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Introdução

Definição

A artrite idiopática juvenil sistémica (AIJ) é uma doença auto-inflamatória, associada à desregulação do sistema imunitário inato (1). Define-se pela presença de artrite e febre com duração de pelo menos 2 semanas e um dos seguintes: exantema evanescente, linfadenopatia generalizada, hepato/esplenomegalia, ou serosite (2).  

Epidemiologia

Dos vários tipos de AIJ é o menos frequente representando cerca de 5 a 15% de todos os casos (2). Afeta igualmente ambos os sexos e apresenta um pico de incidência entre 1 e 5 anos (1). A sua prevalência exata não é conhecida, mas estima-se uma incidência anual entre 0,3 e 0,8 por 100 000, abaixo dos 16 anos (2).   

História Clínica

Anamnese, exame objectivo

Clinicamente as crianças com AIJ sistémica apresentam-se febris, com um estado de doença arrastado, astenia, mialgias e artralgias e muitas vezes perda de peso (2). Os sintomas iniciais mais frequentes são a febre, a artrite e o exantema; contudo, a artrite pode estar ausente no quadro inicial e por ser obrigatória ao diagnóstico pode levar a atrasos na realização do mesmo. Classicamente estas crianças apresentam 1 a 2 picos febris diários com apirexia mantida nos intervalos. A criança apresenta uma aparência doente quando febril com uma melhoria dramática nos períodos em que a temperatura normaliza (3). A febre ocorre com maior frequência no final da tarde e em associação com o exantema (2). 

Exame objectivo 

O diagnóstico deve ser suspeitado na presença de um exantema evanescente, que consiste em pequenas máculas arredondadas, coloração salmão, migratórias, mais evidentes durante o período febril e afetando principalmente o tronco e a extremidade proximal dos membros (3). Este pode também ser desencadeado por fricção cutânea (fenómeno de Koebner), calor ou stress psicológico (2). Por vezes pode ser pruriginoso, assemelhando-se a urticária (2). 

Na apresentação do quadro clínico podem estar apenas presentes artralgias sem artrite clinicamente detetável. A artrite pode atingir qualquer número de articulações (3), sendo mais frequente nos joelhos, nos punhos e nas tibiotársicas (2). Esta artrite pode ser destrutiva e rapidamente progressiva (2). Outros sinais e sintomas que podem estar presentes são as linfadenopatias generalizadas, a hepatoesplenomegália e a serosite.

A apresentação inaugural pode ser a de síndrome de activação macrofágica, a complicação mais grave da AIJ sistémica. Cerca de 20% dos episódios de Síndrome de Activação Macrofágica ocorrem na altura do diagnóstico inicial (2). Clinicamente deve suspeitar-se desta síndrome na presença de febre que não remite espontaneamente, hepatoesplenomegalia, disfunção hepática, encefalopatia com quadro de convulsões, púrpura, equimoses e hemorragia das mucosas (2). 

Diagnóstico Diferencial

Sendo um diagnóstico clínico, é sempre um diagnostico de exclusão (3). O diagnóstico diferencial é extenso e faz-se com neoplasias, doenças auto-imunes como o lúpus eritematoso sistémico e vasculites como a poliarterite nodosa ou a Doença de Kawasaki (2). 

As neoplasias que apresentam um quadro mais semelhante são as leucemias e os linfomas, contudo, na AIJ sistémica estão ausentes a trombocitopenia, a neutropenia, a linfocitose e a dor óssea. 

O diagnostico diferencial deve igualmente ser feito com as restantes síndromes autoinflamatórias, como a síndrome periódica associada ao recetor do TNF que se pode manifestar com febre recorrente durante várias semanas, exantema, artrite e mialgias (2).

Exames Complementares

Patologia Clínica

Nenhum achado laboratorial é específico para o diagnóstico (3), mas há vários parâmetros que quando alterados o sugerem. Por exemplo, presença de leucocitose entre 20 000 e 30 000/mm3 com predomínio de granulócitos, uma trombocitose reativa (>100 0000/mm3) e anemia por diminuição da síntese e má absorção de ferro oral causada pela inflamação (3).

Existe um aumento dos parâmetros inflamatórios com uma proteína C reactiva e uma velocidade de sedimentação (VS) aumentadas. A descida da VS e das plaquetas deve alertar para o início de uma síndrome de ativação macrofágica, numa criança gravemente doente (3).

Com frequência os valores de ferritina encontram-se extremamente elevados nas crianças com AJI sistémica. Podem existir alterações ligeiras nas transaminases hepáticas, um aumento dos níveis de globulinas e hipoalbuminémia. Não é frequente existirem anticorpos antinucleares ou factor reumatoide em circulação, devendo a sua presença fazer ponderar um diagnóstico alternativo (3).

Os critérios para o diagnóstico de Síndrome de Activação Macrofágica em doentes com AIJ sistémica foram recentemente publicados (5). Perante um doente febril com o diagnóstico definitivo ou suspeito de AIJ sistémica devemos suspeitar de síndrome de activação macrofágica caso a ferritina seja superior a 684 ng/mL e, pelo menos, dois dos seguintes critérios estejam presentes: plaquetas ≤ 181 x 109/L; aspartato aminotransferase > 48 U/L; triglicérios > 156 mg/dL ou fibrinogénio ≤ 360 mg/dL.

Imagiologia

Não existem exames imagiológicos fundamentais ao diagnóstico, uma vez que este é clínico. Contudo, a ecografia pode ser importante para detetar sinovite pouco evidente clinicamente ou outros achados como presença de derrame pleural e pericárdico em doentes com serosite associada. Numa fase mais tardia da doença pode ser utilizada a radiografia para detectar complicações como uma carpite erosiva ou discrepância no comprimento dos membros inferiores (3). A osteoporose justa-articular pode estar presente nas articulações envolvidas. (2). 

Tratamento

Cirurgia

A cirurgia raramente tem um papel de relevo exceto quando vencidas todas as armas terapêuticas e na presença de uma artrite progressiva com destruição articular importante em que pode ser necessária a realização de artroplastia. 

Antibioterapia

Não está indicada. 

Algoritmo clínico/ terapêutico

A terapêutica inicial depende da gravidade do quadro inaugural e dos factores de prognóstico (3). Deve ser iniciada o mais precocemente possível após o diagnóstico, tendo em conta o conceito de “janela de oportunidade”, relacionado com a evidência de que a destruição articular ocorre numa fase mais tardia da doença e que a inibição da inflamação crónica pode prevenir a progressão desfavorável (4).

De acordo com o Colégio Americano de Reumatologia na doença com baixa atividade e sem fatores de mau prognóstico pode ser feita uma tentativa de terapêutica com anti-inflamatórios não esteróides durante 2 semanas (4). Contudo, mesmo nestes doentes, muitas vezes os sintomas persistem ou ocorre uma resposta parcial, obrigando à introdução de corticoterapia (p.e. prednisolona oral 1-2 mg/kg/dia). Frequentemente é necessária uma terapêutica prolongada obrigando à introdução de um outro fármaco, como o metotrexato ou agentes biológicos, para desmame progressivo da corticoterapia, pelos seus efeitos nefastos a longo prazo (4). O metotrexato está indicado para os sintomas articulares na AIJ sistémica mas não é habitualmente eficaz no quadro sistémico, pelo que muitas vezes a introdução de um agente biotecnológico como os inibidores da Interleucina-1 ou da interleucina-6, é necessária nos casos refratários ou corticodependentes(4). 

Os corticoides têm um papel importante na doença moderada a grave pela rapidez da sua ação. São também a terapêutica utilizada na síndrome de activação macrofágica, podendo ser necessário nestes casos associar a ciclosporina ou agentes biotecnológicos (3). 

No doente em remissão clínica pode ser feita uma tentativa de interrupção do agente biotecnológica utilizado, tendo em consideração que o doente pode ter uma doença monofásica. Contudo, se a doença recorrer deve ser reiniciada terapêutica à semelhança do esquema para o episódio inaugural (4). 
Nas formas de doença persistente os inibidores de Interleucina 1 e da Interleucina 6 são os agentes mais eficazes para controlo dos sintomas sistémicos. Nos doentes refractários à terapêutica, outros agentes como o tacrolimus, a ciclosporina e a ciclofosfamida podem ser usados. Como última linha de tratamento o transplante de células hematopoiéticas foi utilizado em formas graves e resistentes às restantes terapêuticas, estando associado a uma alta taxa de mortalidade (4). 

Os inibidores da Interleucina 1 disponíveis são o anakinra e o canakinumab e são administrados periodicamente por injeção subcutânea. O inibidor da Interleucina 6 é o tocilizumab, de administração intravenosa. Como todos os biotecnológicos, obrigam a rastreio de tuberculose lactente previamente ao seu início (3). 

Evolução

As manifestações agudas da AIJ sistémica têm uma duração variável. A doença pode ser monocíclica, sem recorrência após o episódio inicial. A minoria dos doentes tem um curso policíclico com episódios recorrentes de doença e mais de metade dos doentes apresenta doença persistente, na qual a morbilidade vai estar particularmente associada à limitação funcional conferida pela persistência da artrite, com extensão e gravidade variáveis (2). 

Os factores preditivos de artrite destrutiva a longo prazo são: febre persistente, trombocitose, poliartrite e dependência de corticóides sistémicos nos primeiros 6 meses (2). O início muito precoce, antes dos 18 meses, também se associa a uma artrite mais grave e destrutiva com alterações mais marcadas no crescimento, resultado tanto da inflamação crónica como da corticoterapia (2). A artrite da anca também confere um pior prognóstico (2). 

A Síndrome de Activação Macrofágica é uma complicação grave e potencialmente fatal, que pode ser a manifestação inaugural da doença e apresenta uma mortalidade de cerca de 8%, mesmo na atualidade com as terapêuticas disponíveis (2). Apesar do quadro poder ser exuberante com hemorragias das mucosas, purpura, convulsões e falência multiorgânica estima-se que a sua ocorrência pode ser subclínica. A adicionar a este facto algumas das manifestações clínicas são sobreponíveis às da própria doença como as linfadenopatias generalizadas e hepatoesplenomegalia. (4). Na suspeita desta complicação o laboratório assume um papel fundamental verificando-se pancitopenia ou bicitopenia, alterações das transaminases, aumento dos triglicerídeos e dos D-dímeros, prolongamento do TP e aPTT, diminuição do fibrinogénio e diminuição (ou normalização) da VS. 

A amiloidose é outra complicação possível embora tenha diminuído nos últimos anos, em consequência dos avanços terapêuticos que permitem um melhor controlo da atividade inflamatória, logo desde as fases inciais da doença.

Recomendações

Tratando-se de uma doença autoinflamatória com uma base genética complexa associada a polimorfismos de suscetibilidade em múltiplos genes (2) e sem fatores ambientais conhecidos, não existe, assim, prevenção possível para o aparecimento da doença. 

Deve ser mantida uma vigilância clínica e laboratorial apertada. O acompanhamento e monitorização periódica pelo Reumatologista Pediátrico é fundamental.

Bibliografia

  1. Wu EY, Bryan AR, Egla Rabinovich CE. Juvenile Idiopathic Arthritis. In:  Kliegman RM, Stanton BF, St Geme JW, Schor NF; Nelson Textbook of Pediatrics, 20th ed. Philadelphia: Elsevier; 2016. p. 1160-1170.
  2. Benedetti FD, Schneider R. Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderburn LR. Textbook of Pediatric Rheumatology, 7th ed. Philadelphia: Elsevier; 2016. p. 205-2014. 
  3. UpToDate [Internet].; [cited 13th March]. Available from: http://www.uptodate.com/contents/systemic-juvenile-idiopathic-arthritis…; www.uptodate.com/contents/systemic-juvenile-idiopathic-arthritis-course…; and www.uptodate.com/contents/systemic-juvenile-idiopathic-arthritis-treatm…
  4. Kumar S. Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: Diagnosis and Management. Indian J Pediatr. 2016; 83:322-7. 
  5. Ravelli A, Minoia F, Davi S et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activaiton Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis. Ann Rheum Dis 2016; 75: 481-489.

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