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Introdução

Definição

Litíase urinária é a presença de partículas sólidas (cálculos) no aparelho urinário.

Epidemiologia

Ocorre mais tipicamente entre os 8-10 anos e tem maior incidência no sexo masculino (alguns estudos indicam incidência semelhante entre os géneros). A incidência tem vindo a aumentar nos últimos anos para 1-5%.

História Clínica

Anamnese

A prevalência dos cálculos distribui-se da seguinte forma:

Oxalato de cálcio

45-65%

Fosfato de cálcio 14-30%
Estruvite 13%
Cistina 5%
Ácido úrico 4%
Misto 4%

A etiologia é multifactorial. Os factores predisponentes são: metabólicos, infecções do aparelho urinário (20-25%), anomalias estruturais (10-25%) e factores dietéticos ou medicamentosos.

É importante, na história clínica, averiguar nos antecedentes familiares se existem casos de litíase urinária, doenças hereditárias do metabolismo, malformações renais e hiperuricemia. Nos antecedentes pessoais questionar sobre a história pré e neonatal, ver a evolução estaturo-ponderal, história nutricional/ingestão hídrica, dieta cetogénica, se teve períodos de imobilização, se faz ou fez alguma medicação (zonisamida, topiramato, hidroclorotiazida, furosemida, acetazolamida, alopurinol, indinavir) e suplementos minerais, se tem alguma doença gastrointestinal (Doença inflamatória intestinal, Fibrose quística, ressecção intestinal), se tem alguma anomalia do aparelho urinário (hidronefrose, megaureter, bexiga neurogénica) e se tem infecções urinárias recorrentes.

Exame objectivo

Os sintomas e sinais variam de acordo com a idade e a localização do cálculo no aparelho urinário. Cerca de 15-20% são assintomáticos (principalmente nas crianças mais novas).

Em 50-75% dos casos apresentam dor abdominal/flanco:

  • > 5 anos – “cólica renal” (dor com irradiação para a fossa ilíaca ou zona genital).

O quadro pode manifestar-se com hematúria macroscópica (30-55%), disúria e urgência (10%), náuseas e vómitos (10%) e irritabilidade (mais novos).

No exame objetivo deve-se avaliar o peso e altura; a pressão arterial e presença de edemas periféricos; a temperatura; abdómen doloroso ou com massas palpáveis e o sinal de Murphy (que se pode encontrar positivo).

Diagnóstico Diferencial

Consoante a apresentação clínica:

  • Dor abdominal/flanco: gastroenterite aguda, infecção urinária, apendicite aguda, patologia do foro ginecológico, pneumonia da base;
  • Hematúria: balanite, trauma; glomerulonefrite pós-infecciosa.

Exames Complementares

Patologia Clínica

  • Estudos de factores metabólicos: Hemograma, ureia, creatinina, sódio, potássio, cloro, cálcio, fósforo, magnésio, ácido úrico, fosfatase alcalina, pH e bicarbonato, PTH, 25 OH vitamina D, oxalatos
  • Urina II, microscopia do sedimento urinário, urocultura, creatinina, cálcio
  • Volume total de urina se amostra de 24h ou em amostra única matinal: sódio, potássio, ácido úrico, oxalatos, fosfato, magnésio, cistina, citrato; relação de cada constituinte com a Creatinina U (se urina ocasional).
Tabela 1. Valores de referência de excreção de metabolitos urinários em amostra única e urina de 24h. (CrU –creatinina urinária)

Cálcio U/CrU (2h após ingestão de alimentos)

6-12 meses: 1-2 anos: 2-3 anos: >3 anos:

Cálcio urina 24h

ou

Ácido Úrico U/CrU (2h após ingestão de alimentos)

RNPT 29-33 semanas: RNPT 34-37 semanas: RNT: 1-2 anos: 3-4 anos: 0,66 -1,1 mg/mg  
5-6 anos: 0,57-0,92 mg/mg
7-8 anos: 0,44-0,8 mg/mg
9-10 anos: 0,40-0,72 mg/mg
11-12 anos: 0,35-0,61mg/mg
13-14 anos: 0,28-0,50 mg/mg
>14 anos: 0,24-0,44 mg/mg

Ácido Úrico urina 24h

Magnésio U/Cr U (2h após ingesta alimentos)

1–2 anos: 0,09 – 0.37 mg/mg
2–3 anos: 0,07 – 0,34 mg/mg
3-5 anos: 0,07– 0,29 mg/mg
5-7 anos: 0,06 – 0,21 mg/mg
7-10 anos:0,05-0,18 mg/mg
>10 anos:0,05-0,15     mg/mg

Magnésio urina 24h

>1,2 mg/kg/dia

Oxalato U/CrU (2h após ingesta alimentos)

6-12 meses: 1-2 anos: >2 anos:

Oxalato urina 24h

ou

Fósforo U/Cr U

0-2 anos: 0,80-2,00 mg/mg
3-5 anos:0,33-2,17 mg/mg
5-7 anos: 0,33-1,49 mg/mg
7-10 anos: 0,32-0,97 mg/mg
11-14 anos: 0,22-0,86 mg/mg
>14 anos:0,15-0,76 mg/mg

Fósforo urina 24h

7,8 – 17 mg/kg/dia

ou  

Citrato U/Cr U

0-5 anos:>0,42 mg/mg
>5 anos:>0,25 mg/mg

Citrato Urina 24h  

>365 mg/1,73m2/dia

ou    

≥4,5 mg/kg/dia

Cistina U/Creat U

Cistina Urina 24h

Imagiologia

A ecografia renal e vesical é o exame de primeira linha para diagnosticar os cálculos renais e ureterais (estes com menor sensibilidade, principalmente se

Se houver alterações na avaliação analítica mas com ecografia normal deve-se realizar TC sem contraste. A TC tem radiação ionizante mas tem maior sensibilidade do que ecografia (cálculos pequenos

A radiografia renovesical pode ser efetuada se a ecografia e a TC não estiverem disponíveis. A radiografia só identifica cálculos radiopacos (oxalato e fosfato de cálcio) e não detecta cálculos radiolucentes (ácido úrico).

Tratamento

O tratamento da cólica renal baseia-se na hidratação oral ou endovenosa e analgesia:

  • Paracetamol 10 - 20 mg/Kg/dose de 6/6h, máx. 1000mg/dose
  • Metamizol (> 1 ano) – 10 - 12 mg/Kg/dose, máx. 2000mg/dose
  • Opióides ev:
    • Tramadol (>12 anos) – 1 - 2 mg/Kg/dose, máx. 400mg/dia
    • Morfina – 0,05 - 0,1 mg/Kg/dose, máx. 10mg/dose

Como 1ª linha temos os anti-inflamatórios não esteróides:

  • Ibuprofeno 7,5 - 10 mg/Kg/dose, 8/8h, máx. 600mg/dose, PO
  • Cetorolac ev
    • > 2 anos – 0,5 mg/kg/dose, 6/6h, máx. 30 mg/dose;

Podem ser usados alfabloqueantes para que haja uma dilatação do ureter e mobilização do cálculo:

  • Sinais imagiológicos de obstrução
    • Tansulosina PO (off label)
      • 2-4 anos – 0,2 mg 24/24h;
      • >4 anos – 0,4 mg, 24/24h.

Anti-espasmódico:

  • Butilescopolamina (PO, EV, IM, retal)
    • > 6 anos (principalmente adolescentes) – 10 mg/dose.

Cirurgia:

Tem indicação para intervenção cirúrgica se apresentar:

  • Dor intensa refractária (em especial nos cálculos na junção uretero-pélvica ou ureterovesical) e acompanhada de obstrução;
  • Obstrução urinária (completa ou parcial se rim único);
  • Cálculo com>5 mm;
  • Sinais de infecção;
  • Cálculos de estruvite;
  • Insuficiência renal;
  • Cálculos sintomáticos/assintomáticos sem progressão com terapêutica médica após 2-4 semanas.

Os métodos cirúrgicos são: litotrícia extracorporal para cálculos ureterorrenoscopia para cálculos nefrolitotomia percutânea para cálculos > 20mm e complexos (por exemplo coraliformes) ou cirurgia convencional.

Se houver um quadro de vómitos persistentes/intolerância oral; dor intensa não controlada com analgésicos orais; alterações da função renal; oligúria/anúria; rim único; infeção (urosépsis) a criança pode ter indicação para internamento.

Algoritmo clínico

O estudo metabólico deve ser realizado em ambulatório, sob dieta habitual e sem infecção activa (mínimo um mês após o episódio). O estudo metabólico da urina deve ser idealmente numa urina de 24 horas mas poderá ser utilizada amostra pontual de urina (3 amostras em dias diferentes) em crianças sem continência de esfíncteres.

Evolução

A criança deve ser encaminhada para a consulta de nefrologia e/ou urologia e deve adoptar medidas gerais na sua vida diária:

  • Aumento da ingestão hídrica
    • Quantidade de acordo com a faixa etária
  • Nutrição
    • Evitar dietas estritamente vegetarianas;
    • Evitar excessivo de proteína animal e sal;
    • Evitar o consumo excessivo de vitamina C e vitamina D;
    • Consumir alimentos ricos em fitatos (cereais não refinados, feijão, frutos secos).

Não existem muitos dados sobre o prognóstico mas há a probabilidade de desenvolver doença renal crónica, dependendo da presença e gravidade de alterações metabólicas.

Recomendações

A litíase urinária tem cerca de 30% de recorrência. Os doentes com alterações metabólicas apresentam maior risco. Para prevenir a formação de novos cálculos deve-se manter a alimentação e os cuidados programados na consulta.

Bibliografia

  1. Rosa Vieira E, Janeiro M, Gonçalves M. Litíase do aparelho urinário em idade pediátrica - Experiência de um centro. Acta Pediatr Port 2015; 46:18-23.
  2. Smith J, Stapleton FB. Epidemiology of and risk factors for nephrolithiasis in children. Uptodate. Disponível em: www.uptodate.com (ultima atualização em abril/2018).
  3. Rodrigo Jiménez MD, Vicente Calderón C. Litiasis renal e hipercalciuria idiopática. Protoc diagn ter pediatr. 2014;1:155-70.
  4. Alelign T, Petros B. Kidney Stone Disease: An Update on Current Concepts. Adv Urol. 2018: 3068365.

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