Espondilolistese
Introdução
Definição
A espondilolistese é uma deformidade da coluna que consiste no deslizamento anterior de uma vértebra sobre a vértebra subjacente. Pressupõe a descontinuidade ou o alongamento do arco posterior da vértebra a nível do istmo, pars interarticularis, apófises articulares ou pedículo. Foi inicialmente descrita no século XVIII por obstetras que a identificavam como uma barreira na progressão do feto ao atravessar o canal de parto.
A espondilolise é uma entidade relacionada com a espondilolistese e que consiste na disrupção do arco posterior da vértebra mas sem ocorrência de deslizamento, habitualmente um estado prévio ao deslizamento.
Epidemiologia
A prevalência de achados radiológicos compatíveis com espondilolistese em idade adulta é de 3-10%, sendo o nível lombar L4-L5 o mais frequente neste grupo etário.
Por seu lado na idade pediátrica o nível afetado com maior frequência é L5-S1, associando-se a alterações como a espondilolise, espinha bífida oculta, hipercifose, a escoliose lombar ou doença de Scheuermann.
O risco de progressão da deformidade é superior em doentes com idade inferior a 15 anos, ao atingir a maturidade esquelética a deformidade habitualmente não progride.
História Clínica
Anamnese
A espondilolistese pode manifestar-se de muitas formas, desde a ausência de sintomas, tratando-se nestes casos apenas de um achado radiológico, até formas verdadeiramente limitativas da qualidade de vida em que existe dor, alterações da postura, alterações da marcha, alterações neurológicas dos membros inferiores e da bexiga.
Exame objectivo
Em 1976 Wiltse, tendo por base a distinção entre causas congénitas e adquiridas, elaborou a classificação que subdivide a espondilolistese em 5 tipos:
- Tipo I / Displásica – Ocorre em crianças e deve-se a uma displasia congénita; habitualmente a faceta articular inferior de L5 é displásica e não existe faceta articular de S1. Tem elevado risco de progressão e em deslizamentos acima de 25% do comprimento da plataforma do corpo vertebral é frequente a ocorrência de síndrome da cauda equina.
- Tipo II / Ístmica – Pode ocorrer em crianças e adultos sendo secundária a espondilolise (disrupção ou alongamento da pars interarticularis); é mais frequente a nível de L5-S1.
- Tipo III / Degenerativa – Ocorre habitualmente em indivíduos com idade superior a 40 anos. É secundária a um processo degenerativo do disco intervertebral e da faceta articular, que condicionam subluxação L4-L5.
- Tipo IV / Traumática – Pode ocorrer em qualquer idade, secundária a instabilidade provocada por qualquer fractura dos elementos posteriores da vértebra que não a pars interarticularis.
- Tipo V / Patológica – Deve-se a fraqueza óssea da pars interarticularis devido a uma causa sistémica como por exemplo, osteopetrose, osteogénese imperfeita ou doenças do tecido conjuntivo como o síndrome de Ehlers-Danlos.
Exames Complementares
Imagiologia
À semelhança das manifestações clínicas, as manifestações radiológicas também variam desde um ligeiro deslizamento anterior até ao deslizamento completo e translação anterior sobre a vértebra subjacente – espondiloptose.
O diagnóstico da espondilolise ou espondilolistese pode ser feito através de uma radiografia extralonga da coluna abrangendo as cabeças femorais, em posição ortostática, numa incidência de perfil. Este exame permite avaliar o grau de deslizamento vertebral, a inclinação pélvica e do sacro, bem como, o equilíbrio sagital. Se a espondilolise for unilateral pode ser difícil a sua visualização, neste caso as incidências oblíquas permitem a distinção entre a imagem normal conhecida como “Scotty dog head and neck” dos casos em que se verifica um defeito ósseo da zona situada entre as duas facetas articulares (pars interarticularis), transmitindo a imagem de um cão decapitado.
Ocasionalmente, quando não é visível radiograficamente o defeito da pars, pode ser necessária a realização de uma tomografia computorizada, este exame também pode ser útil na avaliação da displasia óssea quando se programa uma intervenção cirúrgica.
A RMN é útil para clarificar causas de radiculopatias de L5 em doentes com listeses de baixo grau, quando a dor radicular não se relaciona com o nível da radiculopatia ou, para excluir outras causas de dor como neoplasias ou infecções.
Para quantificar o grau de listese / deslizamento o método mais conhecido é o introduzido por Meyerding, que define graus de gravidade consoante a percentagem de deslizamento do corpo vertebral sobre o subjacente: grau I - 0-25%, grau II- 26-50%, grau III- 51-75%, grau IV- 76-100%, grau V> 100% (espondiloptose).
Tratamento
Cirurgia
A evolução natural de uma espondilolistese não tratada pode ser incapacitante para o doente, influenciando o tipo de trabalho que pode realizar, a quantidade de peso que pode levantar ou, o tipo de actividade recreativa que consegue praticar.
Uma vez diagnosticada a espondilolistese, o risco de progressão da deformidade é o factor determinante para o tipo de tratamento. O pico de crescimento da adolescência é um período em que pode haver um agravamento da translação anterior da coluna e da deformidade cifótica; uma vez estabelecida a maturidade esquelética o perigo de agravamento da deformidade é baixa para os graus moderados de deslizamento (Meyerding, grau 0-2). Radiograficamente os ângulos que relacionam o grau de inclinação da plataforma vertebral de S1 com o centro de rotação das ancas, inclinação e incidência pélvicas, são um factor de prognóstico importante, pois estando elevados aumentam o risco de progressão da deformidade.
Para os deslizamentos moderados o tratamento conservador com medidas gerais como perda de peso, alteração da actividade física, reforço muscular, adjuvado ou não com uso de colete de Boston (apoio tóraco-lombo-sagrado), apresenta os mesmo resultados que o tratamento cirúrgico. Nestes casos a progressão da deformidade é ligeira e os sintomas a longo prazo relacionam-se com a degenerescência do disco intervertebral. O tratamento cirúrgico pode ser equacionado para os casos em que os sintomas se mantêm, apesar da realização de tratamento conservador por um período não inferior a 6 meses. Consiste numa artrodese das vértebras in situ (sem realização de manobras de redução da deformidade) ou nos casos menos graves numa reconstrução do defeito ósseo da pars, sem fusão dos corpos vertebrais mantendo-se assim a mobilidade deste segmento da coluna.
Para os deslizamentos graves (translação anterior sobre a vértebra adjacente superior a 50%) o tratamento cirúrgico é habitualmente necessário, consistindo numa artrodese vertebral nos níveis de instabilidade. É tema de debate na comunidade científica se a redução da deformidade deve ser feita aquando da artrodese, tendo em conta o risco elevado de provocar lesão neurológica. Existe uma tendência actual para que a redução seja feita quando existem desequilíbrios espino-pélvicos (alterações da inclinação pélvica ou desequilíbrio sagital da coluna), no entanto, não existem estudos com evidência científica suficiente que demonstrem que a redução esteja relacionada com uma melhor fusão óssea da artrodese, resolução ou estabilização dos défices neurológicos nem prevenção do agravamento ou recorrência do deslizamento.
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