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Introdução

A miosite aguda benigna da infância (MABI) é uma inflamação muscular transitória e autolimitada, geralmente precedida por infeção viral. Afeta principalmente o sexo masculino, em idade pré-escolar e escolar, com frequência de 0,3-2,6/100.000 crianças, com variação sazonal.

ETIOLOGIA

Os vírus Influenza A e B são os mais comumente associados. A lesão muscular direta causada pelo vírus e a resposta inflamatória sistémica excessiva são mecanismos de lesão propostos.

A desidratação, desnutrição, imobilidade e queixas mais severas causadas pela infeção são fatores de risco para complicações.

História Clínica

ANAMNESE

Antes dos sintomas de MABI, ocorre normalmente na sequência de uma infeção vírica respiratória ou gastrointestinal.

O quadro clínico é marcado por dores musculares de início súbito, especialmente na região gemelar, que surgem em repouso (por exemplo ao acordar). Outras áreas musculares podem ser afetadas, embora menos frequentemente.

Dificuldade ou recusa da marcha são frequentes. Deve-se ainda averiguar a presença de urina escura (frequentemente por mioglobinúria), alterações cutâneas, fármacos cuja miosite é um efeito adverso (estatinas, ciclosporina, corticóides, antibióticos ou antivíricos) e traumatismo musculo-esquelético ou prática de exercício físico intenso.

EXAME FÍSICO

O exame físico inicia-se com a entrada da criança no consultório, se esta entra pelo próprio pé, com claudicação ou recusa da marcha (ao colo do acompanhante). O exame deve incluir:

  • Avaliação das cadeias musculares, especialmente os gastrocnémios, verificando dor ou hipersensibilidade à palpação, resistência à dorsiflexão passiva do pé ou possível edema.
  • Exame neurológico completo:
    • Força muscular geralmente preservada (pode estar um pouco diminuída pela dor);
    • Sensibilidade e reflexos osteo-tendinosos normais;
    • Avaliação da marcha, incluindo:
      • "Marcha nas pontas dos pés" (tip-toe gait);
      • "Marcha rígida" (Frankenstein gait);
      • Recusa total da marcha.

Avaliação de sinais de inflamação ou restrição articular.

Diagnóstico Diferencial

Achados específicos na história clínica ou exame físico, como alterações neurológicas, sintomas unilaterais, histórico de trauma ou sintomas prolongados, podem indicar outras condições além da MABI. O diagnóstico diferencial inclui:

  • Rabdomiólise: caracterizada pela tríade: mialgias, astenia e urina escura (presente em menos de 50% dos casos). Analiticamente com elevação mais importante da creatinina quinase (CK), alteração da função renal, alterações eletrolíticas, entre outros.
  • Ataxia;
  • Síndrome de Guillain-Barré; 
  • Dermatomiosite;
  • Polimiosite;
  • Osteomielite;
  • Artrite.

Exames Complementares

O diagnóstico de MABI é essencialmente clínico. No entanto, podem ser necessários alguns exames complementares para excluir complicações: 

  • Estudo analitico
    • CK: elevada, até 5 vezes o limite superior do normal;
    • Mioglobina: elevada;
    • Hemograma e Ionograma: geralmente normais;
    • Função renal: normal; alterações sugerem rabdomiólise;
    • Transaminases: normais ou ligeiramente elevadas;
    • Lactato desidrogenase e proteína C reativa: normais ou levemente aumentadas.
  • Sumário de urina e sedimento
    • Mioglobinúria: ausente na MABI, frequente na rabdomiólise; urina escura-acastanhada com tira-teste urinária positiva para “sangue” mas sedimento urinário sem eritrócitos).

A identificação do possível agente vírico apenas será útil se houver necessidade protocolar no hospital, em caso de indicação para internamento.

Tratamento

O tratamento da MABI inclui hidratação e controlo da dor. A rabdomiólise deve ser excluída, ainda que não haja critérios definitivos para seu diagnóstico. 

Se não houver sinais de rabdomiólise, o tratamento pode ser realizado em regime ambulatório, se não houver recusa da marcha ou intolerância oral. A criança poderá ter alta com reforço da hidratação oral, repouso e controlo das queixas álgicas. Deverá ser reavaliada se sem melhoria após 72 horas e realizado novo doseamento da CK sérica após quatro semanas.

Se houver recusa da marcha ou intolerância oral, o internamento está indicado, com necessidade de fluidoterapia endovenosa para as necessidades básicas, repouso e controlo da dor. Deve ser realizada monitorização da CK sérica, pelo menos a cada 12 horas, até iniciar perfil descendente. A criança pode ter alta após recuperação da autonomia da marcha e tolerância oral.

NOTA: Se suspeita de rabdomiólise, com valores séricos de CK superiores a 5 vezes o limite superior do normal e em elevação, deverá ser realizado internamento com fluidoterapia intensiva, seguindo-se protocolo de rabdomiólise.

Evolução

A MABI é uma condição benigna e autolimitada, com excelente prognóstico.

A recuperação completa ocorre cerca de uma a duas semanas depois, com normalização da CK em três semanas.

Recomenda-se reavaliação clínica e laboratorial após três a quatro semanas do episódio.

Recomendações

A maioria dos episódios de MABI são precedidos de infeções víricas, pelo que a evicção de contacto com doentes pode prevenir alguns casos.

Além disso, a hidratação oral e a analgesia adequadas previnem a desidratação e imobilidade, permitindo a diminuição da probabilidade de se desenvolverem sintomas mais graves, que possam implicar internamento. 

Bibliografia

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