Otite Média Efusiva
Introdução
A Otite Média Efusiva (OME) corresponde à presença de fluído no ouvido médio, sem sinais de infeção aguda. O fluído acumulado medialmente à membrana timpânica (MT) diminui a sua mobilidade, condiciona uma barreira à condução sonora e aumenta o risco de otites médias agudas (OMA) de repetição.
Frequência
A OME ocorre principalmente entre os 6 meses e os 4 anos de idade. Cerca de 90% das crianças têm um episódio de OME antes da idade escolar. A maioria resolve espontaneamente em 3 meses, mas 30-40% apresentam OME recorrente e 5-10% dos episódios duram mais de 12 meses.
Etiologia
A OME é uma patologia multifatorial. Pode ocorrer após uma OMA ou por disfunção da trompa de eustáquio (TE). Nas crianças, a TE é imatura e encontra-se mais horizontalizada, o que contribui para o desenvolvimento e persistência da efusão no ouvido médio. Porém, esta estrutura pode encontrar-se disfuncional por rinossinusite alérgica, nasofaringite aguda e/ou hipertrofia das adenoides, condições igualmente frequentes em pediatria.
Os principais fatores de risco para OME são uma história familiar positiva, sexo masculino, uso regular de chupeta, frequência de infantário, exposição ao fumo do tabaco/lareira e hipertrofia adenoideia.
História Clínica
Diagnóstico
A OME é uma entidade subdiagnosticada, pois a maioria das crianças são assintomáticas e apresentam alterações auto-limitadas, com resolução em 4-6 semanas. Porém, a efusão provoca uma diminuição da mobilidade da MT e representa uma barreira à condução sonora, pelo que alguns doentes apresentam perda auditiva variável (hipoacusia de condução), a qual pode condicionar atraso de linguagem, alterações do comportamento e/ou défice de aprendizagem.
Embora menos comuns, podem estar presentes outros sintomas como acufenos, plenitude aural, desiquilíbrio ou irritabilidade. As OMAs recorrentes também podem ser um sinal indireto da existência de efusão persistente no ouvido médio, com aumento do risco infecioso. Por outro lado, otalgia ou febre são raros, exceto se OMA subjacente.
O diagnóstico de OME é clínico, baseado na história clínica e com recurso à otoscopia para avaliação da MT. Na OME, a MT apresenta-se retraída, opacificada, com mobilidade reduzida e com uma coloração cinzenta, translúcida ou amarelada. Adicionalmente, os testes auditivos costumam ser realizados para complementar a avaliação e auxiliar no diagnóstico. No timpanograma é frequente visualizar-se uma curva do tipo B (plana) e no audiograma podem constatar-se perdas auditivas ≥25dB.
Diagnóstico Diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais de OME em idade pediátrica incluem:
- OMA: presença de fluído no ouvido médio associado a sinais e sintomas agudos de inflamação/infeção, nomeadamente otalgia, e/ou febre em crianças mais velhas. Nos lactentes, os sintomas costumam ser mais inespecíficos como recusa alimentar, irritabilidade, dificuldade em dormir ou noção de desconforto local. A OMA geralmente ocorre como complicação de uma nasofaringite aguda, devido à acumulação de secreções respiratórias superiores que sobreinfetam. Se houver ruptura da MT pode surgir otorreia, com consequente alívio da sintomatologia. Na otoscopia é visível um eritema e abaulamento da MT, sendo que este último, quando presente, exclui OME.
- Corpo estranho no ouvido: em pediatria, a colocação de objetos no interior do ouvido é comum e, muitas vezes, não é percecionada pelos pais ou cuidadores. Um corpo estranho pode causar sintomas semelhantes à OME, tais como sensação de plenitude no ouvido ou perda auditiva. É crucial a realização da otoscopia para o diagnóstico definitivo.
- Barotrauma: pode ocorrer devido a mudanças bruscas de pressão, nomeadamente em viagens de avião ou mergulho, o que pode resultar na acumulação de fluídos no ouvido médio.
Exames Complementares
O diagnóstico de OME é clínico porém, perante uma OME crónica (duração ≥3meses), é frequente realizarem-se exames auditivos.
O timpanograma avalia a complacência da MT, a função da TE e a pressão no ouvido médio. Na OME, o tipo de curva mais comum é a do Tipo B: curva achatada, indicativa de efusão no ouvido médio que compromete a mobilidade da MT. Nos casos de disfunção da TE ou barotrauma podem surgir curvas do Tipo C - deslocada para pressões negativas.
O audiograma avalia a perda auditiva associada à presença de efusão. Na OME é frequente existir uma hipoacusia de condução, onde o fluído impossibilita a chegada do som ao ouvido interno. Podem identificar-se perdas auditivas leves/moderadas, especialmente nas frequências médias. Adicionalmente, este exame ajuda a monitorizar a evolução da OME, permitindo averiguar se a audição melhora com o tratamento.
Assim, uma hipoacusia de condução juntamente com um timpanograma Tipo B com volume de canal normal são sugestivos de OME.
Tratamento
Habitualmente, a OME é auto-limitada e resolve espontaneamente em poucas semanas. Contudo, quando cronifica, pode condicionar sequelas auditivas que comprometem o desenvolvimento da criança.
Observação e vigilância regular
Nos casos em que não há compromisso grave da linguagem ou do desenvolvimento, está recomendado adotar uma atitude expectante, principalmente nos primeiros 3 meses após o diagnóstico. Porém, é crucial manter uma vigilância clínica em consulta a cada 3-6 meses, com recurso aos exames de audição para monitorizar potenciais perdas auditivas.
Tratamento médico
O tratamento médico com antibióticos, anti-histamínicos, descongestionantes nasais, corticóides (CTT) nasais ou CTT sistémicos não está recomendado na OME, pois não parece acrescentar benefício relativamente à atitude expectante. Porém, na prática clínica, o uso de CTT nasal pode ser considerado nas crianças com infeções respiratórias recorrentes, com rinite alérgica e/ou hipertrofia adenoideia, principalmente durante o outono/inverno. Muitas vezes esta medida pode ser suficiente para solucionar a efusão e evitar o tratamento cirúrgico, pelo que deve ser testada durante 3-6 meses.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico de eleição consiste na miringotomia, com inserção de tubos de ventilação timpânica (TVT) e/ou adenoidectomia. Esta última está recomendada em crianças com ≥4 anos, onde é objetivada hipertrofia adenoideia que condiciona obstrução nasal marcada e/ou roncopatia. Portanto, os principais critérios para tratamento cirúrgico são:
- OME ≥3 meses com perda auditiva ≥41dB;
- OME ≥3 meses com perda auditiva entre os 16-40dB, associadas a compromisso escolar e da fala;
- Episódios de OME recorrentes (≥3 episódios e 6 meses ou ≥4 episódios em 12 meses);
- OME persistente ou recorrente em crianças de risco (perda auditiva permanente, atraso da linguagem, autismo ou outra perturbação do desenvolvimento, alterações crânio-faciais, défices visuais não corrigidos, fenda palatina ou atraso no desenvolvimento), independentemente do limiar auditivo;
- OME com danos estruturais da membrana timpânica ou do ouvido médio (bolsas de retração ou colesteatoma)
A extrusão dos TVT geralmente ocorre espontaneamente entre 6-12 meses após a sua colocação, com posterior encerramento e cicatrização da MT.
Evolução
Na maioria dos casos, a OME tem bom prognóstico, pois é auto-limitada e resolve espontaneamente em semanas a meses, sem quaisquer sequelas auditivas. Porém, quando a efusão persiste e não é convenientemente tratada, condiciona défices auditivos e de aprendizagem, mas também pode levar ao surgimento de alterações estruturais no ouvido médio.
Assim, as principais complicações da OME são: hipoacusia de condução, miringoesclerose (calcificação do tecido conjuntivo da MT), bolsa de retração da MT (2º à pressão negativa dentro do ouvido médio) e colesteatoma (acumulação anómala de epitélio descamativo ou queratina no interior do ouvido médio que pode condicionar destruição ossicular).
Cerca de 20-50% das crianças submetidas a tratamento cirúrgico têm recorrência da OME e podem necessitar de nova intervenção a médio prazo.
Recomendações
Embora não seja possível evitar totalmente a OME, existem algumas medidas que podem minimizar o seu desenvolvimento. Assim, é aconselhado promover a amamentação exclusiva até aos 6 meses e evitar o uso de biberão, evitar fumo de tabaco/lareira, adoptar medidas de etiqueta respiratória para prevenir infecções e reduzir a exposição a alergénios em crianças com antecedentes de atopia.
Estas medidas vão potenciar o correcto funcionamento da TE e possibilitar o arejamento adequado do ouvido médio.
Bibliografia
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