IgA são amostras de soro de doentes e contêm diferentes quantidades de anticorpos policlonais com padrão de epítopo individual e podem ser substituídos por reagentes de anticorpos recombinantes monoespecíficos com um epítopo definido. O melhoramento dos testes de diagnóstico é ainda possível, seja por avanços técnicos com testes mais precisos ou por descoberta de novos alvos de diagnóstico. 

HLA. As guidelines de 2012 recomendam que a tipagem do HLA seja usada em grupos de "risco" para ajudar a descartar a DC ou estratificar o risco dos pacientes que são positivos. Para alguns grupos de risco como DM tipo 1, pode não ser custo-efetivo devido ao alto percentual de HLA positivos, mas pode ser em outros grupos (por exemplo, em parentes em 1º grau ou na síndrome de Down). Estudos futuros devem concentrar-se na utilidade do despiste de HLA em grupos de risco e na sua relação custo-efetividade usando modelos económicos de saúde, bem como na aceitabilidade e na capacidade de compreensão da família dos testes HLA. 

Histologia. Devem ser implementados em diagnósticos de rotina procedimentos operativos padronizados validados para manipulação e leitura de biópsias e são necessários ensino e testes multicêntricos. O exame de toda a biópsia e análise de imagens digitais permitirão o treino online e os resultados da histopatologia virtual podem ser reavaliados sempre que seja estimada variabilidade intra-observador. Além disso, amostras do bulbo duodenal devem ser adequadamente orientadas e avaliadas quando usadas em diagnósticos e são necessários mais estudos nesta área. 

DC potencial. Esta questão é de particular relevância, pois questiona a própria definição de DC. O termo potencial refere-se à possibilidade de o doente evoluir para atrofia de vilosidades. No entanto, sabemos que existem doentes com DC “potencial” com sintomas que respondem à dieta sem glúten e é difícil não considerá-los doentes com DC, apesar da ausência de atrofia de vilosidades. Estão a ser coletados dados sobre as características clínicas e a história natural dessa condição para determinar:

1) taxa de responsividade ao glúten em pacientes sintomáticos; 
2) taxa de evolução para atrofia de vilosidades; 
3) diferenças no resultado entre o Marsh 0 e 1; 
4) marcadores preditivos para a evolução para atrofia de vilosidades;
5) riscos a longo prazo se pacientes assintomáticos mantiverem dieta com glúten. 

Por fim, será importante monitorizar a implementação atual destas novas guidelines com vigilância de sua estrita aplicação sem nenhuma simplificação que ponha em risco o diagnostico por exemplo uso do diagnóstico serológico sem restrição e concentrações de anticorpos e segundo teste EMA, não realizando biópsias quando não deveriam ser omitidas. São necessários mais dados de estudos de alta qualidade sobre a abordagem sem biópsia em crianças sem sintomas, particularmente naquelas com diabetes tipo 1. 

O impacto a longo prazo da implementação desta nova abordagem sem biópsia também precisa de ser avaliado em termos de conformidade com uma dieta sem glúten.

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