Menu

Introdução

Definição

A miocardite é uma doença inflamatória do músculo cardíaco cuja apresentação varia de subtil a devastadora. Caracteriza-se por infiltrado leucocitário com degenerescência e/ou necrose não isquémica dos miócitos adjacentes que resulta em anomalia cardíaca estrutural e funcional.

Epidemiologia

A miocardite é uma entidade subdiagnosticada, registando-se incidência clínica menor (0,01 a 0,3%) do que necrópsica (1 a 9%).

As causas conhecidas são: infecciosa, auto-imune, tóxica e hipersensibilidade. Estima-se que até 1-4% dos doentes com infecção aguda a enterovírus possam ter envolvimento miocárdico.

História Clínica

Anamnese

No mundo desenvolvido a infecção viral é a etiologia mais comum de miocardite, pelo que o quadro clínico de insuficiência cardíaca (IC) é comummente precedido dias a semanas por síndrome gripal inespecífica ou gastroenterite.

A apresentação clínica da miocardite é muito variável, pode haver instalação súbita ou mais prolongada de insuficiência cardíaca, ou mesmo ser assintomática, nos casos mais ligeiros.

Em qualquer idade, a primeira manifestação da doença pode ser arritmia ou morte súbita, mas os primeiros sintomas são, normalmente, prostração, febre baixa e palidez, usualmente associada a diminuição do apetite, vómitos e dor abdominal (secundárias a baixo débito intestinal). Hipersudorese, palpitações, oligúria, intolerância ao esforço e mal-estar geral também são frequentes. Posteriormente no curso da doença, os sintomas repiratórios podem predominar.

Os recém-nascidos e doentes mais jovens podem apresentar-se com irritabilidade e têm taxas de mortalidade mais elevadas, pelo que devem receber tratamento adequado precocemente. As crianças mais velhas e os adolescentes podem referir toracalgia, possivelmente relacionada com isquemia ou pericardite associada.

O estado clínico dos doentes que se apresentam com insuficiência cardíaca pode deteriorar-se rapidamente, mesmo com tratamento de suporte.

Exame objectivo

O quadro clínico mais específico relaciona-se com insuficiência cardíaca de instalação aguda, com sinais de congestão, como hepatomegalia e polipneia e/ou diminuição do débito cardíaco, como taquicardia, amplitude diminuída do pulso periférico, pulso alternante, extremidades frias, reperfusão capilar prolongada, pele pálida ou marmoreada, ocasionalmente com alterações à auscultação, como galope e sopro holossistólico (secundário a regurgitação valvular AV).

Nos adolescentes pode ainda haver distensão venosa jugular, edema e fervores respiratórios e a taquicardia em repouso pode ser significativa. Pode ainda ocorrer ectopia ocasional, arritmias ou bloqueio AV.

Diagnóstico Diferencial

Incluem-se no diagnóstico diferencial de miocardite as causas de falência circulatória aguda, consoante a idade de apresentação:

  • Recém-nascido e lactente: sépsis, hipóxia, hipoglicemia, hipocalcemia, cardiopatia estrutural (estenose valvular aórtica, coarctação aórtica), cardiomiopatia dilatada (CMD) idiopática, origem anómala da artéria coronária esquerda a partir da artéria pulmonar (ALCAPA), malformação arteriovenosa (MAV) cerebral.
  • Criança: CMD idiopática, CMD ligada ao cromossoma X, CMD autossómica dominante, ALCAPA, fibroelastose endomiocárdica, taquiarritmia crónica, pericardite.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Habitualmente há elevação dos marcadores inflamatórios séricos e das enzimas cardíacas (secundária à mionecrose cardíaca). O doseamento de BNP e proBNP ajuda a identificar os doentes com IC. Várias técnicas laboratoriais permitem a identificação vírica por PCR (no sangue, secreções ou músculo cardíaco), embora o gold standard seja a análise histopatológica de fragmentos miocárdicos.

Se a biópsia for feita nos dois primeiros meses de doença, até 40% dos doentes terão alterações compatíveis com os critérios de Dallas.

Electrocardiograma

O electrocardiograma revela alterações da repolarização e, por vezes, baixa voltagem dos complexos QRS e extrassistolia ventricular.

Imagiologia

A radiografia do tórax pode mostrar sinais de congestão pulmonar e cardiomegalia. O ecocardiograma avalia a dilatação e função ventricular esquerda e eventual regurgitação valvular AV ou derrame pericárdico. A RM cardíaca tem-se revelado muito útil na avaliação das dimensões e função ventriculares e na pesquisa de edema e fibrose miocárdica.

Tratamento

O tratamento da miocardite deve ser adequado à apresentação clínica. No entanto, mesmo no caso de sintomas ligeiros de insuficiência cardíaca congestiva e débito cardíaco preservado pode existir progressão rápida para descompensação cardíaca.

A abordagem urgente no caso de doença clinicamente significativa inclui a monitorização cardíaca para identificação de disritmias, administração de oxigénio suplementar e a gestão do equilíbrio hídrico.

O repouso é sempre necessário na fase aguda da doença e pode diminuir a replicação vírica intramiocárdica. A actividade física deverá ser retomada consoante a recuperação clínica.

Consoante a gravidade da apresentação clínica, o tratamento pode incluir:

  • tratamento sintomático com diuréticos e vasodilatadores, igualmente importantes na redução da pós-carga e optimização da remodelação miocárdica, com evidência significativa do benefício a longo prazo;
  • anticoagulação profilática, à semelhança de CMD por outras causas, embora sem evidência definitiva;
  • abordagem agressiva de eventuais arritmias;
  • suporte inotrópico endovenoso (ex. milrinona, dopamina, etc.) nos casos de descompensação grave, em regime de cuidados intensivos, embora com elevado risco arritmogénico;
  • utilização de dispositivos externos de assistência ventricular.

Recentemente, têm sido propostos vários tratamentos que visam interferir nos mecanismos fisiopatológicos da doença. Destaca-se a administração endovenosa de gamaglobulina na fase aguda (de eficácia não demonstrada), na dose de 2 g/Kg.

Não existe consenso quanto à utilidade da terapêutica imunossupressora (corticóides, ciclosporina), considerando-se prudente a sua não utilização na fase aguda da doença (por risco de agravamento da disseminação vírica). A utilidade da terapêutica imunossupressora passada a fase aguda é apoiada em vários ensaios clínicos não controlados.

A terapêutica específica antivírica tem sido aplicada nalguns centros (aciclovir para o Vírus Epstein-Barr e pleconaril para os enterovírus). O desenvolvimento de uma vacina antienterovírus e adenovírus poderá contribuir decisivamente para o combate à miocardite vírica.

Evolução

A sobrevida dos doentes com miocardite admitidos no hospital pode atingir 80%, graças à utilização de dispositivos externos de assistência ventricular. Metade tem recuperação completa, mas crianças e adultos devem manter o acompanhamento, dada a possibilidade de sequelas futuras.

A longo prazo, até 25% dos doentes mantém alterações electrocardiográficas (em repouso ou em esforço) e radiografia torácica anormal, mesmo se assintomáticos.

Por outro lado, até um terço dos sobreviventes virá a necessitar de transplante cardíaco. A idade jovem e insuficiência cardíaca à apresentação, nomeadamente hipotensão, sinais de congestão e hepatomegalia, são factores de mau prognóstico.

A miocardite aguda em recém-nascidos e lactentes é uma doença muito grave, especialmente quando secundária a infecção por coxsackievirus B (até 75% de mortalidade). Em crianças mais velhas a taxa de mortalidade é menor (10-25%), e ocorre maioritariamente na primeira semana de doença.

Recomendações

Nos casos suspeitos, o diagnóstico e terapêutica são urgentes e o internamento é aconselhado mesmo nos casos de IC ligeira, dado o risco de progressão rápida.

Recomenda-se a avaliação por um cardiologista pediátrico e eventual transferência para unidade médica com cuidados intensivos e de cardiologia pediátrica.

Bibliografia

  1. Berger S. Pediatric Viral Myocarditis. Medscape. 2015
  2. Tang WHW. Myocarditis. Medscape. 2016
  3. Martins JD, Kaku S. Miocardite. In: Amaral JV, editor. Tratado de Clínica Pediátrica. 2nd ed. Abbott; 2013. P. 1031-2.
  4. Singh RK, Yeh JC, Price JF. Diagnosis and treatment strategies for children with myocarditis. Prog Pediatr Cardiol. 2016;43:23–30
  5. Towbin JA, Lorts A, Jefferies JL. Myocarditis. In: Allen HD, editor. Moss and Adams’ heart disease in infants, children, and adolescents including the fetus and young adult.  8th ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2013. p. 1247-66.

Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?

Envie as suas sugestões

Newsletter

Receba notícias da Pedipedia - Enciclopédia Online no seu e-mail