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Introdução

A síndrome Cornélia de Lange (SCdL) é uma doença multissistémica rara de etiologia genética e caracterizada por alterações físicas, cognitivas e comportamentais com diferentes graus de atingimento.

Praticamente todas as variantes genéticas surgem de novo, de forma autossómica dominante ou ligada ao X e raramente ocorre transmissão familiar autossómica dominante por mosaicismo das linhagens germinativas.

A SCdL tem sido associada a anomalias em genes envolvidos no complexo da coesina, um regulador essencial na segregação cromossómica, estabilização e organização genómica, regulação da expressão de genes e estrutura da cromatina.

Cerca de 60% dos casos de SCdL estão associados a variantes patogénicas no gene NIPBL no cromossoma 5, essencial para a ligação da coesina aos cromossomas.

Outros genes já identificados como implicados na SCdL são responsáveis por cerca de 10% dos casos: MC1A, SMC3, BRD4, HDAC8, RAD21 e ANKRD11. Os restantes 30% são considerados idiopáticos.

As manifestações clínicas da SCdL variam de acordo como gene afectado, sendo que, tipicamente, o fenótipo de SCdL clássica associa-se a variantes no gene NIPBL, apesar de não ser exclusivo. Até 20% dos casos de SCdL clássica apresentam variantes no NIPBL em mosaicismo podendo levar a variações na gravidade do fenótipo clínico.

Epidemiologia

A SCdL apresenta uma incidência entre 1:10000 a 1:50000 nascimentos, no entanto, uma vez que casos ligeiros muitas vezes não são reportados, a incidência e prevalência podem estar subestimadas. Ambos os sexos são afectados de igual forma.

História Clínica

As manifestações clínicas típicas da SCdL incluem restrição de crescimento intra-uterino a partir do 2º trimestre de gestação (80%), atraso de crescimento, malformações craniofaciais e dos membros superiores, hirsutismo e perturbação do desenvolvimento intelectual (PDI). A SCdL clássica é fácil de reconhecer, no entanto, as manifestações clínicas são muito variadas e formas menos expressivas podem tornar-se um desafio diagnóstico.

As manifestações craniofaciais são muito características nomeadamente as sobrancelhas grossas, arqueadas e confluentes na linha média; nariz curto com ponta elevada; lábio superior fino e filtro nasolabial longo e/ou ténue. Outras manifestações incluem baixa implantação das orelhas, canais auditivos externos estenóticos, pestanas longas, fenda palatina, micrognatia e microcefalia.

O hirsutismo é uma característica frequente.

Os défices auditivo e visual estão presentes em até 90% e em 50% dos casos, respectivamente. Outras alterações oftalmológicas incluem blefarite, obstrução do canal lacrimal, ptose palpebral, estrabismo e erros refractivos.

As malformações graves dos membros superiores, como a agenesia do antebraço, sinostose radiocubital, agenesia do rádio ou cúbito e oligodactilia, são frequentes nas variantes NIPBL (25%), sendo pouco frequentes ou mesmo ausentes em outras variantes genéticas. Ocorrem mais frequentemente no sexo masculino e normalmente são assimétricas. Outra característica presente em quase todos os casos de SCdL é a presença de mãos pequenas. Já as malformações graves dos membros inferiores são raras. A escoliose, principalmente torácica, ocorre em 39% dos casos de SCdL e normalmente surge pelos 10 anos de idade.

Relativamente às manifestações gastrointestinais, a doença de refluxo gastroesofágico (DRGE) é a mais frequente e mais grave, atingindo cerca de 85% dos casos de SCdL e podendo apresentar-se na infância como eventos distónicos tipo Sandifer. Algumas malformações gastrointestinais como hérnia diafragmática congénita, estenose pilórica e malrotação intestinal também são relativamente frequentes. Outros sintomas incluem obstipação, dificuldades alimentares e ruminação.

Cerca de 73% dos rapazes apresentam criptorquidia e outras malformações como a hipoplasia genital; presença de quisto renal e hipoplasia renal são comuns.

Manifestações cardíacas como coarctação da aorta, estenose pulmonar, tetralogia de Fallot e defeitos do septo ventricular podem estar presentes.

A presença de convulsões é comum, principalmente nas variantes SMC1A (45%).

Relativamente ao neurodesenvolvimento, os indivíduos com SCdL podem apresentar perturbação global do desenvolvimento psicomotor (PDPM) e PDI, variando de grave, na SCdL clássica, a ligeira nas formas não-clássicas.

Praticamente todos os casos de SCdL apresentam dificuldades no processamento sensorial, independentemente da variante genética em causa e do grau de PDI. Já as dificuldades no comportamento adaptativo são mais marcadas nas variantes NIPBL.

Os comportamentos de auto-agressão são frequentes e mais prováveis quanto maior o compromisso das capacidades cognitivas, comunicativas e adaptativas, na presença de variantes NIPBL e de características associadas a perturbação do espectro do autismo (PEA). Estes comportamentos podem representar um sinal ou resposta à dor e são clinicamente significativos em 56% dos casos de SCdL.

Os comportamentos repetitivos podem reaparecer com a idade e serem agravados pela ansiedade, estímulos sensoriais ou exigências sociais. A frequência destes comportamentos associa-se a PDI mais grave e a PEA.

Cerca de 43% dos doentes com SCdL tem sintomatologia de PEA.

A capacidade comunicativa varia muito entre indivíduos com SCdL mas tipicamente apresentam limitações na linguagem expressiva, mais graves do que o esperado para o grau de PDI.

Podem estar associadas outras comorbilidades como perturbação de hiperactividade – défice de atenção (PHDA), alterações de humor e perturbação obsessivo-compulsiva (POC).

Diagnóstico Diferencial

As manifestações clínicas da SCdL são muito variadas, sendo necessário considerar outras síndromes genéticas no diagnóstico diferencial. Desta forma, a realização de testes genéticos, principalmente na presença de fenótipos não-clássicos, é muito útil na confirmação do diagnóstico e/ou exclusão de outros distúrbios.

Os diagnósticos diferenciais mais frequentemente considerados são síndrome de Rett, síndrome de Roberts, síndrome de Nicolaides-Baraister, síndrome de DiGeorge, deleções no cromossoma 2q31, duplicação parcial do 3q, síndrome de Fryns, síndrome de CHOPS, síndrome de Bohring-Opitz e TAF6/TAF1.

Exames Complementares

De acordo com o consenso internacional para o diagnóstico e seguimento de SCdL, publicado em 2018, o diagnóstico clínico de SCdL pode ser baseado numa escala de pontuação de acordo com a presença de características primárias e sugestivas.

Características primárias (2 pontos por cada característica presente): sinofris e/ou sobrancelhas espessas; nariz curto, ponte nasal côncava e/ou ponta nasal elevada; filtro nasolabial longo e/ou ténue; lábio superior fino e/ou cantos da boca virados para baixo; oligodactilia e/ou adactilia nas mãos; hérnia diafragmática congénita.

Características secundárias (1 ponto por cada característica presente): atraso global do desenvolvimento e/ou PDI; RCIU (

Uma pontuação total maior ou igual a 11 (com pelo menos 3 características primárias) indica SCdL clássica; 9-10 pontos (com pelo menos 2 características primárias) sugere SCdL não-clássica; 4-8 pontos (com pelo menos 1 característica primária) requer estudo molecular para SCdL; se inferior a 4 pontos não tem indicação para estudo molecular para SCdL.

O estudo genético é principalmente relevante no caso de apresentações não-clássicas ou ligeiras.

Na presença de fenótipo típico de SCdL o teste molecular de 1ª linha é o whole exome sequencing (WES) ou whole-genome sequencing (WGS) focado nos 7 genes associados a SCdL (NIPBL, SMC1A, SMC3, RAD21, BRD4, HDAC8 e ANKRD11).

Na presença de fenótipo não típico deve-se considerar WES ou WGS caso a caso.

Se o teste genético for negativo deve-se pesquisar a presença de mosaicismo em outros tecidos como fibroblastos, escovado oral ou células do epitélio vesical na urina. Se esta análise for negativa, deve-se pesquisar deleções e duplicações no NIPBL através de multiplex ligation-dependent probe amplification (MLPA) ou  microarray cromossómico.

Tratamento

Tratando-se de uma doença multissistémica, o acompanhamento por uma equipa multidisciplinar é fundamental na melhoria da qualidade de vida.

De acordo com as comorbilidades associadas pode ser necessária intervenção farmacológica e cirúrgica, devendo ser avaliada caso a caso. No controlo das alterações do comportamento e auto-agressividade, a evidência da utilização de risperidona e estabilizadores do humor é limitada, devendo ser considerada caso a caso. Na presença de DRGE grave pode ser necessária intervenção cirúrgica com realização de fundoplicatura.

A terapia da fala é essencial na melhoria da capacidade comunicativa e deve ser iniciada nos primeiros 18 meses de vida. A terapia ocupacional com estimulação sensorial e fisioterapia são também fundamentais no desenvolvimento e participação na vida diária.

Equipamentos adaptativos como ortóteses podem ser úteis na melhoria da função motora e mobilidade.

Terapêuticas inovadoras têm vindo a ser estudadas, nomeadamente a utilização de fármacos com efeito antioxidante capazes de reduzir o stress oxidativo e a instabilidade genómica com o objectivo de melhorar certas características fenotípicas da SCdL.

Evolução

Actualmente, indivíduos com SCdL podem viver até a idade adulta e idade mais avançada, dependendo das comorbilidades associadas.

Alguns indivíduos jovens apresentam sinais prematuros de envelhecimento, como osteoporose e cabelo grisalho, fenómeno que pode estar associado às alterações no sistema da coesina levando interrupção da mitose celular.

Dada a raridade da SCdL, é fundamental manter o contacto entre os centros de referência com partilha constante de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas.

Bibliografia

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2. Sarogni P, Pallotta MM, Musio A. Cornelia de Lange syndrome: from molecular diagnosis to therapeutic approach Journal of Medical Genetics 2020;57:289-295.

3. Kline, A.D., Moss, J.F., Selicorni, A. et al. Diagnosis and management of Cornelia de Lange syndrome: first international consensus statement. Nat Rev Genet 2018;19:649–666.

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