Introdução
Definição
Ingestão acidental ou voluntária de uma substância caustica, ou seja uma substância capaz de causar queimadura ou corrosão de tecidos orgânicos, por acção química.
Epidemiologia
Cerca de 80% dos casos ocorrem em crianças com menos de 5 anos.
Nas crianças jovens, a maior parte das vezes, ocorre por ingestão acidental e é mais frequente no sexo masculino, enquanto nos adolescentes é mais frequente a tentativa de suicídio e ocorre mais no sexo feminino.
A gravidade das lesões varia consoante a substância ingerida, a quantidade ingerida, a concentração do produto, a forma líquida ou sólida e a duração do contacto do produto com a mucosa.
As bases são mais responsáveis por lesões significativas e perfuração esofágica ou gástrica do que os ácidos porque penetram nos tecidos continuando a sua destruição até a base ser neutralizada. As bases corrosivas mais frequentes são o hidróxido de potássio e o hidróxido de sódio, enquanto os ácidos mais agressivos são o clorídrico, o sulfúrico e o muriático. O hipoclorito de sódio (lixívia caseira) raramente causa lesão esofágica ou gástrica grave devido à sua baixa concentração.
As substâncias corrosivas mais frequentemente ingeridas são produtos de limpeza domésticos e cosméticos. Os produtos mais corrosivos, para o esófago são: cápsulas de detergente para máquina de lavar, detergentes industriais e pilhas alcalinas. O ácido sulfúrico é o produto mais corrosivo para o estômago, podendo causar estenose pilórica.
A maior parte das vezes, a quantidade ingerida é pequena, resultando lesões ligeiras, mas se se trata de tentativa de suicídio, as quantidades podem ser maiores, com lesão grave do esófago e estômago.
As lesões mais significativas ocorrem com a ingestão de líquidos porque são melhor deglutidos, enquanto os sólidos são imediatamente irritantes e mais difíceis de engolir.
História Clínica
Anamnese
Deve sempre tentar saber-se o tempo de exposição ao produto, a quantidade ingerida e, se possível, qual o produto exacto e o seu PH, porque a gravidade das lesões resultantes depende sempre mais destas informações do que da intensidade dos sintomas. Os sintomas são geralmente exuberantes com vómitos, disfagia, recusa alimentar, hematemeses e dor abdominal ou torácica, mesmo com lesões ligeiras. A disfagia é o sintoma mais frequente e surge inicialmente por edema e espasmo esofágico. Nas lesões graves, há inicialmente, na fase aguda, dor intensa e disfagia que regridem em 2 a 4 semanas para surgir depois a fase subaguda com formação de estenose, tornando a deglutição novamente difícil. Podem também existir sintomas respiratórios com dificuldade respiratória importante, estridor e adejo nasal, devidas a lesão da epiglote, especialmente frequente em crianças com menos de 2 anos, podendo necessitar intubação orotraqueal de emergência. Sinais que sugerem perfuração esofágica são uma dor retro esternal ou dorsal intensa e mantida com aparecimento de febre. Dor abdominal intensa e mantida, com defesa à palpação sugere a possibilidade de perfuração gástrica com peritonite.
Exame objectivo
Devem procurar-se lesões de queimadura dos lábios ou na orofaringe, embora isso não seja preditivo da gravidade das lesões internas. Apenas em cerca de 20% dos casos com lesões da orofaringe se encontram lesões esofágicas.
A presença de sintomas ou lesões de queimadura da mucosa oral não significa necessariamente lesão esofágica ou gástrica grave. Por outro lado, pode haver lesão grave interna sem que existam sintomas ou sejam evidentes grandes lesões da mucosa oral.
Diagnóstico Diferencial
Reacção anafiláctica – se não for conhecida a história de ingestão caustica e não houver lesões orais visíveis, os sintomas respiratórios, quando presentes, podem assemelhar-se aos da anafilaxia.
Aspiração de corpo estranho – a sintomatologia respiratória que acompanha esta situação também simula a da ingestão de substância caustica.
Exames Complementares
Endoscopia digestiva alta
É o único método mais preciso na identificação da lesão esofágica e/ou gástrica. Deve realizar-se em todos os casos de suspeita de ingestão de caustico, mesmo na ausência de sintomas. Deve ser realizada nas primeiras 24 horas após a ingestão do produto, observando todo o esófago e estomago para uma avaliação completa da extensão da queimadura.Clique aqui para inserir texto.
Radiografia toracoabdominal
Pode sugerir perfuração esofágica ou gástrica pela existência de enfisema mediastínico, alargamento do mediastino, derrame pleural ou pneumoperitoneu.
Tratamento
Tratamento conservador
Em nenhum caso de suspeita de ingestão de cáusticos deve ser provocado o vómito ou efectuada lavagem gástrica ou neutralização do agente caustico.
Pode ser necessário internamento hospitalar quando há sintomatologia respiratória importante, inclusivamente com intubação endotraqueal em alguns casos mais graves.
O tratamento com corticosteróides é controverso, podendo usar-se metilprednisolona em doses elevadas durante 3 a 5 dias, com eventual benefício na prevenção da estenose.
Devem usar-se antibióticos profilacticamente assim como antiácidos nas queimaduras graves com risco de perfuração.
A criança é mantida em pausa alimentar até que seja possível a deglutição.
No caso de queimadura esofágica moderada ou grave há indicação para colocação de uma sonda nasogástrica que permite a alimentação entérica e manter acesso ao esófago para dilatação mais tarde, se necessário. A sonda nasogástrica deve ser colocada sob visão endoscópica, para não correr o risco de perfurar o esófago.
Se há queimadura gástrica ou esofágica extensa pode ter de realizar-se gastrostomia e / ou alimentação parentérica durante a fase aguda.
No caso de perfuração esofágica e / ou gástrica ou fistula traqueoesofágica, dependendo das alterações sistémicas presentes, pode ter de optar-se pela exclusão esofágica com esofagostomia cervical e gastrostomia.
A dilatação esofágica sob visão endoscópica é o método de eleição quando há sinais nítidos de estenose esofágica após a fase de cicatrização. As dilatações podem causar perfuração esofágica mais facilmente do que em estenoses esofágicas de outra causa que não a caustica.
Podem ter de manter-se dilatações repetidas durante mais de um ano após a queimadura porque, ao contrário das cicatrizes da esofagite por refluxo gastroesofágico, nas estenoses cáusticas do esófago as dilatações crónicas por vezes não têm tão bons resultados.
A estenose do piloro pode ser tratada com dilatação, como a estenose esofágica.
Tratamento cirúrgico
Se há uma estenose resistente às dilatações ou surge fistula traqueoesofágica ou perfuração esofágica extensa, não devem continuar-se as dilatações e deve optar-se pela substituição esofágica.
Ocasionalmente a necrose esofágica pode necessitar esofagectomia de emergência com esofagostomia cervical e gastrostomia.
Uma queimadura grave em que o esófago esteja substituído por uma cicatriz densa exige esofagectomia com interposição cólica ou tubo gástrico, geralmente 2 anos após a lesão.
No caso de estenose do piloro, em caso de insucesso das dilatações, pode ter de se optar por gastro-jejunostomia.
Evolução
A ingestão de cáusticos pode causar lesão aguda grave e complicações a longo prazo.
As queimaduras graves podem causar perfuração esofágica ou gástrica, embora seja raro tal acontecer. Há maior risco de perfuração nas 2 primeiras semanas pós-queimadura, sendo, a partir daí, mais provável o desenvolvimento de estenose.
A complicação mais frequente da ingestão de cáusticos é a estenose esofágica que surge em cerca de 50% dos casos com lesão esofágica.
Também pode surgir estenose pilórica, nas lesões gástricas.
È importante ter presente que cerca de 2% das lesões esofágicas causticas desenvolvem carcinoma esofágico, que por vezes tem um período de latência de mais de 20 anos.
Recomendações
Todas as crianças com queimadura esofágica moderada ou grave devem manter seguimento com esofagoscopia e esofagograma durante 1 ano para detectar as estenoses esofágicas mais tardias. A primeira avaliação deve realizar-se 3 semanas após a queimadura, ou antes se houver disfagia.
Sempre que seja necessária substituição esofágica por grave lesão do esófago, deve realizar-se esofagectomia electiva para prevenção do carcinoma. Recomenda-se vigilância endoscópica das crianças que tiveram lesão caustica do esófago até 15 a 20 anos após a lesão para despiste de carcinoma.
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