Introdução
Definição
Consiste na protusão do víscera abdominal (intestino, ovário) através do orifício inguinal profundo, ao longo do canal peritóneo-vaginal que se mantem persistente. Definem-se dois tipos de hérnia inguinal: a indirecta e a directa.
A hérnia inguinal indirecta constitui a grande maioria das hérnias inguinais em idade pediátrica. É geralmente congénita, e como tal quase sempre diagnosticada em idade pediátrica.
A hérnia inguinal directa, consequência de fraqueza da parede posterior do canal inguinal, raramente é congénita, pelo que se diagnostica geralmente na idade adulta.
Na PEDIPEDIA, hérnia inguinal subentende hérnia inguinal indirecta.
Uma hérnia diz-se encarcerada quando o conteúdo do saco não é facilmente redutível, e estrangulada quando existe um aperto marcado do órgão estrangulado ao nível do anel inguinal, com diminuição de vascularização e risco eminente de necrose do órgão herniado.
Causa
Nos meninos, durante a gravidez, os testículos individualizam-se junto aos rins, iniciando, pelo 3º mês, um processo de descida até ao escroto; entre o 7º e o 9º mês descem, através do canal inguinal, para as bolsas escrotais.
Nas meninas, o canal inguinal é atravessado por uma estrutura que ajuda a fixar o útero ao grande lábio – o ligamento redondo.
Quer a presença do ligamento redondo, quer a passagem do testículo pelo canal inguinal, podem criar uma zona de fraqueza, facilitando o aparecimento de uma hérnia inguinal ou um hidrocelo.
Epidemiologia
A incidência é de 5% das crianças, com um predomínio do sexo masculino (15:1). Em recém-nascidos de muito baixo peso pode surgir em até 20% dos casos. É mais frequente à direita (60%), podendo ser bilateral (15%).
Quanto mais pequena a criança e/ou a hérnia, maior o risco de encarceramento. O risco de encarceramento durante o primeiro ano de vida é de aproximadamente 30%.
História Clínica
Anamnese
A hérnia inguinal pode ser um achado fortuito dos pais, ou é diagnosticado em exame médico de rotina: observa-se assimetria das regiões inguinais, sendo mais procidente o lado afectado. Esta situação é muitas vezes assintomática.
O encarceramento pode ser a manifestação inaugural de uma hérnia: surge uma massa inguinal tensa, limitada, ruborizada, dolorosa e irredutível. A criança aparece irritável e chorosa. Os vómitos de início reflexos, se tardios traduzem obstrução. O processo pode evoluir para oclusão intestinal e necrose do órgão herniado.
Na criança a evolução para estrangulamento é mais comum do que nos adultos.
Exame objectivo
Se possível, deve-se começar por examinar a criança de pé. A hérnia apresenta-se geralmente como uma protusão/ massa na região inguinal, bem tolerada, mole, indolor à palpação. O diagnóstico é facilitado se a hérnia é unilateral, determinando uma assimetria evidente das regiões inguinais.
O examinador pode fazer pressão no abdómen repetidas vezes ou pedir à criança que tussa, o que provoca uma sensação de “impulso” visível/ palpável ao nível do canal inguinal resultante do preenchimento do canal peritónio-vaginal permeável.
A palpação de um cordão espermático espessado confirma o diagnóstico. Este gesto, que se realiza rolando os dedos do examinador sobre o cordão espermático/ ligamento redondo, que é comprimido suavemente contra a espinha do púbis, permite sentir nos dedos a sensação de esfregar tecido de seda; a comparação com a estrutura contralateral evidencia sobretudo assimetria do calibre do cordão espermático/ ligamento redondo, e constitui é um sinal diagnóstico importante de persistência do canal peritóneo-vaginal.
Diagnóstico Diferencial
Faz-se com o Hidrocelo, com testículo não descido (eventualmente torcido) ou situações de aumento de volume do testículo como orquite, torção ou tumor testicular .
Exames Complementares
Imagiologia
Em caso de dúvida entre hérnia estrangulada, tumor ou torção testicular, justifica-se a realização de ecografia inguino-escrotal bilateral, eventualmente com eco doppler para avaliar a vascularização do testículo.
A ecografia está também indicada para confirmar suspeita de hérnia inguinal contralateral.
Tratamento
"Hérnia diagnosticada é hérnia operada", é um aforismo que se justifica pelo risco de encarceramento/ estrangulamento, que é elevado sobretudo no primeiro ano de vida.
Em recém-nascidos pré-termo, apesar do risco maior de encarceramento/ estrangulamento, deve-se tentar protelar a intervenção cirúrgica em função da sua maturidade pulmonar, idealmente 60 dias após a idade corrigida de 39 semanas de gestação. Esta espera reduz substancialmente os riscos cirúrgicos e anestésicos (maturação pulmonar), permitindo considerar a cirurgia em regime ambulatório com maior segurança.
Uma criança com uma hérnia encarcerada/ estrangulada deve ser referenciada com urgência a um centro cirúrgico. Durante o transporte deve viajar em plano inclinado, em proclive (com a cabeça mais baixa que os pés) e se possível deve-lhe ser administrada medicação analgésica ou de sedação. Ter em atenção que podem surgir vómitos reflexos, e risco de aspiração. Frequentemente o transporte provoca sonolência, e o relaxamento consequente contribui para a redução espontânea da hérnia.
A tentativa de redução deve ser feita com manobras de taxis, idealmente por técnicos com experiência, porque, se não resultarem, contribuem para dificultar a intervenção cirúrgica, por aumento de edema das estruturas envolvidas. Facilita o sucesso da redução sedar a criança para diminuir a dor e para permitir o relaxamento muscular, o que se consegue com a administração rectal de 0,5 a 1 mg/kg de bendoziadiazepina. A criança é colocada em posição de Trendlenburg. As manobras consistem em envolver a hérnia com os dedos de ambas mãos e exercer uma pressão firme e constante na direcção do canal/ orifício inguinal, fazendo pressão alternada com os dedos de cada mão. É necessário identificar previamente o testículo, para evitar exercer pressão (redução) sobre ele.
Após a redução (95% dos casos em mãos experientes) a cirurgia é programada para as 72 horas seguintes, para permitir a redução do edema do cordão espermático/ saco herniário. Se não foi possível obter a redução, a resolução cirúrgica é urgente.
Nas crianças do sexo feminino, ter em atenção a hérnia com ovário encarcerado (frequente), que apresenta um elevado risco de torção e para a qual deve ser posta indicação cirúrgica rápida. Quando encarcerada, durante a tentativa de redução por taxis, não exercer a compressão exagerada sobre o ovário, para evitar hematoma/ danos irreparáveis do órgão.
Cirurgia
Em crianças/ jovens em crescimento, tratando-se de hérnia inguinal indirecta em que não existe ponto de fraqueza da parede posterior do canal inguinal, o tratamento consiste na laqueação alta do canal peritóneo-vaginal, realizada através de inguinotomia É uma cirurgia realizada em ambulatório excepto nos casos de maior risco anestésico (recém nascido, asa 3 ou superior), ou por laparoscopia.
A dissecção do saco herniário pode ser um processo delicado que exige experiência em situação de estrangulamento herniário (estruturas muito edemaciadas, friáveis e difíceis de dissecar) e nos recém-nascidos (saco extremamente fino, cordão espermático com estruturas muito delicadas, artéria testicular única), com uma taxa de complicações muito elevada
A exploração contralateral poderá ter indicação se a hérnia for à esquerda, no sexo feminino e nos casos que estão associados com situações de aumento da pressão intra-abdominal (ascite, derivação ventrículo-peritoneal). Em caso de dúvida pode injectar-se, durante a intervenção cirúrgica, ar para o peritoneu através do saco herniário, e verificar se, com manobras de compressão abdominal, aparece ar na região inguinal contralateral.
A hérnia inguinal de adolescentes a atingir o fim do crescimento, em que existe um componente directo com fraqueza exigindo reforço da parede posterior do canal inguinal, a escolha do procedimento cirúrgico deve seguir a experiência/ preferências do cirurgião.
Evolução
O prognóstico é bom, a cirurgia é curativa, em condições normais pode ser realizada em ambulatório
A criança retoma as suas actividades em sete dias, iniciando desporto dentro de 15 dias.
Recomendações
Antes da intervenção cirúrgica, ensinar os pais a reduzir a hérnia do seu filho(a) desdramatiza a situação e permite uma boa colaboração com a equipa de saúde.
Deve ensinar-se os pais/ cuidadores a suspeitar de encarceramento/ estrangulamento de hérnia, de modo a permitir o seu diagnóstico e tratamento atempado, durante o período que medeia entre o diagnóstico da hérnia inguinal e a sua correcção cirúrgica.
Deve também alertar os pais para a possibilidade de ocorrência de hérnia contralateral, sobretudo em famílias em que a hérnia inguinal é recorrente.
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