Síndrome de aspiração de mecónio
Introdução
Definição
O líquido amniótico (LA) pode ser aspirado pelo feto. Se tiver havido dejecções prévias o LA contém mecónio e então o feto aspira LA com mecónio. Se o LA for espesso por conter muito mecónio esse material aloja-se nos pulmões e causa obstrução das vias aéreas, levando à retenção de ar e a resposta inflamatória pulmonar, que pode resultar em dificuldade respiratória grave, hipoxemia e imagem radiológica pulmonar característica.
Fisiopatologia
A obstrução parcial das vias aéreas pode resultar em fenómeno de válvula com aprisionamento de ar, hiperexpansão alveolar e risco aumentado de fuga de ar. A obstrução total pode levar a áreas assimétricas de atelectasia, resultando em hipoxia e aumento da resistência vascular pulmonar. A nível dos alvéolos pulmonares desenvolve-se uma pneumonia química e disfunção do surfactante. Um terço das crianças com síndroma de aspiração meconial (SAM) desenvolve hipertensão pulmonar persistente (HTPP).
História Clínica
Sintomatologia
O líquido amniótico meconial varia na viscosidade, desde líquido verde fino a "puré de ervilha".
A apresentação clínica é variável, desde ligeira a profunda angústia respiratória com taquipneia, adejo nasal, gemido, tiragem intercostal, aumento antero-posterior do diâmetro torácico e cianose. Algumas crianças podem ter uma apresentação mais tardia, desconforto respiratório inicial ligeiro que piora horas após o parto. A auscultação revela frequentemente diminuição dos sons respiratórios, crepitações, roncos e sibilos. A retenção do ar inspirado pode levar à existência de ar ectópico. Nos recém-nascidos afetados com asfixia perinatal pode haver depressão respiratória, hipotonia e convulsões.
Exames Complementares
Gasimetria arterial - caracteristicamente revela hipoxemia e acidose respiratória; em casos ligeiros com hiperventilação pode revelar alcalose respiratória. Com asfixia perinatal concomitante, pode estar presente uma acidose mista (respiratória e metabólica).
Imagem - as radiografias de tórax geralmente revelam hiperinsuflação dos campos pulmonares, achatamento das hemicúpulas diafragmáticas, infiltrados pulmonares irregulares. Um pneumotórax ou pneumomediastino podem estar presentes. A gravidade dos achados radiológicos nem sempre se correlaciona com a doença clínica.
Ecocardiograma 2D/ Doppler – sinais de HTPP com shunt da direita para a esquerda, auricular e ductal podem estar presentes.
Tratamento
Prevenção - reconhecimento de fatores predisponentes maternos e indução do parto antes das 41 semanas.
Monitorização fetal durante o parto - avaliação do bem-estar fetal pela análise dos traçados cardíacos e pH do couro cabeludo fetal. A amnioinfusão poderá ser eficaz em reduzir a ocorrência de bradicardia fetal (eficácia não demonstrada).
Sala de partos - se a criança tem choro vigoroso ao nascer deve ser prestada a rotina habitual.
Crianças deprimidas ou que apresentam sinais de obstrução das vias aéreas com mecónio espesso, necessitam de aspiração das vias aéreas, reanimação e internamento na UCIN.
Manter um ambiente térmico neutro, ambiente calmo e manipulação mínima. Usar sedação em crianças com HTPP.
Manter a pressão arterial e perfusão adequadas (TAM > 40 mmHg) - pode ser necessário expansão de volume com soro fisiológico, concentrado de eritrócitos se anemia e uso de suporte vasopressor com dopamina.
Corrigir anomalias metabólicas como hipoglicemia, hipocalcemia, ou acidose metabólica.
A cinesiterapia respiratória é contra-indicada em crianças instáveis com HTPP.
Gases de sangue arterial - Se o doente requer FiO2 > 0,4 ou apresenta hipoxia lábil pronunciada, deve ser inserido um cateter arterial.
Monitorização de oxigénio e dióxido de carbono.
Cobertura antibiótica - Ampicilina + gentamicina, após obtidas as culturas apropriadas.
Oxigénio suplementar - Manter a PaO2 80-90 mm Hg. Desmame cauteloso da terapia de oxigénio, por vezes a um ritmo de 1% de cada vez.
Pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) - pode ser usado para melhorar a oxigenação se a FiO2 superior a 40-50%. Se houver hiperinsuflação, a utilização do CPAP deve ser feita com cautela, uma vez que pode agravar a retenção de ar.
Ventilação mecânica invasiva - os recém-nascidos com doença grave requerem ventilação mecânica invasiva. A ventilação deve ser adaptada ao doente. O volume garantido permite reduzir pressões excessivas. O uso de tempo inspiratório relativamente curto pode limitar ainda mais o ar retido. Modos de ventilação sincronizada permitem à criança regular a frequência. Os recém-nascidos com SAM normalmente requerem pressões inspiratórias altas e frequências respiratórias mais rápidas do que aqueles com síndrome do desconforto respiratório.
Para qualquer deterioração inexplicável do estado clínico, deve ser considerada a possibilidade de um pneumotórax ou pneumomediastino.
Ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) - pde ser eficaz em crianças nas quais são necessárias pressões inspiratórias muito elevadas na ventilação convencional, bem como na hipercapnia refractária.
Surfactante- crianças com SAM grave que necessitam de ventilação mecânica. As doses podem ser superiores às utilizadas para prematuros com dificuldade respiratória.
Óxido nítrico inalado e sildenafil - têm-se mostrado eficazes no tratamento da HTPP.
Oxigenação por membrana extracorpórea / suporte de vida extracorpórea (ECMO / ECLS) - comparado com outros subgrupos que necessitam de ECMO / ECLS, crianças com SAM têm uma elevada taxa de sobrevivência (93-100%).
Corticoesteróides - Não há dados suficientes para justificar o uso de esteróides.
Evolução
As complicações são comuns e associadas a mortalidade significativa. Novas modalidades de terapia, como a administração de surfactante exógeno, VAFO, o óxido nítrico inalado e ECMO / ECLS reduziram a mortalidade para
Em doentes sobrevivendo aspiração de mecónio grave, a displasia broncopulmonar pode resultar da ventilação mecânica prolongada e sequelas do neurodesenvolvimento.
Indicação para referenciação
Doentes com SAM grave com necessidade de ventilação mecânica e/ou asfixia perinatal devem ser referenciados a centro terciário com disponibilidade de VAFO, óxido nítrico inalado, cardiologia pediátrica, ECMO e, no caso de asfixia perinatal, hipotermia induzida.
Recomendações
O prognóstico em centros terciários é geralmente bom. Os recém-nascidos sobreviventes de SAM grave necessitam de seguimento durante a infância devido a lesões pulmonares residuais e risco de alterações do neurodesenvolvimento.
Bibliografia
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- Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344–355.
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