Alergia à avelã
Introdução
A alergia alimentar resulta de uma resposta imunológica exagerada a proteínas alimentares. Esta reação de hipersensibilidade pode ser mediada por Imunoglobulinas E (alergia IgE mediada), por células ou outros mediadores do sistema imune (alergia não IgE mediada) ou por uma mistura de ambos os mecanismos.
A maioria das reações são IgE mediadas e cursam com sintomas de aparecimento rápido, que podem variar desde manifestações ligeiras e localizadas à orofaringe, até reações sistémicas graves, como a anafilaxia.
Os sintomas podem surgir por ingestão, inalação ou contacto com o alimento.
Epidemiologia
A avelã, cientificamente conhecida como Corylus avellana, é uma causa importante de alergia alimentar IgE mediada em qualquer faixa etária, sendo, na Europa, o fruto de casca rija mais frequentemente envolvido em reações alérgicas. À semelhança de todos os frutos de casca rija, pode ser encontrada em vários produtos alimentares, tais como bolos, bebidas vegetais e chocolates. Para além disso, é um alergénio oculto frequentemente encontrado em óleos alimentares, farinhas e produtos de cosmética.
História Clínica
ANAMNESE
É importante questionar:
-
Alimento suspeito (neste caso, a avelã, como fruto ou como constituinte de algum outro alimento ou preparado);
- Tipo de exposição ao alimento suspeito (ingestão, inalação, contacto mucocutâneo);
- Manifestações clínicas e duração das mesmas;
- Circunstâncias em que ocorreu a reação adversa, nomeadamente local, presença de co-factores (exercício, stress, doença, toma de anti-inflamatórios não esteroides), tempo decorrido entre a exposição e o início dos sintomas, se foi o primeiro contacto, quantidade de alimento ingerido e forma de preparação do mesmo (frito, cozido, torrado, ao natural);
- Se aplicável, tratamentos administrados e resposta aos mesmos;
- Antecedentes pessoais de doença alérgica (asma, rinite, conjuntivite, dermatite atópica, alergias medicamentosas, outras alergias alimentares).
De uma maneira geral, os alérgicos à avelã enquadram-se numa de duas categorias:
Alergia primária à avelã: os sintomas resultam da sensibilização primária a proteínas alergénicas da avelã. Tipicamente ocorrem reações sistémicas imediatamente após o consumo de avelã (frequentemente logo na primeira exposição conhecida, mesmo em quantidades reduzidas). É a forma mais comum de alergia à avelã em crianças com menos de 5 anos.
As proteínas envolvidas são estáveis ao calor e resistentes à digestão gástrica: proteínas de armazenamento e proteínas transportadoras de lípidos não específicas (LTPns).
Alergia secundária à avelã ou síndrome de alergia oral (SAO): os sintomas resultam da reatividade cruzada entre alergénios polínicos e as proteínas alergénicas de alimentos vegetais.
Especificamente, verifica-se reatividade cruzada entre proteínas homólogas existentes no pólen de bétula e na avelã (Bet v 1 e Cor a 1, respetivamente), sendo que a sensibilização primária é ao pólen de bétula.
Tipicamente os sintomas são ligeiros e localizados à orofaringe (as proteínas envolvidas são facilmente destruídas na digestão gástrica e pelo calor). É comum em adolescentes e adultos com antecedentes de rinite alérgica sazonal.
EXAME OBJECTIVO
As manifestações clínicas da alergia à avelã habitualmente surgem minutos até duas horas após o contacto com o alimento. Os sintomas podem variar desde manifestações ligeiras e predominantemente localizadas à orofaringe e urticária, até reações sistémicas graves e potencialmente fatais, como a anafilaxia.
Diagnóstico Diferencial
Os sinais e sintomas de alergia à avelã são semelhantes aos restantes quadros alérgicos desencadeados por múltiplos fatores, nomeadamente outros alimentos, medicamentos ou picadas de inseto.
A história clínica completa e exaustiva é fundamental para determinar os elementos causadores da reação alérgica.
Exames Complementares
- Testes cutâneos (ou skin prick test, SPT): rápidos, simples e pouco dispendiosos. Podem ser realizados com extratos comerciais ou com a avelã ao natural (prick-to-prick test), sendo que esta última opção parece ser mais fidedigna. Estes testes também podem ser realizados para avaliar a existência de reatividade cruzada com outros frutos de casca rija. Estes só devem ser realizados se não houver evidência de reações alérgicas graves anteriores.
- Doseamento de IgE específica: sem riscos para o doente, mas dispendioso. É considerado positivo quando ≥0,35 kU/L. No estudo da alergia à avelã devem ser requisitados: mistura de alergénios de frutos secos - fx1 (avelã, amêndoa, amendoim, castanha do Brasil, côco) e fx22 (noz, caju, noz pecã, pistacho); e o extrato alergénico da avelã – f17.
- Estudo molecular: sem riscos para o doente, mas dispendioso. Perante a positividade para f17 e/ou fx1, deve ser pedido o estudo molecular, nomeadamente Cor a 1 (f428), Cor a 8 (f425), Cor a 9 (f440) e Cor a 14 (f439):
- A sensibilização às proteínas Cor a 9 e/ou Cor a 14 (proteínas de armazenamento, 11S globulina e 2S albumina, respetivamente) indica a presença de sensibilização primária à avelã e traduz risco considerável de reações sistémicas graves. A presença de sensibilização e/ou alergia a outros frutos de casca rija e sementes deve ser investigada.
- A sensibilização à proteína Cor a 1 (PR-10) sugere alergia primária ao pólen de bétula e associa-se a SAO. A presença de sensibilização a amendoim, maça, pêssego, kiwi, soja e pólen de amieiro deve ser investigada.
- A sensibilização à proteína Cor a 8 (LTPns) indica que podem ocorrer reações locais ou sistémicas graves com a ingestão de avelã, mas também de outros alimentos que contenham LTPns, como o pêssego, maçã, outros frutos de casca rija e uvas.
- Prova de provocação oral: método de eleição para a confirmação d diagnóstico de alergia alimentar. Deve ser realizada se história clínica e testes cutâneos e/ou doseamento de IgE específicas discordantes. Se a IgE específica for positiva, a PPO deve ser ponderada caso a caso, já que quanto mais elevada for a IgE específica, especialmente se IgE Cor a 9 e/ou Cor a 14, maior será o risco de reação: sabe-se que 33% dos pacientes com IgE específica entre 2-5 kU/L e 63% dos pacientes com IgE específica entre <2 kU/L têm PPO negativas. Deve ser realizada em meio hospitalar, com o doente monitorizado, e implica a administração de doses crescentes de avelã até se perfazer um total de 3,5 gramas de proteína.
Tratamento
A eliminação da dieta do alimento causador da alergia é o único tratamento eficaz após o diagnóstico de uma alergia alimentar. A evicção dos restantes frutos de casca rija, amendoim e outros alimentos deverá ser avaliada caso a caso, após o estudo alergológico completo.
Em caso de anafilaxia, deve ser administrada adrenalina intramuscular, pelo que todos os doentes com risco de anafilaxia devem ser treinados para identificar precocemente as suas manifestações e saber utilizar a caneta de adrenalina.
Os anti-histamínicos podem aliviar os sintomas da SAO e dos sintomas cutâneos, ao passo que os corticoides sistémicos podem ser úteis para prevenir reações alérgicas tardias.
A imunoterapia (IT) oral com avelã, que consiste na administração de doses crescentes de avelã com o objetivo de induzir uma dessensibilização a este alergénio, parece ser uma opção terapêutica promissora, principalmente se maior idade, ausência de alergia a caju concomitante e níveis mais baixos de IgE específica. Atualmente é utilizada apenas em contexto de ensaios clínicos, sendo que a sua utilidade na prática clínica diária carece ainda de mais estudos.
Evolução
A alergia à avelã pode surgir nos primeiros anos de vida e, à semelhança da alergia aos restantes frutos de casca rija, tem baixa taxa de resolução espontânea (9% dos casos), tendendo a persistir até à idade adulta.
Isto pode explicar-se pelo facto de, nas crianças, ser mais frequente a sensibilização às proteínas Cor a 9 e Cor a 14, traduzindo sensibilização primária à avelã. Já no adulto, a sensibilização à proteína Cor a 1 é mais frequente.
Recomendações
- Evicção da avelã (crua e/ou cozinhada) - a evicção de outros alimentos deverá ser avaliada caso a caso:
- Se Cor a 1 positivo: podem ter de ser evitados outros alimentos que contenham PR-10, tais como amendoim, pêssego, morango, maçã, kiwi e cenoura; geralmente tolera avelã cozinhada;
- Se Cor a 8 positivo: devem ser evitados outros alimentos que contenha LTPns, tais como o pêssego, maçã, outros frutos de casca rija e amendoim;
- Se Cor a 9 positivo: devem ser evitados a noz, a noz pecã e o caju;
- Se Cor a 14 positivo: devem ser evitados a noz e o caju.
(OBS. - se o doente já tiver ingerido os alimentos referidos previamente sem reação, deve manter a sua ingestão).
- Doseamento anual de IgE específica da avelã;
- Ponderar PPO para avaliar aquisição de tolerância em função do valor de IgE específicas e/ou testes cutâneos.
Conselhos Gerais
- Confirmar a ausência de vestígios de avelã (e outros alimentos consoante os resultados dos exames complementares de diagnóstico) em todas as refeições realizadas;
- Recusar refeições cuja composição exata não seja conhecida;
- Evitar a utilização de utensílios contaminados com frutos de casca rija (talheres, tábuas, bancada de cozinha, entre outros);
- Evitar refeições com gorduras não especificadas: “gorduras vegetais”, “óleos vegetais”, “produtos proteicos vegetais”;
- Evitar produtos de higiene e cosméticos que possam conter vestígios de avelã;
- Ter sempre a medicação de emergência (caneta de adrenalina, anti-histamínico oral e corticoide oral) consigo.
Saber Mais
Alergia alimentar, avelã, frutos de casca rija, alergénios moleculares
Bibliografia
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- Turacoz Healthcare Solutions. f17 Hazelnut. Allergen Encyclopedia, 2021. Disponível em https://www.thermofisher.com/diagnostic-education/hcp/pt/en/resource-ce…. Acedido a 14 de março de 2023.
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