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Introdução

Definição

A infeção do trato urinário (ITU) define-se pela presença de bactérias de uma só estirpe, com uma contagem de colónias significativa numa amostra de urina colhida de forma adequada, num lactente ou criança com quadro clínico sugestivo.

Nas crianças com idade inferior a 2 anos, a clinica é inespecífica sendo fundamental o alto grau de suspeição; neste grupo etário sintomas incluem febre, vómitos, prostração, irritabilidade, recusa alimentar, má evolução ponderal, dor abdominal, icterícia, hematúria ou urina de cheiro fétido.

Nas crianças com controlo de esfíncteres os sintomas são mais específicos e podem incluir disúria, polaquiúria, hematúria, incontinência urinária, urina turva/cheiro fétido, dor abdominal ou lombar.

Deve-se suspeitar de ITU em todas as crianças com febre sem foco ≥ 38ºC e idade

As ITU febris podem condicionar o aparecimento de lesões renais cicatriciais que predispõe para hipertensão arterial e doença renal crónica.

Epidemiologia

A ITU continua a ser umas das infeções bacterianas mais frequentes em idade pediátrica no mundo desenvolvido. Constitui um motivo frequente de recorrência ao Serviço de Urgência hospitalar e dos cuidados de saúde primários.

Tem uma prevalência de 7% nas crianças com

História Clínica

Anamnese

Na anamnese, para além de procurar os sintomas já descritas e diferentes de acordo com o grupo etário, é importante procurar antecedentes pessoais e familiares que aumentam o risco de ITU e de patologia subjacente: ITU prévia, confirmada ou suspeita, febre recorrente de etiologia não esclarecida, diagnóstico pré-natal de malformação urológica, má evolução ponderal e/ou estatural, obstipação crónica, disfunção vesical (jato urinário fraco, incontinência urinária, bexiga de grande volume), hipertensão arterial (HTA), lesão medular ou massa abdominal, vida sexual ativa; história familiar de ITU recorrente, refluxo vésico-ureteral (RVU) ou doença renal crónica.  

Exame objectivo

O exame clínico deve incluir a avaliação e registo de parâmetros vitais (temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca) e antropometria (peso e estatura).

No exame do abdómen é importante pesquisar pontos doloroso na zona lombar ou hipogastro, procurar massa renal ou vesical, fita cólica (sinal indireto de obstipação).

Exame cuidadoso do períneo e genitais externos, procurando fimose nos rapazes, coalescência dos pequenos lábios ou sinais de vulvovaginite nas raparigas.

Procurar ainda sinais de disrafismo oculto (tufo piloso, fossetas sacrococcígeas, lesões vasculares, lipoma)

Diagnóstico Diferencial

Vulvovaginite nas meninas

Balanite nos rapazes

Exames Complementares

Patologia Clínica

A escolha da técnica de colheita de urina (Tabela 2) depende da idade da criança, do controlo de esfíncteres e da urgência no diagnóstico, de acordo com o quadro clínico apresentado.

Os factores de risco para ITU em crianças com idade

Tabela 1. Factores de risco para ITU

Sexo feminino Sexo masculino

Raça caucasiana

Idade

Temperatura ≥ 39ºC

Febre ≥ 2 dias

Ausência de foco de infeção

ITU prévia


 

Raça caucasiana

Temperatura ≥ 39ºC

Febre > 24h

Ausência de foco de infeção

ITU prévia

Baixo risco de ITU: 0 ou 1 fator de risco; alto risco de ITU: ≥ 2 critérios

Adaptado de Urinary tract infection: clinical practice guideline for the diagnosis and management of the initial UTI in febrile infants and children 2 to 24 months. Subcommittee on Urinary Tract Infection, Steering Committee on Quality Improvement and Management, Roberts KB. Pediatrics. 2011 Sep;128.

Tabela 2. Técnicas de colheita de urina

Saco coletor
Rastreio de ITU nas crianças sem controlo de esfíncteres, sem necessidade de antibioterapia imediata e com baixo risco de ITU
Elevada sensibilidade mas não permite o diagnóstico por baixa especificidade - muitos falsos positivos (70-85%) por contaminação
Se urocultura ou tira teste ou sumário de urina (SU) positivos → Efetuar colheita por algaliação ou punção vesical
Técnica: Limpeza cuidadosa dos genitais externos com água e sabão liquido, retraindo o prepúcio nos rapazes e os grandes lábios na rapariga. Retirar restos de sabão com soro fisiológico. Repetir limpeza com colocação de novo saco cada 20-30 minutos.
Punção Supra Púbica
Crianças sem controlo de esfíncteres com suspeita de ITU que necessitem iniciar antibioterapia imediata, com alto risco de ITU
Alterações na tira teste, sedimento urinário ou urocultura por saco colector
Sensibilidade e especificidade de 100% no diagnóstico
Exige experiência, mas o controlo ecográfico melhora a eficácia
Técnica: 1 hora após a última micção ou> 30 min após mamada, se possível com controlo ecográfico; realizar desinfeção da pele, 1 cm acima da sínfise púbica, inclinação da agulha (calibre 22) de 30-45º no sentido caudal, profundidade variável (2-3 cm).
Algaliação
Crianças sem controlo de esfíncteres com suspeita de ITU que necessitem iniciar antibioterapia imediata, com alto risco de ITU
Alterações na tira teste, SU ou urocultura por saco colector
Elevada sensibilidade (95%) e especificidade (99%).
Técnica: Limpeza cuidadosa dos genitais externos, com água e sabão liquido, retraindo o prepúcio nos rapazes e afastando os grandes lábios na rapariga. Retirar restos de sabão com soro fisiológico. Sonda nasogástrica de calibre 6-8 F.
Jacto médio
Crianças com controlo de esfíncteres
Técnica: Limpeza cuidadosa dos genitais externos, com água e sabão liquido, retraindo o prepúcio nos rapazes.

 

Os testes rápidos de urina (sedimento urinário/ tira-teste) não substituem a urocultura para afirmar a presença de ITU. No entanto, dado que os resultados dos exames culturais têm um tempo de espera entre 24-48 horas, é importante utilizar testes cujo valor preditivo permita o início precoce de antibioterapia.

  • Tira teste urinária
  • Esterase leucocitária: Enzima produzida pelos leucócitos, elevada sensibilidade (sensibilidade 83%)
    • Falsos positivos: colheita inapropriada (mais frequente)
    • Falsos negativos: erros de leitura (necessários 2 minutos), pouco tempo de permanência da urina na bexiga
  • Nitritos: conversão de nitratos a nitritos pelas bactérias. Necessárias 4 horas de permanência da urina na bexiga; nem todas as bactérias os produzem (especificidade 98%; sensibilidade 93%)
  • Exame sumário de urina
  • Piúria: leucócitos ≥ 25 / μL
  • Bacteriúria: ≥ 1 bactéria / cp - parâmetro com melhor sensibilidade e especificidade isoladamente
 

O diagnóstico definitivo de ITU é feito pelo crescimento de uma só estirpe de bactérias com uma contagem de colónias significativa numa amostra de urina adequada num lactente/criança com clinica compatível de ITU; considerámos urocultura positiva se:

  • ≥ 1 UFC / ml (punção suprapúbica)
  • 104-105 UFC/ml (cateterismo vesical)
  • > 105 UFC/ml (jato médio ou saco coletor)

Imagiologia

Está indicado a realização de ecografia renal e vesical na fase aguda apenas quando a evolução clínica não é favorável (apirexia em 24-48 h após início de antibiótico) ou se no exame físico é detectada massa abdominal.

Tratamento

Antibioterapia

O diagnóstico e antibioterapia precoces são os principais determinantes da prevenção da nefropatia cicatricial. O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, com base na probabilidade de ITU.

Antibioterapia oral empírica para tratamento da ITU
1-3 meses

Cefuroxime axetil 20-30 mg/kg/dia, 12/12h

Cefaclor 20-40 mg/kg/dia, 8/8h

Cefixima 8 mg/kg/dia, 12/12h

> 3 meses

Amoxicilina / ac clavulânico

   20-40 mg/kg/dia de amoxicilina, 8/8h (125 mg, 250 mg ou 500mg/5 ml)

   25-45 mg/kg/dia de amoxicilina, 12/12h (400 mg/ 5 ml)

             Dose máxima diária de amoxicilina: 2 gr

Cefuroxime axetil 20-30 mg/kg/dia, 12/12h

             Dose máxima diária: 1 gr

Adolescentes

(sexo fem)

Nitrofurantoína 100 mg, 6/6h

Fosfomicina 3000 mg, dose única

Amoxicilina / ac clavulânico

Cefuroxime axetil

A duração do tratamento da ITU não febril deverá ser entre 3 a 4 dias, enquanto que na ITU febril o tratamento deverá ser entre 7 a 14 dias.

Situações particulares que influenciam o tratamento:

  • Terapêutica profiláctica em curso: escolher antibiótico diferente daquele profiláctico
  • Terapêuticas antibióticas previamente instituídas
  • Existência de patologia nefro-urológica ou transplantado renal

Critérios de internamento

  • Idade ≤ 3 meses
  • Afectação do estado geral: sinais de desidratação, má perfusão, sépsis
  • Intolerância oral ao tratamento ou à alimentação
  • Más condições sociofamiliares (colocando em causa o cumprimento da terapêutica no ambulatório)
  • Impossibilidade de reavaliação clínica em 48 a 72 horas
  • Ausência de resposta e/ou agravamento clinico em criança já medicada com antibiótico oral
 

É obrigatória a reavaliação clínica da criança 48-72 h após início da antibioterapia:

  • se a evolução clínica for boa e se bactéria for sensível ao antibiótico prescrito, não está recomendada a realização de urocultura de controlo;
  • se resposta clínica não for favorável (sem apirexia às 48h de antibioterapia) deverá ser repetida a urocultura, deve-se realizar ecografia reno-vesical na fase aguda ( pesquisa de abcessos renais, obstrução urinária, malformação nefro-urológica) assim como ajuste a antibioterapia em curso de acordo com o TSA.

Evolução

Existe um risco de recorrência de 50% de nova ITU nos 12 meses seguintes. O principal risco da ITU febril são as repercussões ao nível do parênquima renal como as cicatrizes renais (10-15% dos casos) que, por sua vez, podem conduzir a hipertensão arterial e doença renal crónica.

Recomendações

Não está indicado usar profilaxia antibiótica por rotina após uma primeira ITU, porque não está ainda perfeitamente estabelecido o seu papel na prevenção da ITU recorrente ou da cicatriz renal.

Deve -se considerar profilaxia se: diagnóstico pré-natal de uropatia, alterações na ecografia reno vesical, história de ITU  recorrentes ou presença de refluxo vesico ureteral.

Devem ser instituídas medidas gerias de prevenção :

  • Reforço na ingestão hídrica
  • Higiene cuidadosa dos genitais externos
  • Reforço da necessidade de micções frequentes e duplas (evitar resíduo pós-miccional)
  • Tratamento da obstipação (dieta, laxantes)
  • Deteção e correcção da disfunção vesical (polaquiúria, dificuldade em iniciar a micção, jacto urinário interrompido, dor no inicio da micção, imperiosidade miccional, manobras de retenção, incontinência urinária);
  • Correcção de fimose ou coalescência dos pequenos lábios.

Bibliografia

  1. Direcção Geral de Saúde. Norma de Orientação Clínica nº 008/2012 de 16/12/2012. Diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário em idade pediátrica. DGS, Lisboa.
  2. Subcommittee on Urinary Tract Infection, Steering Committee on Quality Improvement and Management, Roberts K.B. (2011). Urinary tract infection: clinical practice guideline for the diagnosis and management of the initial UTI in febrile infants and children 2 to 24 months. Pediatrics. 128: 595-610.
  3. Shaikh, N., Hoberman, A. (2016). Urinary tract infections in children: Epidemiology and risk factors. Torchia, M.M. (Ed.), UpToDate. Disponível em www.uptodate.com
  4. Shaikh, N., Hoberman, A. (2017). Urinary tract infections in infants older than one month and young children: Acute management, imaging, and prognosis. (Ed.), UpToDate. Disponível em www.uptodate.com
  5. Palazzi, D.L., Campbell, J.R. (2016). Acute cystitis: Clinical features and diagnosis in children older than two years and adolescents. Torchia M. (Ed.), UpToDate. Disponível em www.uptodate.com

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