O papel da/o obstetra no aleitamento materno
Introdução
A amamentação tem benefícios cientificamente comprovados para a mãe, para a criança e, até mesmo, para a sociedade no geral.
A maioria das mulheres decide como vai alimentar o seu bebé ainda na fase pré-concepcional ou no início da gravidez.
Os estudos mostram que mais de metade das mulheres suspendem a amamentação antes do que desejavam. As razões mais frequentemente referidas são dor, problemas na pega, percepção de quantidade de leite insuficiente, infecções mamárias e preocupação sobre a segurança da toma concomitante de medicação.
Apesar de a amamentação ser considerada, frequentemente, como um assunto relativo à Pediatria pela sua associação exclusiva à alimentação do recém-nascido, as/ os médicos da especialidade de Ginecologia/Obstetrícia acompanham as mulheres durante o período em que esta decisão é tomada e são, frequentemente, quem avalia as mulheres quando surgem problemas com a amamentação (engurgitamento, lesões no mamilo, mastite).
Sabemos que, uma recomendação médica explícita para amamentar influencia positivamente o início da amamentação, a sua continuação e exclusividade. Num estudo, quando os profissionais de saúde encorajaram a mulher a amamentar, 74.6% destas mães iniciaram a amamentação em comparação com 43.2% das mulheres que não receberam encorajamento.
As mulheres que não recebem mensagens positivas sobre a amamentação da parte dos profissionais de saúde têm maior probabilidade de interromper a amamentação ou não o fazer em exclusividade. Mesmo a comunicação neutra da parte da/ o médico, influencia negativamente a duração da amamentação. O seu apoio à amamentação é, assim, uma barreira modificável ao sucesso da amamentação e, apesar destas recomendações, é um tema pouco debatido nas consultas pré-natais.
Será benéfica a intregração dos “10 passos para o sucesso da Amamentação”, recomendados pela OMS, nos cuidados obstétricos, para aumentar a probabilidade que a mulher atinja os seus objectivos pessoais de amamentação.
O papel do obstetra
Dado que a lactação é parte integrante da fisiologia reprodutiva, todas/os os ginecologistas/ obstetras e outros profissionais de saúde envolvidas/os nos cuidados obstétricos, devem adquirir e manter atualizado conhecimento e destreza para aconselhamento, avaliação física e apoio à fisiologia normal da amamentação e conduta nas principais complicações da lactação.
Apesar da amamentação ser um processo fisiológico, alguns médicos não se consideram capazes de resolver situações problemáticas na amamentação. Num dia-a-dia ocupado no consultório, pode parecer mais fácil recomendar a cessação da amamentação do que procurar uma solução para o problema. Contudo, é mais provável as mulheres arrependerem-se de não terem sido informadas sobre a amamentação do que sentirem-se culpadas.
A maioria das/os obstetras concorda que têm um papel no apoio e promoção da amamentação. Contudo, frequentemente, não se sentem preparados e confiantes para tal. Uma explicação pode ser o pouco tempo dispendido com este tema na formação médica universitária e no internato de Ginecologia/Obstetrícia.
A actuação da/o obstetra pode ter um impacto na amamentação nos períodos ante-parto, intra-parto e pós-parto.
Anteparto
A história da amamentação e exame físico da mama deve fazer parte dos cuidados na pré-concepção e gravidez. Esta avaliação cria oportunidade para discutir as alterações fisiológicas da mama durante a gravidez e assegurar à mulher que não tem nenhuma alteração anatómica que impeça a amamentação. É assim possível identificar também as raras condições que podem perturbar a amamentação tais como as mamas tuberosas e outras anomalias congénitas, mamilos invertidos ou cirurgia mamária prévia, esclarecer de que forma se podem contornar estas situações e encaminhar para apoio específico no pós-parto.
Relativamente às anomalias congénitas da mama, em alguns casos, pode haver apenas necessidade de tranquilizar mas, em outros casos, pode ser necessária uma maior atenção após o parto pelo risco de menor produção de leite.
Sobre as alterações dos mamilos, os verdadeiros mamilos invertidos são muito raros. Mesmo quando um mamilo está invertido, geralmente everte quando o recém-nascido começa a mamar.
Caso o mamilo esteja invertido e fixo devido a aderências, antes da mamada, a sucção gentil com uma bomba manual/elétrica (ou com uma seringa invertida) geralmente exterioriza o mamilo o suficiente para o recém-nascido fazer uma pega correta. A manipulação anteparto do mamilo não é necessária nem recomendada.
Os antecedentes de cirurgia mamária também são frequentes. Durante o planeamento de uma cirurgia mamária, a mulher e o profissional de saúde devem estar conscientes que esta pode interferir na amamentação. Quer a redução quer o aumento mamário estão associados a diminuição da lactação e as incisões peri-areolares são as mais prováveis de interferir com os ductos lactíferos e, deste modo, prejudicar a amamentação.
Durante a gravidez é importante também perceber se o desenvolvimento mamário é o esperado. Caso não exista aumento do volume mamário ou perda de colostro anteparto, deve ser considerado sinal de alerta.
O obstetra encontra-se numa excelente posição para discutir os benefícios maternos da amamentação, tais como a diminuição da hemorragia pós-parto, diminuição do risco de cancro da mama, diminuição do risco de cancro do ovário e atraso na ovulação contribuindo para um espaçamento mais saudável entre gestações.
Mesmo se a mulher tenha decidido alimentar o seu bebé com leite artificial, é recomendado que se converse sobre os benefícios materno-infantis da amamentação. Existindo sessões de esclarecimento sobre amamentação no hospital ou comunidade, a mulher deve ser encorajada a estar presente em pelo menos uma sessão.
Sobre o ambiente do consultório médico, os materiais de consulta da sala de espera não devem conter marketing a produtos substitutos do leite materno.
Intraparto
Os cuidados prestados durante o trabalho de parto e parto podem influenciar o sucesso da amamentação.
Foi demonstrado que parir num hospital com a distinção de “Amigo dos Bebés” aumenta a taxa de amamentação de uma forma diretamente proporcional ao número de passos incluídos na rotina hospitalar. Ou seja, é vantajoso ter a possibilidade de amamentar na primeira hora de vida, evitar a suplementação com leite artificial, alojamento conjunto, amamentação em livre demanda, evitar chupetas e bicos de silicone e a existência de apoio profissional e informação sobre a amamentação.
Os bebés devem ser mantidos em contacto pele-a-pele pelo menos até à primeira mamada, atrasando-se procedimentos não urgentes como a pesagem, a administração da vitamina K ou a profilaxia ocular.
As/os obstetras devem estar conscientes dos factores de risco para o atraso da lactogénese. Estes são, por exemplo, o prolongamento do segundo estádio do trabalho de parto, o parto por cesariana, um IMC elevado, existência de mamilos rasos ou invertidos, a primiparidade e o baixo peso do recém-nascido. Os partos vaginais espontâneos e não medicados e a presença de uma doula no parto aumentam a probabilidade de sucesso da amamentação, qualquer que seja o nível socio-económico da família.
É controversa a relação entre a analgesia/anestesia obstétrica e o início/duração da amamentação, principalmente em recém-nascidos saudáveis de termo. Contudo, as mulheres que optam por este método de alívio da dor no trabalho de parto devem ser avaliadas atentamente em relação a dificuldades na pega correta do recém-nascido. Mesmo existindo necessidade de realização do parto por cesariana sob anestesia loco-regional, o recém-nascido saudável deve ser colocado em contacto pele-a-pele com a mãe.
Pós-parto
Quanto mais fácil for a iniciação da lactação, menos provável é o desmame precoce.
As mulheres que têm dificuldade a amamentar têm um maior risco de depressão pós-parto e por isso devem ser rastreadas, tratadas e referenciadas apropriadamente.
Em recém-nascidos prematuros ou doentes, o encorajamento da amamentação ainda é mais importante, podendo mesmo ter efeitos na sua sobrevivência. Estas mães necessitam de um apoio especializado incluindo consultores de lactação, pessoal de enfermagem, neonatologistas e obstetras capazes de dar um apoio baseado na evidência científica existente.
No momento da alta hospitalar, as mulheres devem receber informação sobre grupos de apoio à amamentação na comunidade ou hospitalares e devem ser incentivadas a procurar ajuda caso surjam dificuldades ou dúvidas na amamentação.
As puérperas que amamentam beneficiam de uma consulta médica antes do prazo habitual das 6 semanas de pós-parto, principalmente numa primeira experiência de amamentação.
Sobre a prescrição medicamentosa, é importante que a/o obstetra consiga avaliar com precisão o risco da exposição infantil à medicação com o risco de interromper a amamentação ainda que temporariamente, dado o seu potencial para influenciar negativamente o sucesso da amamentação a longo prazo.
A maioria das medicações são seguras na amamentação e as/os profissionais de saúde devem recorrer a plataformas de confiança (como, por exemplo, o E-lactancia) para fazerem uma prescrição ajustada à amamentação.
Infelizmente, a maioria das decisões para parar a amamentação acontecem sem uma discussão com profissional de saúde ou então após o contacto com um profissional de saúde não informado adequadamente sobre amamentação que aconselha o desmame ou extracção com desperdício do leite, erradamente devido ao uso de medicações ou procedimentos.
Conclusão
A influência da/ o obstetra no sucesso da amamentação não deve ser subestimada. A educação médica sobre amamentação é essencial para prestar cuidados obstétricos de excelência. Profissionais de saúde não informadas ou mal informadas podem dar recomendações incorrectas às utentes e ter um efeito deletério na amamentação. Todas/os as/os obstetras devem manter-se atualizadas/os sobre este tema, recorrendo a fontes fidedignas de informação, para serem um recurso de grande valor para as suas utentes.
Bibliografia
- ACOG Committee Opinion, Optimizing Support for Breastfeeding as Part of Obstetric Practice. Number 658, February 2016
- Mass SB et al, Educating the Obstetrician About Breastfeeding. Clin Obstet Gynecol. 2015 Dec;58(4):936-43.
- Nichols-Johnson V, Promoting breastfeeding as an obstetrician/gynecologist. Clin Obstet Gynecol. 2004 Sep;47(3):624-31.
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