Schistosomíase
Introdução
Definição
A Schistosomíase, também conhecida como Bilharzíase, é uma doença Infeciosa crónica causada por qualquer um dos tipos de Schistosoma – S. haematobium, S. mansoni, S. japonicum e, com menos frequência, S. mekongi e S. intercalatum.
Epidemiologia
Afecta mais de 200 000 000 de pessoas em todo o mundo, 90% das quais em África, predominantemente na África subsariana.
A faixa etária entre os 10 e os 15 anos de idade é a mais vulnerável à infeção. Esta ocorre durante exposição do corpo à extensões de água onde habita o seu hospedeiro intermediário, o caracol.
História Clínica
Patogenia / Fisiopatologia
As cercárias do schistosoma, libertadas pelo caracol, atravessam a barreira cutânea e dão origem a schistosomulus que entram na circulação. Os schistosomulus, uns continuam em circulação e outros alojam-se nos pulmões. Os primeiros provocam uma reacção imunológica, com deposição de complexos imunes e causam a Schistosomíase aguda. Os segundos passam dos pulmões para o sistema portal onde atingem o estado adulto e acasalam.
Os Schistosoma adultos acasalados podem produzir ovos durante vários anos. O destino dos ovos varia consoante a espécie. Os do S. haematobium seguem para o trato urinário, alojando-se alguns na mucosa vesical enquanto outros são excretados pela urina; os das outras espécies de Schistosoma têm vários destinos: uns seguem para o trato intestinal e alojam-se na respectiva mucosa enquanto outros são expelidos pelas fezes; outros ainda seguem para o fígado, Sistema Nervoso Central e pulmões.
Os ovos expelidos para o meio ambiente vão dar origem aos miracidas que vão penetrar no caracol, hospedeiro intermediário da doença, e assim se inicia um novo ciclo.
A doença crónica é causada pelos granulomas que se formam à volta dos ovos que ficaram alojados nos tecidos.
Quadro clínico / Exame objectivo
Tem início no local da entrada da cercária - prurido, edema, eritema e pápulas de resolução espontânea dentro de 10 dias.
Mais nos viajantes e raras nas populações residentes em zonas endémicas, podem surgir depois as mais variadas manifestações sistémicas (Schistosomíase aguda) – febre, suores, calafrios, cefaleias, tosse seca, diarreia, hepato-esplenomegalia, linfadenopatia, urticária e fadiga, que podem permanecer várias semanas.
Com o decorrer do tempo, a situação pode evoluir para a Schistosomíase crónica cujas manifestações dependem dos órgãos atingidos:
Fígado e baço (Fibrose hepática periportal) – hepato-esplenomegalia, hipertensão portal, ascite, varizes gástricas e esofágicas.
Intestinos - Diarreia sanguinolenta intermitente, tenesmo, polipose, anemia, hipoalbuminémia, invaginação intestinal, prolapso rectal e aglomeração de ovos nos gânglios mesentéricos e/ou peritoneu formando massas.
Rins e vias urinárias - Hidroureter, hidronefrose, fibrose vesical, hematúria, infecção urinária secundária e aumento de risco de cancro de bexiga.
Órgãos genitais - Lesão nas trompas de Falópio. Granulomas no colo uterino que macroscopicamente podem confundir-se com cancro.
Sistema Nervoso Central - Meningoencefalite, epilepsia focal, paraplegia.
Pulmões - Dificuldade respiratória, fadiga, dor torácica e sinais de insuficiência ventricular direita.
Outros locais - Articulações, placenta e pele podem também, mas raramente, ser afectadas pelos schistosomas.
Diagnóstico Diferencial
- Malária
- Febre tifóide
- Brucelose
- Leptospirose
- Estrongiloidíase
- Doenças que cursam com hematúria (Síndrome nefrítico, infecção urinária, doenças renais malignas,...)
- Apendicite
- Pancreatite
- Diarreias infecciosas
- Úlcera péptica
- Leishmaniose
- Hemoglobinopatias
- Hepatite viral
- Doenças mieloproliferativas
Exames Complementares
Patologia Clínica
O diagnóstico é confirmado pela presença de ovos de Schistosoma na urina – Schistosoma haematobium, ou
Ovos de Schistosoma nas fezes ou nos produtos de biópsia rectal – S. mansoni, S. japonicum, S. Mekongi e S. intercalatum.
É necessário saber distinguir os ovos vivos dos ovos mortos; estes últimos podem persistir anos e a sua presença não requer tratamento.
Existem serologias mas elas não distinguem infecções recentes das passadas.
Tratamento
A terapêutica da Schistosomíase é eficaz e geralmente feita num só dia.
Schistosomíase aguda:
- S. haematobium, S. mansoni, S. intercalatum, S. mekongi – praziquantel 20 mg / kg dose x/2, intervaladas 4-6h
- S. japonicum – praziquantel 20 mg / kg dose x/3, intervaladas 4-6h
- A terapêutica com praziquantel deve ser precedida de administração de prednisolona, 1 mg / kg, para evitar reacção aguda.
- Como o praziquantel tem pouca acção sobre os Schistosomulus a terapêutica deve ser repetida no fim de 3 meses.
Schistosomíase crónica:
- S. haematobium, S. mansoni e S. intercalatum – praziquantel 20 mg / kg dose x/2, intervaladas 4-6h
- S. japonicum e S. mekongi – praziquantel 20 mg / kg dose x/3, intervaladas 4-6h; o S. mekongi pode requerer mais doses para sua eliminação total
Lesão do Sistema Nervoso Central por qualquer espécie de Schistosoma:
- praziquantel 35 mg / kg dose x/3, intervaladas 4-6h.
Alternativa terapêutica – só para Schistosoma mansoni crónica:
- África: oxamniquine – 15 mg / kg dose x/2, intervaladas 6-8h, 2 dias
- Outras regiões do Globo: oxamniquine:
- Adultos 15 mg / kg dose única;
- Crianças 10 mg / kg dose x/2, intervaladas 6- 8h, 1 dia.
Com a administração de praziquantel em massa, que tem sido efectuada em regiões endémicas, a resistência pode vir a ser um grave problema.
Evolução
Com um bom cumprimento da terapêutica a cura efectiva verifica-se nos infectados que só estiveram de passagem por zonas endémicas.
Nos residentes em zonas endémicas as reinfecções são comuns.
Com tratamento, a produção de ovos diminui mais que 90%, mesmo nos casos em que a cura não foi total.
Os anticorpos persistem ao longo da vida e uma diminuição da sua taxa não significa cura.
Principalmente nos jovens, as lesões fibróticas / crónicas acabam por se resolver decorridos anos após tratamento médico, pelo que a cirurgia não é recomendada.
Recomendações
- Educação sanitária das populações.
- Controlo ambiental, biológico e químico dos caracóis para prevenir contaminação de extensões de água; técnicos especializados devem delinear programas de aplicação de moluscidas.
- Tratamento farmacológico em massa das populações com alta prevalência da doença.
- Em trabalho, ou em qualquer outra actividade em zona endémica, minimizar a exposição à extensões de água contaminada usando botas de borracha.
- As superfícies do corpo expostas a água contaminada devem ser secas e esfregadas vigorosamente com uma toalha, aplicando depois, se possível, álcool a 70%.
Bibliografia
- Davidson R, Brent A, Seale A. Oxford Handbook of Tropical Medicine 4th edition. Oxford University Press, 2014
- Kwan-Gett TSC, Kemp C, Kovarik C. Infectious and Tropical Diseases 1th edition. Mosby Elsevier 2006
- Matews PC. Tropical Medicine Notebook 1th edition. Oxford University Press, 2017
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