Febre do recém-nascido
Introdução
Definição
A febre no recém-nascido (RN) define-se como temperatura corporal superior ou igual a 38ºC. O método gold standard para avaliação é a termometria rectal. A quantificação por métodos alternativos (temperatura axilar e timpânica) está recomendada apenas quando está contra-indicada a termometria rectal (neutropenia, trombocitopenia, diátese hemorrágica e enterocolite necrosante).
Epidemiologia e Etiologia
No RN os mecanismos de regulação da temperatura corporal e pirexia são ainda imaturos, pelo que a febre é um sinal raro e pode ser relativamente tardio.
As causas mais frequentes são as infecciosas, sobretudo de etiologia viral. A prevalência da infecção bacteriana é de 12-28%. Os locais de infecção e agentes mais frequentes são o tracto urinário (16-28%; principal agente: E. coli), a bacteriemia oculta/ sepsis (1-5%; E. coli, Streptococcus do grupo B) e a meningite (0,3-3%; E. coli, Streptococcus do grupo B, Listeria monocytogenes, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis).
Tabela 1- Principais agentes infecciosos no RN com febre
Vírus | Bactérias |
Vírus sincicial respiratório Influenza Enterovirus Herpes simplex (HSV) Varicela-zoster Adenovirus |
Escherichia coli (e outros bacilos Gram negativo) Streptococcus grupo B (SGB) Listeria monocytogenes Streptococcus pneumoniae Haemophilus influenzae Staphylococcus aureus Neisseria meningitidis Salmonella spp |
Dentro das causas não infecciosas o sobreaquecimento corporal é a mais frequente, habitualmente associado a vasodilatação cutânea, sudorese e extremidades ruborizadas e quentes. Em condições climatéricas normais não está associado a um aumento significativo da temperatura central.
Outras causas de elevação da temperatura incluem a desidratação, síndrome de abstinência, hipertiroidismo, malformações do sistema nervoso central, hemorragia intracraniana, hipertermia maligna e fármacos (prostaglandina E1).
História Clínica
Anamnese
É fundamental uma história clínica detalhada, incluindo:
- antecedentes perinatais (prematuridade, história materna de doenças sexualmente transmissíveis (HSV), colonização materna com SGB e/ou administração de profilaxia antibiótica intra-parto, febre materna, tempo de rotura de bolsa amniótica, internamento hospitalar, comorbilidades);
- caracterização da febre e eventual sintomatologia associada (alteração do grau de actividade e comportamento habitual, prostração, recusa alimentar, vómitos, alterações da coloração da pele);
- exposição a contactos doentes.
Exame objectivo
O recém-nascido é oligossintomático e os sinais clínicos são muitas vezes subtis e pouco específicos, sendo de valorizar:
- Estado geral (“ar doente”).
- Sinais de toxicidade: irritabilidade, letargia, hipotonia, diminuição da actividade, má perfusão, cianose, dificuldade respiratória ou apneia.
- Sinais vitais.
- Observação detalhada / outros sinais associados sugestivos de infecção localizada.
Exames Complementares
O principal objectivo na avaliação do RN febril é a exclusão de doença bacteriana grave subjacente.
Patologia Clínica
- Hemograma
- Proteína C-reactiva
- Glicemia
- Hemocultura
- Urina tipo II
- Exame bacteriológico directo e cultural da urina (cateterismo vesical ou punção supra-púbica)
- Exame citoquímico do líquido cefalorraquidiano (LCR), directo e cultural
- Pesquisa de vírus neurotrópicos no LCR (reacção em cadeia da polimerase), em particular HSV, enterovirus e parechovirus, se suspeita de etiologia viral
- Coprocultura, pesquisa de vírus nas fezes (se diarreia ou fezes com sangue ou muco)
Imagiologia
- Radiografia de tórax (se sinais respiratórios)
Tratamento
1. Observação e internamento hospitalar em todos os RN com febre
2. Antipiréticos
O único fármaco recomendado para o tratamento da febre no RN é o paracetamol.
Tabela 2 – Doses recomendadas de paracetamol no período neonatal
Idade pós-menstrual (semanas) | Idade pós-menstrual (semanas) | Dose de manutenção (mg/kg/dose) |
Intervalo entre doses (horas) |
Dose máxima diária (mg/kg/dia) |
24-31 | Oral: 20-25 Rectal: 30 Intravenoso: 2 |
Oral: 12-15 Rectal: 12-18 Intravenoso: 10 |
12 | 20-30 |
32-36 | 8 | 35-50 | ||
37-42 | 6 | 50-60 | ||
>42 | 6 | 60-75 |
3. Antimicrobianos
Atendendo à maior prevalência de doença bacteriana grave no RN com febre e menor sensibilidade e especificidade dos achados clínicos, as recomendações actuais pressupõem administração empírica de antimicrobianos.
- ≤ 7 dias de vida: ampicilina e gentamicina
- > 7 dias de vida: ampicilina e cefotaxima (considerar associar gentamicina na suspeita de meningite ou de infecção urinária)
- Ponderar associar aciclovir se factores de risco / suspeita clínica de infecção HSV.
4. Terapêutica dirigida à causa encontrada
A antibioticoterapia empírica deve ser mantida, pelo menos 48 horas, até resultados dos exames culturais.
Após identificação da causa e agente, a terapêutica deve ser ajustada e dirigida.
Evolução
Dependente da etiologia.
Bibliografia
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- Hui C, Neto G, Tsertsvadze A, Yazdi F, Tricco A, Tsouros S et al. Diagnosis and Management of Febrile Infants (0–3 Months). Evidence Report/Technology Assessment No. 205. Prepared for Agency for Healthcare Research and Quality U.S. Department of Health and Human Services. March 2012
- Ishimine P. Risk stratification and management of the febrile young child. Emerg Med Clin N Am 2013. 31: 601–626
- Smitherman HF, Macias CG. Febrile infant (younger than 90 days of age): definition of fever, outpatient evaluation and management. In www.uptodate.com. Consultado a 01/07/2017
- Pacifici G, Allegaert K. Clinical pharmacology of paracetamol in neonate: a review. Current Therapeutic Research. 2015; 77: 24-30
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