Síndrome de alergia oral ou alergia pólen alimento
Introdução
A síndrome de alergia oral (SAO), também designada de síndrome alergia pólen-alimento é uma reação alérgica IgE mediada que surge num indivíduo polínico após a ingestão de frutas/vegetais frescos ou frutos de casca rija, devido à reatividade cruzada entre os pólenes e os alimentos.1-5
Algumas proteínas presentes em pólenes e vegetais compartilham semelhanças estruturais, agindo como panalérgenos, com capacidade de desenvolver reatividade cruzada.3 Entre elas encontram-se as profilinas, proteínas que causam sensibilização a pólenes e estão presentes em vegetais, essencialmente da família Rosaceae.3
Epidemiologia
A prevalência da SAO varia de acordo com a região e tipo de pólenes existentes.4,5 Na Europa, atinge 40 a 50% dos indivíduos polínicos, sendo mais frequente em adolescentes e adultos jovens.1,3-5
Os sintomas podem surgir apenas com alimentos muito específicos ex: as maçãs Granny Smith tendem a ser mais alergénicas do que as maçãs Fuji.
História Clínica
Anamnese
Na maioria dos doentes, a sintomatologia limita-se aos lábios e mucosa oral (local de contacto com o alimento) com prurido e/ou edema dos lábios, mucosa, palato e orofaringe 5 a 10 minutos após a ingestão do alimento não cozinhado.1,3,5
Em alguns doentes, os sintomas podem progredir para sintomas sistémicos tais como urticária, angioedema, edema da via aérea, dispneia, dor abdominal e vómitos.1,4,5
Em cerca de 2% pode mesmo surgir anafilaxia.1,4,5A ingestão de maiores quantidades de alimento parece associar-se a sintomatologia mais grave.1
Os sintomas geralmente desaparecem em poucos minutos quando o alimento é deglutido, devido à destruição do alergénio pelo ácido gástrico e enzimas digestivas proteolíticas.1A maioria dos doentes tolera a ingestão dos mesmos alimentos cozinhados e, em alguns casos, tolera também os alimentos descascados. 1 As nozes e amendoins são uma exceção à regra, uma vez que mesmo torrados podem causar SAO.1
O diagnóstico de SAO é clínico.1 Não existem critérios diagnósticos bem definidos, contudo os seguintes pontos devem estar presentes1:
- História clínica e exame físico compatível com SAO - sintomas surgem 5 a 10 minutos após a ingestão do alergénio (frutas e vegetais não cozinhados),
- Sensibilização a pólenes e ao alimento causador da SAO,
- Relação conhecida entre o aeroalergénio (pólen) e o alimento desencadeador da SAO (tabela 1).
Exame objetivo
Na fase aguda da SAO observa-se edema dos lábios, mucosa, palato e orofaringe, podendo em alguns casos associar-se a sintomas sistémicos nomeadamente urticária, angioedema, edema via aérea, dor abdominal e vómitos.1,5 Na maioria das vezes os doentes referem sintomas nasais, oculares ou respiratórios associados aos pólenes.1
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial faz-se com as seguintes entidades:
- Alergia alimentar isolada – A maioria dos alimentos que causa SAO também pode causar alergia alimentar sem sensibilização ao pólen.1
- Irritação local (orofaringe) secundária a certos alimentos mais agressivos (ex: irritação oral após ingestão de abacaxi).1
- Urticária de contacto – Certos alimentos, nomeadamente os citrinos ou tomate podem causar reação local irritativa nos lábios e região perioral.1
- Dermatite perioral – Caracteriza-se por pequenas pápulas periorais secundárias ao contacto com os alimentos.1
- Doença do refluxo gastroesofágico1
- Esofagite eosinofílica – Caracterizada por sensação de impactação na orofaringe.1
Exames Complementares
Patologia Clínica
O diagnóstico de SAO implica a confirmação de sensibilização aos pólenes, bem como a confirmação de alergia aos frutos/vegetais envolvidos na reação.1,5 Para o diagnóstico de alergia a fruta/vegetal podemos recorrer a testes in vivo e/ou in vitro.1
O teste in vivo mais utilizado no diagnóstico é o Prick to Prick, que consiste em picar inicialmente o alimento suspeito (casca e polpa) com uma lanceta e posteriormente picar a pele.1,5O resultado do teste depende das características do alimento, nomeadamente o estado de maturação.1
Apesar das limitações inerentes à técnica, a utilização das frutas/vegetais frescos tem maior sensibilidade do que os extratos comerciais, uma vez que os alergénios envolvidos no SAO são instáveis e podem ser destruídos durante o processo de produção do extrato.1,4,5
Assim, a utilização de extratos comerciais fica reservado para alergénios mais estáveis (ex: nozes e leguminosas), alergénios potencialmente irritantes para a pele (ex: especiarias), bem como para avaliar o risco de reações sistémicas, pois são enriquecidos com alergénios estáveis mais associados a reações sistémicas.1
O doseamento de IgE específicas é utilizado como primeira linha, em alternativa aos testes cutâneos, nos doentes com história de anafilaxia, nos que não conseguem suspender os fármacos que interferem na realização dos testes cutâneos, em doentes com asma grave, bem como nos doentes com dermografismo ou doença cutânea extensa.1,5
A confirmação do diagnóstico implica a realização de prova de provocação oral com o alergénio suspeito (PPO), dado que a positividade dos testes cutâneos e níveis de IgE apenas indicam sensibilização.1Tal como os Prick-to-prick, as PPO são limitadas pelas características do alimento utilizado, nomeadamente o estado de maturação.1,5 Segundo alguns autores o diagnóstico pode ser baseado numa história clínica fiável, associada a clínica polínica e sintomas imediatos após a ingestão de alimentos com reatividade cruzada conhecida.5 As PPO ficam assim reservadas para as seguintes situações: alergénio causador não pode ser inequivocamente identificado pela história clínica, testes cutâneos e/ou doseamento de IgE específicas; história clínica e testes cutâneos/IgE especificas não são concordantes; avaliar a tolerância do mesmo alimento cozinhado e testar sensibilização a outros alimentos com reatividade cruzada.1
A realização de estudos moleculares deve ser ponderada caso a caso. O conhecimento do componente molecular ao qual o doente é alérgico orienta para o risco de uma reação sistémica, bem como para a maior ou menor segurança da realização de uma prova de provocação oral.
Tratamento
Médico
O pilar do tratamento da SAO é a remoção do alergénio causador, com melhoria sintomática na maioria dos casos.4,5
Os antihistamínicos H1 podem ser utilizados como tratamento sintomático, contudo não devem ser utilizados como profilaxia previamente à ingestão dos alergénios conhecidos.2,5
Na presença de sintomas respiratórios ou cardiovasculares a utilização de adrenalina está recomendada.5 A prescrição de caneta de adrenalina para o domicílio é controversa, contudo a maioria dos autores recomenda a sua utilização se: 2,4
- Episódio anterior de SAO com sintomatologia sistémica, desconforto orofaríngeo significativo, com frutas/ vegetais cozinhados (maior risco de reação sistémica dado que o alergénio é termorresistente);
- Anomalias na anatomia faríngea que aumente o risco de obstrução (ex: macroglossia ou hipertrofia amigdalina grave);
- Alergia conhecida a amendoim, noz ou mostarda devido ao maior risco de reação sistémica.
A utilização de imunoterapia específica para o tratamento não está estabelecida e não deve ser iniciada em doente alérgico a pólenes com o intuito de prevenir a SAO.2,4,5
Evolução
O prognóstico depende do alimento envolvido bem como da gravidade da sintomatologia. 2
Embora a SAO seja na maioria das vezes uma forma ligeira de alergia alimentar, tem um impacto negativo significativo na qualidade de vida dos doentes e seus familiares.1
Recomendações
A prevenção da SAO através da educação do doente e seus cuidadores é essencial e consiste na evicção dos alergénios com reatividade conhecida com cada tipo de pólen (tabela 1).2
Aeroalergénio | Alimento potencialmente alergénico |
Bétula | Rosaceae (maçã, pera, cereja, pêssego, ameixa, damasco, amêndoa). Apiaeceae (cenoura, aipo, salsa, cominhos, erva-doce, coentros e anis). Solanaceae (batata). Actinidiaceae (Kiwi). Betulaceae (avelã). Anacardiaceae (manga). Fabaceae (Soja e amendoim). Pimenta, Jaqueira e dióspiros. |
Plátano |
Avelã, pêssego, damasco, ameixa, maçã, kiwi, amendoim, milho, grão-de-bico, alface e feijão-verde. |
Cedro Japonês | Tomate |
Cipreste | Pêssego e citrinos |
Ambrosea |
Cucurbitaceae (meloa cantalupa, melão, melancia, curgete, pepino), Musaceae (banana) |
Artemisia | Apiaceae (ex: cenoura, aipo, salsa, cominhos, erva-doce, coentro e anis). Cruciferae (ex: mostarda, couve-flor, repolho e brócolos).Anacardiaceae (manga). Especiarias (ex: pimentão, pimenta-do-reino, paprica. Alho, cebola, pêssego, líchia, uva, sementes de girassol. |
Relva | Cucurbitaceae (Melões, melancia), Solanaceae (Batata e tomate), Actinidiaceae (Kiwi), Rutaceae (Laranja), Amaranthaceae (Acelga suíça), Fabaceae (Amendoim) |
Tendo em consideração a sintomatologia apresentada por cada doente a evicção completa pode não ser necessária, uma vez que, muitos doentes toleram os frutos/vegetais alergénicos cozidos, processados ou congelados, limitando assim as restrições necessárias (tabela 2).2
Tipo de SAO | Tipo de evicção |
SAO sistémica a alimento cru |
- Evitar formas cruas e desidratadas do alimento desencadeante. Consumo do alimento cozinhado depende da |
SAO a alimentos de alto risco* |
- Evitar os alimentos que causam sintomas. |
SAO com alimentos de baixo risco |
- Evitar os alimentos crus que causam sintomas. Sem restrição dos alimentos com reatividade cruzada (tabela 1). |
Bibliografia
- Wegrzyn A. Clinical manifestation and diagnosis of oral allergy syndrome (pollen-food allergy syndrome). Jan 2021. Uptodate.com. ConsultadoemMarço 2021.
- Wegrzyn A. Management and prognosis of oral allergy syndrome (pollen-food allergy syndrome). Fev 2021. Uptodate.com. ConsultadoemMarço2021.
- Vieira F. Polinose com syndrome de alergia oral: uma raridade no Brasil? Vamosvisitá-la. Braz J Allergy Immunol. 2013;1(6)
- Jeon YH. Pollen-food allergy syndrome in children. ClinExpPediatr. 2020 Dec;63(12):463-468. doi: 10.3345/cep.2019.00780. Epub 2020 May 14. PMID: 32403897; PMCID: PMC7738766.
- Mastrorilli C, Cardinale F, Giannetti A, Ca-arelli C. Pollen-Food Allergy Syndrome: A not so Rare Disease in Childhood. Medicina 2019, 55, 641; doi:10.3390/medicina55100641
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