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Introdução

Definição

A diarreia do viajante (DV) é a patologia mais frequente associada às viagens, com pelo menos um episódio de diarreia aguda ocorrendo em até 50% dos viajantes, destes, 25% nas primeiras duas semanas de viagem. Define-se como três ou mais dejecções não formadas por dia, associadas a um ou mais sintomas entéricos (vómitos, dor abdominal ou cólicas).

Causa

A DV é uma patologia de transmissão fecal-oral provocada por bactérias, vírus, protozoários e menos frequentemente por helmintas, variando a frequência de cada agente de acordo com a localização geográfica. O Norovirus e rotavirus são os vírus mais frequentes e dos protozoários a Giardia duodenalis e Entamoeba histolytica são dos agentes mais considerados. Em 40-50% dos casos pode não ser identificado o agente patológico. O episódio de DV pode ainda ser provocado por mais do que um agente.

As bactérias e suas toxinas são responsáveis por 50-80% dos episódios sintomáticos e globalmente a Escherichia coli enterotoxigénica e enteroagregativa é o agente mais frequente, à excepção do sudoeste asiático onde predomina o Campylobacter.  

Factores de risco

Relacionados com a viagem:

  • O destino da viagem pode ser classificado em baixo, médio ou alto risco para DV de acordo com a sua incidência:
  • Baixo risco (
  • Médio risco (8-20%): Europa de leste e sul, Rússia, China, Israel, Caraíbas e África do Sul.  
  • Alto risco (20-90%): Médio Oriente, Sudoeste Asiático, América Central e do Sul, México e África;
  • Duração da estadia: o risco é maior até ao 12º dia diminuindo posteriormente;
  • Estilo / tipo de viagem: maior risco em viajantes independentes e em viajantes que visitam familiares e/ou amigos.

Relacionados com o viajante:

  • Pais de origem do viajante - maior incidência se oriundo de pais industrializado com elevado índice sanitário;
  • Idade – maior incidência em adultos jovens (15-30 anos)
  • Factores de risco genéticos ou patofisiológicos.

História Clínica

Sintomas

A maioria dos sintomas ocorre nos primeiros 4-7 dias após a chegada, com 90% dos episódios nas primeiras 2 semanas. Em 90% dos casos há diarreia aquosa e em 3-30% dos casos há sinais de infecção invasiva.

A maioria dos doentes tem entre 3-5 dejecções por dia, com uma frequência de até 20 dejecções / dia. Outros sintomas incluem náuseas, vómitos, dor abdominal, cólica, tenesmo e urgência fecal. Podem ocorrer sintomas extra-intestinais como mialgias, artralgias e cefaleias.

A apresentação clínica não permite nenhuma associação com a causa, no entanto a diarreia de causa viral e bacteriana tem um inicio súbito dos sintomas, com um período de incubação de 6-72 h, enquanto que a protozoária tem um inicio mais gradual com um período de incubação de 1-2 semanas.

A maioria dos sintomas resolve sem tratamento ou complicações em 1-5 dias (resolução mais rápida se etiologia viral). Em 8-15% pode persistir por mais de uma semana ou evoluir para diarreia crónica (> 1 m) em 1-3% dos casos. A Giardia é o agente mais frequente de diarreia prolongada. As complicações incluem alterações electrolíticas (mais grave se antecedentes de patologia renal ou cardíaca); síndrome do cólon irritável pós-infeccioso e síndrome de Reiter nos casos de doença invasiva. Existem casos descritos de síndrome de Guillain-Barré pós infecção por Campylobacter.

Prevenção

Higiene Alimentar: a maioria dos casos de DV resulta de ingestão de água / alimentos contaminados. Apesar da maioria das medidas de higiene alimentar não poder ser controlada pelo viajante, deve-se ainda assim aconselhar e educar para as precauções a ter com a ingestão de água e alimentos assim como para a lavagem frequente das mãos. Os alimentos considerados de risco e que devem ser evitados são alimentos crus ou mal cozinhados (legumes, fruta com casca, carne, peixe, ovos), não pasteurizados (leite, iogurte, queijos), vendidos em estabelecimentos de rua, servidos a temperatura ambiente e água corrente ou produtos feitos com água corrente.

Vacinas: a vacinação eficaz para a DV é limitada pela variedade de agentes etiológicos e à data não existe nenhuma vacina especifica. A única vacina que confere alguma protecção é a vacina da cólera (Dukoral®), disponível na Europa e Canada. Esta vacina contém a subunidade B recombinada da toxina da cólera, que é homóloga à toxina termo-lábil da E. coli enterotoxigénica (ETEC), conferindo uma eficácia preventiva limitada (7%) para a DV.

Probióticos: o uso de probióticos de forma preventiva é controverso devido à diversidade de estirpes, ao controle de qualidade, à duração e dosagem.

Antibióticos: Os antibióticos profilácticos não conferem protecção contra agentes não bacterianos e podem interferir com a microflora e microbioma intestinal. A profilaxia antibiótica não é assim recomendada para a maioria dos viajantes, sendo considerada apenas para viajantes de risco (imuno-comprometidos) em viagens de curta duração.

As fluoroquinolonas (250-500 mg) são os antibióticos mais eficazes, prevenindo até 90% dos casos de DV, contudo os efeitos secundários e riscos a longo prazo (prolongamento intervalo QT, aquisição resistências, infecção Clostridium difficile) limitam a sua utilização (não deve exceder 3 semanas).

Em regiões com elevadas taxas de resistências às quinolonas, considera-se como alternativas a profilaxia com azitromicina ou rifaximina. Este último, tem fraca actividade contra agentes ênteroinvasivos sendo por isso uma alternativa menos considerada.

Tratamento

Hidratação oral e dieta:

A ingestão oral de líquidos é essencial para prevenir e tratar a desidratação. Recomenda-se nos casos ligeiros, o aumento da ingestão hídrica com água ou outro líquido disponível e nos casos moderados / graves a ingestão de soro de hidratação oral (SRO).

O SRO pode ter apresentação liquida (pronta a consumir) ou em pó (1 saqueta em 1 litro água fervida / tratada). Os lactentes em amamentação (leite materno / adaptado) devem mantê-lo e as crianças devem manter a sua dieta habitual. Não está recomendada nenhuma dieta restritiva.

Fármacos anti-secretores:

  • A loperamida diminui a duração dos sintomas e pode ser utilizada isoladamente ou como coadjuvante da terapêutica antibiótica. O seu uso não é recomendado em situações de diarreia com sangue ou febre (risco de íleus paralítico, colite, perfuração) nem em crianças com
  • O racecadotril bloqueia a secreção de água e electrólitos para o lúmen intestinal, diminuindo a duração dos sintomas.

Antibióticos: reduzem a duração dos sintomas e estão recomendados apenas nos casos moderados / graves de DV.

  • Quinolonas (ciprofloxacina – 500 mg 12/12 h; 1-3 d ou levofloxacina – 500 mg / d) são os antibióticos de primeira linha. Apresentam eficácia comprovada contra maioria dos agentes da DV, excepto para o Campylobacter e Shigella onde se tem verificado aumento de resistências. Estão contra-indicadas em grávidas e crianças com Campylobacter.
  • Azitromicina (10 mg / kg / dia – dose única; ou 500 mg / dia; 1-3 d) é eficaz contra todos os agentes, incluído estirpes resistentes às quinolonas. É seguro na grávida e em crianças.
  • Rifaximina (200 mg; 8/8 h, 3 d) tem acção limitada para a DV provocada por estirpes não invasiva de E. coli. Pode ser utilizada em crianças com> 12 anos.

Bibliografia

  1. Traveler’s diarrhea. Infec Dis Clin N Am 26 (2012) 691-706
  2. Traveler’s diarrhea. Med Clin N Am 100 (2016) 317-330
  3. CDC. The pre-travel consultation. Traveler’s Diarrhea

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