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Introdução

A síndrome de Beckwith-Wiedemann (SBW) é uma doença genética que está associada a hipercrescimento, malformações congénitas e condiciona predisposição para o desenvolvimento tumoral.

Frequência

A SBW tem uma prevalência estimada de 1 em cada 10300 a 13700 indivíduos. Não foram encontradas diferenças de prevalência entre ambos os sexos à excepção dos gémeos monozigóticos em que há maior prevalência no sexo feminino.

Causa

A SBW resulta de diversas alterações genéticas/ epigenéticas da região do cromossoma 11p15.5, maioritariamente esporádicas (~85% dos casos) mas também associadas a transmissão familiar (15%).

História Clínica

Anamnese

A anamnese deve ser direccionada às características associadas à síndrome.

Deve englobar uma investigação minuciosa dos antecedentes pré, peri e pós-natais assim como antecedentes familiares.

Exame objectivo

O fenótipo da SBW é altamente variável de doente para doente, pelo que nem todos os doentes poderão apresentar a mesma combinação de manifestações clínicas.

Habitualmente, a grande maioria dos doentes apresenta onfalocelo, macroglossia e macrossomia (definida por valores de estatura e peso superiores ao percentil 97).

Outras manifestações clínicas incluem: hemihiperplasia (sobrecrescimento de um lado ou estrutura do corpo resultando num crescimento assimétrico), hérnia umbilical, fossetas auriculares, visceromegalias, alterações renais (nefrocalcinose e displasia medular renal), cardíacas (raras) e craniofaciais (olhos proeminentes, hipoplasia da região média da face, fenda palatina).

No período pré natal, a macrossomia está presente em 90% dos casos e polihidrâmnios em 50%. A SBW está associada a parto prematuro em até 50% dos casos, e, após o nascimento, hipoglicemia é frequente, sendo na maioria dos casos ligeira e transitória. Pode, contudo, ser refractária ao tratamento devido ao hiperinsulinismo ou surgir mais tardiamente.

Também podem estar presentes, hipotiroidismo, hipocalcémia (hipercalciúria pode ser encontrada mesmo na ausência de anomalias renais), dislipidemia ou policitemia.

Raramente, a SBW poderá estar associada a surdez, neurossensorial ou de condução (por fixação do estapédio), e a hipotonia. Contudo, importa referir que não é possível afirmar que estas condições sejam mais prevalentes em indivíduos com SBW comparativamente à população geral. Similarmente, pais de crianças com SBW parecem reportar frequentemente distúrbios neuro-comportamentais como a Perturbação do Espectro do Autismo, pese embora sejam necessários mais estudos para estabelecer uma relação.

Como referido, os doentes com SBW apresentam susceptibilidade a desenvolvimento de tumores na infância, essencialmente tumores embrionários como tumor de Wilms, hepatoblastoma, neuroblastoma e rabdomiossarcoma (estes dois últimos, menos frequentes). O risco é cerca de 7,5% (variando entre 4-21%), sendo maior nos primeiros oito anos de vida.

Muitas das características clínicas da BW tornam-se menos evidentes com a idade sendo que muitos adultos não exibem qualquer alteração fenotípica.

Diagnóstico Diferencial

Após o nascimento, perante um recém-nascido macrossómico com macroglossia e/ou hipoglicemia, existem vários distúrbios endocrinológicos que podem justificar as referidas manifestações clínicas, como por exemplo, hipotiroidismo congénito ou mãe com diabetes gestacional.

Existem também múltiplas síndromes genéticas com fenótipos semelhantes à SBW, como por exemplo: Neurofibromatose tipo 1, Síndrome de Proteus, Síndrome do tumor PTEN-hamartoma, Síndrome de Perlman, Síndrome de Sotos, Síndrome Simpson-Golabi-Behmel, Síndrome de Costello, entre outros.

Exames Complementares

Existem alguns critérios fenotípicos que permitem suspeitar de SBW, a saber:.

Características major (2 pontos por característica):

  • Macroglossia
  • Onfalocelo
  • Tumor de Wilms ou nefroblastoma multifocais ou bilaterais
  • Hipercrescimento unilateral
  • Hiperinsulinismo (>1 semana de duração e a requerer escalada progressiva do tratamento)
  • Achados patológicos: citomegalia do córtex adrenal, displasia mesenquimatosa da placenta ou adenomatose pancreática

Características minor (1 ponto por característica)

  • Peso ao nascimento> 2 desvios-padrão acima da média
  • Nevos simplex facial
  • Polihidrâmnios e/ou placentomegalia
  • Sulcos ou fossetas auriculares
  • Hipoglicemia transitória (duração <1 semana)
  • Tumores tipicamente associados à SBW (neuroblastoma, rabdomiossarcoma, tumor de Wilms unilateral, hepatoblastoma, carcinoma adrenocortical ou feocromocitoma)
  • Nefromegalia e/ ou hepatomegalia
  • Hérnia umbilical e/ ou diástase dos músculos rectos abdominais

Interpretação dos resultados:

  • ≥ 4 pontos: diagnóstico clínico de SBW, sem necessidade de confirmar alteração molecular do cromossoma 11p15.5;
  • ≥ 2 pontos: devem realizar diagnóstico genético para confirmação diagnóstica;
  • < 2 pontos: não apresentam critérios para testes genéticos.

Na gestação, a análise epigenética do cromossoma 11p15.5 por amniocentese/ biópsia das vilosidades coriónicas é suficiente para um diagnóstico fiável, atentando sempre à possibilidade de mosaicismo.

Os testes moleculares e/ou citogenéticos permitem confirmar o diagnóstico:

  • MS-MLPA (Methylation-sensitive multiplex ligation probe analysis): permite determinar o nível e percentagem de metilação dos centros de imprinting e o número de cópias;
  • SNP (single nucleotide polymorphism)- array ou Array-CGH: permitem detectar dissomia uniparental e mosaicismo de baixo grau;
  • Sequenciação genética: permite detectar mutações no gene CDKN1C;
  • Cariótipo ou FISH (fluorescence in situ hybridization): permitem a deteção de translocações cromossómicas, deteção de dissomia uniparental e variação no número de cópias;
  • Microarrays: permitem a deteção de dissomia uniparental, anomalias cromossómicas e variação no número de cópias.
     

Tratamento

Após diagnóstico inaugural:

  • Avaliar patência da via aérea em caso de macroglossia;
  • Avaliar ingestão alimentar (macroglossia pode condicionar dificuldades alimentares);
  • Monitorizar glicemia capilar dos recém-nascidos; se hipoglicemia persistente, deverá ser requerida avaliação por Endocrinologia Pediátrica;
  • Ecografia abdominal: avaliar presença de organomegalia, anomalias estruturais e tumores;
  • Podem ser equacionadas ressonância magnética ou tomografia computorizada do abdómen aquando do diagnóstico ou posteriormente para exclusão de tumores;
  • Electrocardiograma e ecocardiograma antes de procedimentos cirúrgicos ou se suspeita de alguma anomalia cardíaca;
  • Doseamento da alfa- fetoproteína se elevado índice de suspeição de hepatoblastoma;
  • Avaliação periódica do comprimento dos membros inferiores em caso de hemihiperplasia, por forma a detectar possíveis assimetrias;
  • Atentar a outros possíveis distúrbios endócrino-metabólicos.

Tratamento das manifestações:

  • Seguimento multidisciplinar: cirurgia plástica e pediátrica, urologia pediátrica, endocrinologia pediátrica, oncologia pediátrica, ortopedia infantil, ortodontia e fisiatria (fisioterapia, terapias da fala e ocupacional);
  • Hipoglicemia neonatal: deve ser detectada e tratada o mais precocemente possível para evitar sequelas ao nível do sistema nervoso central; apesar de na maioria dos casos surgir nos primeiros dias de vida, pode também surgir mais tardiamente pelo que os pais devem ser informados quanto aos sintomas de hipoglicemia;
  • Onfalocelo: reparação cirúrgica o mais precocemente possível após o nascimento; cirurgia simples, habitualmente isenta de complicações;
  • Macroglossia:
    • Dificuldades respiratórias: intubação orotraqueal após o nascimento como medida preventiva; se confirmada dificuldade ventilatória persistente, pode ser necessária a realização de traqueostomia. Posteriormente avaliar a função pulmonar e realizar estudo do sono; ponderar realização de radiografia do tórax;
    • Dificuldades alimentares: recorrer ao uso de mamilos de silicone ou se necessário, colocação de sonda nasogástrica;
    • Em alguns casos pode ser necessária glossectomia parcial (redução cirúrgica da língua), principalmente se dificuldades graves na alimentação, hipersialorreia, dificuldades na fala ou prognatismo; habitualmente realizada nos três primeiros anos de vida.
  • Assimetria dos membros inferiores: cirurgia correctiva no início da puberdade se diferença>2cm; palmilhas se diferença <2 cm;
  • Suspeita de infecção do tracto urinário: avaliação e instituição precoce do tratamento adequado por forma a evitar dano renal secundário;
  • Nefrolitíase ou outras alterações renais: orientação de acordo com os protocolos definidos pela Nefrologia pediátrica;
  • Neoplasias: tratamento de acordo com os protocolos definidos pela Oncologia pediátrica;
  • Outras anomalias: referenciação à especialidade médica indicada.

 

Evolução

Evolução

Bebés com SBW apresentam elevado risco de mortalidade por complicações inerentes à prematuridade, macroglossia, hipoglicemia e, raramente, cardiopatias.

Durante a infância a morbi-mortalidade associada à SBW deve-se essencialmente ao desenvolvimento de tumores (risco maior nos primeiros oito anos de vida). Contudo, a taxa de mortalidade tem vindo a reduzir devido aos avanços das técnicas diagnósticas e exploração de novas terapêuticas.

Após esta idade, o risco de desenvolvimento tumoral diminui acentuadamente.

Prognóstico

Após a infância, o é geralmente muito favorável. Complicações como displasia medular do rim e problemas de fertilidade no homem podem surgir mais tardiamente.

Recomendações

Deve ser proporcionado aconselhamento genético a todas as famílias.

Rastreio oncológico com ecografia abdominal a cada 3 meses até aos 4 anos e ecografia das glândulas supra-renais a cada 3 meses até aos 7-8 anos; posteriormente ecografia renal anual ou bianualmente; doseamento da alfa-fetoproteína (útil no diagnóstico precoce de hepatoblastoma) a cada 3 meses até aos 4 anos de idade;

Doseamento do rácio cálcio urinário/ creatinina urinária anual ou bianualmente.

Bibliografia

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  4. Kalish J, Duffy K, Lye C, Kupa J. Beckwith-Wiedemann Syndrome. (2019) Disponível em: https://rarediseases.org/rare-diseases/beckwith-wiedemann-syndrome;
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