Corpo estranho nas vias aéreas
Introdução
Definição
A presença de corpos estranhos (objectos, alimentos, etc.) no interior das vias aéreas ocorre habitualmente por motivo acidental e é uma situação potencialmente grave, podendo comportar risco de vida. Na maioria dos casos o episódio é presenciado por adultos mas, por vezes, isso não acontece, sendo a aspiração de corpo estranho um diagnóstico difícil, que pode requerer uma avaliação clínica pormenorizada, radiografia do tórax e broncofibroscopia.
Epidemiologia
Tem uma incidência 0,66 casos por 100.000 habitantes e é a principal causa de morte por acidente em crianças com idade inferior a 5 anos. É mais frequente no sexo masculino (1,5 a 2,4:1), nas crianças com irmãos mais velhos, nas portadoras de atraso de desenvolvimento psico-motor, epilepsia, hipotonia, ou com estado de consciência deprimido por tóxicos ou medicamentos.
Não há diferenças entre as diferentes classes sociais. Nos grupos culturais em que as crianças são alimentadas com sólidos antes de atingirem o desenvolvimento psico-motor adequado, a incidência de aspiração de corpo estranho é igualmente superior.
A aspiração de corpo estranho pode ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequente entre os 9 meses e os 4 anos, período em que as crianças iniciam a exploração do mundo através da estimulação oral, têm maior mobilidade, alimentação sólida e, por vezes, menor supervisão que a necessária.
História Clínica
Anamnese e Exame objectivo
Os sinais e sintomas da aspiração de corpo estranho dependem da localização e da extensão da obstrução, da idade da criança, do tipo de corpo estranho e do tempo decorrido após a aspiração. O diagnóstico de aspiração de corpo estranho é efectuado, em 50 a 75% dos casos, nas 24 horas após o acidente.
Em 65 a 80% dos casos, o episódio é presenciado, sendo descrito um início súbito de tosse, dificuldade respiratória e cianose, com eventual depressão do estado de consciência ou paragem cardiorrespiratória. Um caso de obstrução completa das vias aéreas é uma verdadeira emergência médica. A tosse deve ser encorajada e, se a criança parar de tossir ou perder a consciência, devem ser feitas manobras de desobstrução da via aérea (compressões torácicas, pancadas dorsais ou manobra de Heimlich). Se necessário, devem ser iniciadas manobras de reanimação cardiorrespiratória (compressões torácicas e ventilações).
As situações de obstrução parcial podem apresentar-se, de acordo com a localização, com estridor, rouquidão, disfagia, sialorreia, engasgamentos recorrentes (se o corpo estranho se encontrar na laringe ou traqueia) ou manifestar-se por tosse, dispneia, hemoptises, cianose ou sibilância (traqueia ou brônquios).
À auscultação pulmonar, pode ser detectada uma diminuição ou mesmo ausência de murmúrio vesicular na área afectada, roncos ou sibilos localizados. A tríade clássica, constituída por tosse, diminuição do murmúrio vesicular e sibilância localizada, apenas se encontra em 57% dos doentes com corpo estranho endobrônquico.
O diagnóstico é, nalgumas crianças, tardio (dias a semanas), e efectuado na sequência da investigação de tosse crónica, infecções respiratórias de repetição ou, nalguns casos, em crianças assintomáticas, com imagens radiográficas persistentes.
Etiologia
Os corpos estranhos mais frequentes são as substâncias alimentares (frutos secos, pipocas), pequenos fragmentos de brinquedos, material de escritório (clips, tampas de caneta) e objectos de borracha (luvas, balões, preservativos). Este último grupo é o que comporta maior risco de mortalidade, uma vez que este tipo de material se aloja frequentemente na laringe e traqueia, com asfixia por obstrução completa do lume da via aérea
No que diz respeito à localização, 2% dos corpos estranhos alojam-se na laringe, 13% na traqueia, 60% na árvore brônquica direita e 23% na árvore brônquica esquerda. Em 2% dos caos, podem ser encontrados corpos estranhos em diversos locais no mesmo doente.
Exames Complementares
A radiografia do tórax é o primeiro exame complementar a efectuar. Raros corpos estranhos são radiopacos. Na radiografia podem surgir áreas de hipertransparência, por efeito valvular da obstrução parcelar da via aérea, atelectasias, desvios do mediastino, ou imagens de condensação ou infiltrado recorrente. Quando possível, deve ser efectuada radiografia de tórax póstero-anterior e de perfil, em inspiração e expiração, uma vez que a obstrução total ou parcial pode ser detectável pela valorização das diferenças entre as várias incidências. Em 30%, a radiografia do tórax é normal. É um exame pouco sensível (68 a 76%). Tem igualmente uma especificidade baixa (45 a 67%), necessitando de ser confirmada por outros métodos.
A tomografia computorizada do tórax tem sensibilidade de 100% com especificidade de 67 a 100%.
Perante a suspeita de corpo estranho, não detectado na radiografia de tórax é habitualmente necessário realizar uma broncofibroscopia, para diagnóstico e visualização directa do objecto, sendo por vezes possível a sua remoção, desde que não haja o perigo de impactação do corpo estranho na via aérea principal.
Tratamento
A remoção de corpo estranho nas vias aéreas é efectuada com sucesso, através de broncoscopia rígida, em 95% das situações, dependendo da experiência do médico. Este método permite um controlo adequado da via aérea, boa visualização, a introdução de fórceps ou pinças pelo lume do broncoscópio, bem como o controlo adequado de eventuais hemorragias. Raramente, é necessária intervenção cirúrgica, lobectomia ou segmentectomia, particularmente em casos de localização muito distal do corpo estranho, substâncias orgânicas ou em que haja uma granulação exuberante, complicadas por atelectasia, pneumonia ou bronquiectasias, que impossibilitem a remoção por broncoscopia rígida.
Nalguns corpos estranhos orgânicos, a tentativa de remoção pode ser precedida da administração de corticoides e/ou antibióticos, no sentido de diminuir a resposta inflamatória e debelar a infecção.
A remoção de corpo estranho, pode, raramente ter complicações, como pneumotórax, hemorragia, infecção ou paragem cardiorrespiratória. Uma vez que este procedimento é efectuado sob anestesia geral, podem também ocorrer complicações relacionadas com os procedimentos anestésicos.
Evolução
O prognóstico é favorável nos casos em que o corpo estranho é removido sem complicações.
Em raras situações podem persistir sequelas relacionadas com complicações (infecção, atelectasia persistente, necrose pulmonar) ou iatrogenia (hemorragia, pneumotórax)
Recomendações
A prevenção da aspiração de corpo estranho é fundamental. A nível da comunidade é importante a existência de avisos dirigidos a esse risco, em brinquedos e outros objectos com peças pequenas, a rotulagem adequada e a educação sobre cuidados a ter na alimentação. É fundamental o acesso de pais, cuidadores e educadores, a formação de suporte básico de vida, incluindo informação sobre manobras de desengasgamento.
Na prática clínica de pediatras e outros profissionais de saúde que observem crianças, é fundamental o aconselhamento sobre o tema, iniciado a partir dos 6 meses, quando a criança começa a ganhar alguma autonomia e a colocar objectos na boca.
Os pais devem ser alertados para o risco inerente ao contacto com balões e outros objectos de borracha, objectos de pequenas dimensões, bem como alimentos proibidos abaixo dos quatro anos (frutos secos, sementes, rebuçados, pastilhas elásticas, pipocas, etc.). É igualmente necessário que as refeições sejam sempre supervisionadas por adultos, e que se evitem distrações, brincadeiras e gargalhadas durante as mesmas.
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