Menu

Introdução

Definição

O pericárdio é composto por duas membranas (visceral e parietal), separadas por uma pequena quantidade de fluido. A pericardite é a inflamação do pericárdio, com ou sem derrame e pode ser aguda ou crónica (> 3 meses). A pericardite constritiva caracteriza-se por espessamento e fibrose pericárdica, condicionando restrição do enchimento cardíaco diastólico.

Epidemiologia

A pericardite é uma doença sub-diagnosticada, com incidência descrita entre 3 e 28 casos/100 mil pessoas/ano, sendo maior em homens de 16-65 anos. Em autópsia aproxima-se de 1%. Até 15% dos casos associam-se a miocardite (miopericardite).

História Clínica

Anamnese

Em mais de 90% dos casos, o principal sintoma da pericardite aguda é a dor torácica, muitas vezes intensa, de localização retroesternal ou anterior esquerda, por vezes com irradiação para o pescoço, ombros ou membros superiores. Habitualmente a dor é pleurítica e agrava com o decúbito dorsal e alivia na posição sentada com o tronco inclinado para a frente. Tosse e dispneia podem ser sintomas associados.

A história clínica da pericardite vírica consiste habitualmente num pródromo de doença respiratória ou gastrenterológica autolimitada (presente em 40%-75% dos casos), seguida de dor torácica 10 a 14 dias depois, por vezes acompanhada de febre e dor abdominal.

Os doentes com pericardite bacteriana habitualmente cursam com quadro de sépsis.

Exame objectivo

O atrito pericárdico é um sinal patognomónico de pericardite aguda, que consiste num ruído de alta frequência, tipo arranhar ou lixar, que pode ocorrer ao longo de todo o ciclo cardíaco e é causado pela fricção entre as duas membranas pericárdicas inflamadas. Este achado não é frequente (presente em um terço dos casos), nem necessário para o diagnóstico e torna-se ainda menos frequente na presença de derrame pericárdico volumoso. No caso de tamponamento cardíaco os ruídos cardíacos podem estar abafados e verifica-se a presença de pulso paradoxal (diminuição da pressão arterial sistólica superior a 10mmHg durante a inspiração devido a uma maior   redução do débito sistémico durante esta fase do ciclo respiratório).

Nos casos de maior gravidade, incluindo as pericardites constritivas, os doentes apresentam sinais e sintomas de congestão a montante (edema, hepatomegalia, distensão venosa jugular) e baixo débito cardíaco.

Diagnóstico Diferencial

Os critérios para o diagnóstico de pericardite aguda são baseados nas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia e incluem (presença de 2 dos 4 critérios):

  • dor torácica típica
  • atrito pericárdico
  • elevação do segmento ST ou depressão do segmentoPR no ECG
  • derrame pericárdico (de novo ou a agravar)

O diagnóstico diferencial de dor torácica é extenso, mas as patologias que mais facilmente se confundem com pericardite são: pneumonia, costocondrite, pneumotórax, refluxo gastroesofágico, patologia abdominal, herpes zoster antes do aparecimento do exantema típico, tromboembolismo pulmonar, dissecção aórtica ou enfarte agudo do miocárdio (extremamente raro em idade pediátrica).

Por outro lado, embora incluem-se no diagnóstico diferencial de derrame pericárdico as diferentes causas de pericardite:

Pericardite infecciosa:

  • pericardite vírica, a mais comum em idade pediátrica, entre as quais se destacam as secundárias a Coxsackievirus e adenovírus, por outro lado ocorre derrame pericárdico em 25% das crianças com HIV;
  • pericardite bacteriana, mais grave, onde se destaca o S. aureus, principalmente por disseminação de pneumonia e após cirurgia cardíaca;
  • pericardite tuberculosa que cursa frequentemente com pericardite crónica e constritiva;

Outras causas, significativamente menos comuns, de pericardite incluem:

  • insuficiêncial renal crónica, menos frequente com o uso generalizado da diálise, 10% dos doentes têm pericardite;
  • doença de Kawasaki (fase aguda) provoca pericardite discreta em cerca de um terço dos casos;
  • pericardite induzida por fármacos como hidralazina, isoniazida, procainamida, fenitoína, etc;
  • hipotiroidismo, com instalação insidiosa e assintomática de derrame pericárdico, muito frequente nos doentes com mixedema;
  • trauma ou cirurgia cardíaca (síndrome pós-pericardiotomia), relativamente frequente e surge, em geral, uma semana após a intervenção;
  • doença neoplásica, secundária a infecções, invasão pericárdica, quimio e radioterapia;
  • doenças autoimunes ou do colagénio, entre as quais se destacam a artrite reumatóide juvenil e o lúpus eritematoso sistémico;
  • febre reumática, que pode ter envolvimento pericárdico em 10% dos casos;
  • quilopericárdio, após  cirurgia cardíaca, se ocorrer lesão do ducto torácico.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Existem várias técnicas laboratoriais de identificação vírica (no sangue, secreções ou líquido pericárdico). A etiologia tuberculosa deve ser cuidadosamente investigada em doentes imunodeprimidos. Se for necessária drenagem cirúrgica, deve ser feito estudo por anatomia patológica.

Quando coexiste miocardite, ocorre elevação dos biomarcadores cardíacos.

Electrocardiograma

É normal em 40% dos casos. O achado clássico é a elevação difusa do segmento ST. No caso de derrame pericárdico significativo observam-se complexos de baixa voltagem e variações cíclicas da amplitude do QRS.

Imagiologia

Radiografia do tórax

Habitualmente não está alterada. A presença de cardiomegalia implica derrame pericárdico significativo.

Ecocardiografia transtorácica

É sempre recomendada para detectar e quantificar derrames pericárdicos e suas consequências hemodinâmicas, embora possa ser normal em 40% dos casos. No caso de miopericardite podem observar-se as alterações típicas.

Tratamento

O tratamento médico das pericardites consiste no alívio sintomático e na utilização de anti-inflamatórios não esteróides (AINEs). A corticoterapia deve ser evitada nos casos de pericardite aguda, dada a frequência da etiologia infecciosa. A eficácia do tratamento coadjuvante com colchicina foi demonstrada maioritariamente em doentes adultos. Recomenda-se ainda a restrição da actividade física até resolução completa dos sintomas e normalização das alterações laboratoriais, electro e ecocardiográficas.

Nos casos de alto risco (febre > 38 ºC, instalação subaguda, derrame pericárdico significativo, ausência de resposta após 1 semana de terapêutica com AINEs, miopericardite, imunodepressão, trauma ou anticoagulação oral) justifica-se admissão hospitalar e pesquisa etiológica.

No caso de pericardite purulenta são necessários regimes prolongados de antibioterapia endovenosa. No caso de etiologia tuberculosa (mais frequente em doentes imunodeprimidos), deve instituir-se terapêutica dirigida.

A drenagem pericárdica (pericardiocentese) está indicada em situações de tamponamento (baixo débito cardíaco, hipotensão, pulso paradoxal), em doentes imunodeprimidos e nas pericardites bacterianas.

Ocasionalmente poderá ser necessário criar uma janela pericárdica para facilitar a drenagem, em especial nas pericardites constritivas.

Na pericardite recorrente refractária à terapêutica, está comprovada a eficácia do tratamento com antagonistas dos receptores da interleucina 1 como o Anakinra, embora seja de uso off-label.

Na pericardite crónica, o tratamento com imunoglobulina EV pode ter bons resultados.

Evolução

A maioria dos casos de pericardite aguda idiopática (70-90%) são autolimitados e não têm complicações significativas ou recorrência.

O prognóstico é mais reservado nas pericardites tuberculosas constritivas e nas pericardites purulentas (mortalidade 10-20%), especialmente nos doentes mais jovens, subnutridos ou sépticos à apresentação, no caso de tamponamento cardíaco, diagnóstico tardio, drenagem incompleta, coexistência de miocardite ou etiologia estafilocócica.

A pericardite constritiva é uma complicação rara, que normalmente se desenvolve algumas semanas após o diagnóstico e é mais frequente após um episódio de pericardite purulenta ou tuberculosa.

Bibliografia

  1. Lewinter MM, Imazio M. Pericardial Diseases. In: Zipes DP, editor. Braunwald's heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. 11th ed. Elsevier Inc.; 2018. p. 1662-80.
  2. Martins JD, Kaku S. Pericardite. In: Amaral JV, editor. Tratado de Clínica Pediátrica. 2nd ed. Abbott; 2013. P. 1033-4.
  3. Johnson JN, Cetta F. Pericardial Diseases. In: Allen HD, editor. Moss and Adams’ heart disease in infants, children, and adolescents including the fetus and young adult.  8th ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2013. p. 1350-62.
  4. Venugopalan P. Pediatric Infective Pericarditis. Medscape. 2018
  5. Baskar S, Klein AL, Zeft A. The Use of IL-1 Receptor Antagonist (Anakinra) in Idiopathic Recurrent Pericarditis: A Narrative Review. Cardiol Res Pract;2016:7840724

Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?

Envie as suas sugestões

Newsletter

Receba notícias da Pedipedia - Enciclopédia Online no seu e-mail