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Introdução

Definição

A escabiose (ou sarna) é uma infestação da pele causada por um ácaro, Sarcoptes scabiei var. hominis, exclusivo do homem, transmitido através do contacto directo pele com pele e, mais raramente, com fómites. Trata-se de uma dermatose contagiosa, pruriginosa, com lesões cutâneas características. As manifestações clínicas coincidem com o início da resposta imune ao ácaro e aos seus produtos na epiderme.

Epidemiologia

Afecta todos os grupos etários, sendo mais prevalente nos estratos sociais mais baixos e em condições de sobrelotação. Crianças na primeira infância, idosos e imunocomprometidos são grupos de risco.

 

História Clínica

Anamnese

As manifestações clínicas surgem aproximadamente um mês após o primeiro contacto com o ácaro, sendo mais precoces nas situações de reinfestação. O sintoma cardinal é o prurido generalizado de agravamento nocturno, e o comportamento de coceira e fricção ajuda a limitar a infestação, não sendo, contudo, suficiente para eliminá-la. Nas situações de imunossupressão pode ocorrer uma forma grave, crostosa, devido à multiplicação não controlada do ácaro, sendo o prurido apenas ligeiro ou ausente. 

Exame objectivo 

A gravidade da erupção cutânea é muito variável, desde formas muito subtis em estadios iniciais, até formas mais graves associadas a sobreinfeção bacteriana e eczema secundário à coceira ou às terapêuticas tópicas.

As lesões cutâneas que podem ser encontradas são as seguintes:

  • Galerias (“tocas” escavadas na epiderme pelo ácaro fêmea), que correspondem a lesões lineares serpiginosas com cerca de 1cm, observadas principalmente nas pregas interdigitais, nos punhos, bordo interno das mãos (região hipotenar), axilas, região periumbilical e genitais externos nas crianças mais velhas e adolescentes; nas crianças mais pequenas podem surgir lesões ao nível das palmas e plantas, couro cabeludo e pregas retroauriculares. A face e o couro cabeludo, geralmente poupados nas crianças mais velhas e nos adultos, são particularmente afectados nas crianças pequenas. Estas lesões, apesar de típicas, nem sempre são visualizadas, particularmente em crianças onde são mascaradas pelas lesões de coceira e por vesiculopústulas resultantes de sobreinfeção bacteriana.
  • Pápulas e nódulos eritematosos disseminados, mais acantonados às pregas axilares, cotovelos e genitais externos.
  • Escoriações, lesões de eczema. 
  • Vesiculopústulas nas situações de sobreinfeção bacteriana por Staphylococcus aureus ou Streptococcus do grupo A. A presença de vesiculopústulas palmoplantares e do couro cabeludo são geralmente a forma de manifestação da escabiose nos lactentes.
  • Na escabiose crostosa ou norueguesa (descrita pela primeira vez na Noruega em 1848 em doentes leprosos) observam-se lesões hiperqueratósicas disseminadas mais exuberantes ao nível das mãos, pés, pavilhões auriculares e tronco.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial inclui a dermatite atópica, no caso das lesões micropapulares e das escoriações; a reacção a picada de insecto e a urticária papular no caso das lesões papulonodulares e o impétigo nas lesões pustulosas ou sobreinfetadas. Nos lactentes as vesiculopústulas das palmas e plantas podem lembrar a acropustulose infantil.

Em termos histopatológicos os nódulos escabióticos podem ser confundidos com um linfoma ou pseudolinfoma. As células de Langerhans quando visualizadas no infiltrado inflamatório podem levantar a hipótese de histiocitose de células de Langerhans. Nestes casos a correlação clinicopatológica é essencial.

Nos casos de escabiose crostosa, pela sua forma de apresentação atípica, o diagnóstico correto é atrasado e por vezes pode ser confundida com dermite seborreica ou psoríase.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Raspado cutâneo: observação ao microscópio óptico em lente de elevada ampliação de escamas obtidas a partir várias lesões cutâneas, de preferência galerias. Após raspagem cuidada tangencial à pele com lâmina de bisturi, o material deve ser colocado em suspensão entre lâmina e lamela com hidróxido de potássio (potassa cáustica) de modo a desfazer o material queratósico das escamas cutâneas. Podem observar-se ácaros e ovos nos casos positivos, embora um exame negativo não exclua o diagnóstico, pelo que são recomendadas várias colheitas para aumentar a sensibilidade diagnóstica.

Imagiologia

Dermatoscopia: utilizando um dermatoscópio manual ou digital podem identificar-se mais facilmente as galerias e por vezes observar o ácaro sob a forma de uma ponta de seta de cor negra numa das extremidades da galeria. 

Tratamento

Algoritmo clínico/ terapêutico

Todos os conviventes directos deverão ser tratados ao mesmo tempo, tenham ou não sintomas. O tratamento deve eliminar a infestação, tratar o prurido associado e a sobreinfeção bacteriana se existir.

As terapêuticas tópicas são as mais utilizadas no tratamento. Os agentes têm uma acção escabicida através da perturbação da atividade nervosa do ácaro por diferentes mecanismos.

A primeira linha terapêutica é o creme de permetrina a 5%, mas não se encontra comercializado no nosso País (apenas a 1%, o que é concentração terapêutica insuficiente). Tem eficácia próxima de 100% e um bom perfil de segurança. Deve ser aplicado em toda a superfície corporal do pescoço para baixo, incluindo as pregas axilares, interdigitais, interglútea e genitais externos. Nas crianças pequenas ou que exibam lesões na face deve ser aplicado também na face e couro cabeludo poupando a área perioral e periorbitária. Deve ser aplicado por 8-14h e retirado no banho após este período. Sempre que for realizada lavagem das mãos durante este período o tópico deve ser reaplicado. Recomenda-se uma reaplicação 1 semana depois. Está aprovado para crianças com mais de 2 meses de idade, mas a utilização em lactentes com menos de 2 meses mostrou-se eficaz e segura em casos pontuais.

Outros agentes tópicos: 

  • Manipulado de enxofre (enxofre precipitado e lavado) 6-10% em vaselina: tem boa eficácia e bom perfil de segurança. Recomenda-se a aplicação em toda a superfície corporal por 24h, da mesma forma descrita acima para a permetrina, podendo ser removido no banho após este período, devendo ser aplicado em 3 dias consecutivos. Tem a desvantagem de ter um cheiro desagradável e ser cosmeticamente pouco atractivo. Pode ser aplicado em lactentes. 
  • Solução de benzoato de benzilo 25% (adultos) e 10-12,5% (crianças): tem boa eficácia com razoável perfil de efeitos adversos e baixo custo. Recomenda-se a aplicação em toda a superfície corporal por 24h, podendo ser removido no banho após este período, devendo ser aplicado em 3 dias consecutivos. Não se recomenda a sua utilização em crianças com menos de 2 anos. Pode ser irritativo (o que dificulta a sua utilização em crianças), e por esse facto nunca deverá ser aplicado mais de 3 dias seguidos, sob pena de provocar eczematização secundária. 
  • Lindano 1% creme ou loção: embora tivesse boa eficácia, a possível neurotoxicidade por absorção sistémica levou à retirada do mercado, pelo que não está disponível
  • Crotamiton 10% creme ou loção: recomenda-se a aplicação por 24h em 2-5 dias consecutivos. Tem eficácia inferior às restantes terapêuticas, pode ser irritativo e não está, actualmente, disponível no mercado. 
  • Ivermectina oral - é um antihelmíntico, utilizada no tratamento da oncocercíase e da filaríase, tem boa eficácia no tratamento da escabiose por mecanismos não completamente esclarecidos, embora inferior à permetrina a 5%. Tem a vantagem de ser de administração oral em dose única de 200mcg/Kg, devendo repetir-se a administração 2 semanas depois de forma a aumentar a eficácia. É particularmente útil em surtos de escabiose em instituições e lares de acolhimento. Não se encontra licenciada em vários países, mas pode ser formulada e manipulada. A segurança não está estabelecida para crianças com menos de 15Kg.

Na escabiose crostosa ou norueguesa é a primeira linha terapêutica podendo ser necessárias várias readministrações até à cura. A associação a queratolíticos e agente tópicos é recomendada nestes casos.

Durante a terapêutica da escabiose pode haver agravamento do prurido ao 2º-3º dia de terapêutica. Mesmo após o término da terapêutica o prurido pode persistir por 2-3 semanas em virtude da eczematização secundária à escabiose, mas o tratamento não deverá ser prolongado para além dos 3 dias. Se necessário, poderá ser repetido uma semana depois. Os antihistamínicos e os corticóides tópicos podem ser adjuvantes na terapêutica do prurido e do eczema secundário. Recomenda-se também a aplicação diária de um emoliente após a terapêutica.

Nos casos de sobreinfeção bacteriana justifica-se a associação de antibioterapia oral dirigida aos agentes mais frequentes (Staphylococcus aureus e Streptococcus do grupo A).

A par da terapêutica tópica deve realizar-se também o tratamento dos fómites, as roupas de cama, atoalhados e roupa de vestir utilizadas na última semana devem ser lavadas e secas a altas temperaturas (>50º) ou fechadas em sacos durante 5-7 dias.

Evolução

A criança pode frequentar a escola logo após o término do primeiro ciclo de tratamento.

Considera-se que a criança está curada se não aparecerem novas lesões. O prurido não é um bom marcador para monitorização da resposta à terapêutica numa fase inicial; no entanto, se persistir para além das 3 semanas deve excluir-se persistência da escabiose.

O prognóstico é bom se todas as medidas terapêuticas forem cumpridas. Os nódulos escabióticos podem persistir por semanas a meses não sendo contagiosos. Os corticoides tópicos podem ser utilizados nestas situações. As lesões vesiculopustulosas das palmas, plantas e couro cabeludo podem recorrer após semanas a meses como manifestações reactivas e não significarem reinfestações. A exclusão da recorrência da escabiose é sempre importante nestes casos. 

Em caso de persistência da infestação ou recorrência deve rever-se o protocolo terapêutico, não esquecer as pregas corporais mais afetadas e verificar se todos os contactantes foram tratados.

Bibliografia

Prendiville JS. Scabies and Lice. In: Irvin AD, Hoeger PH, Yan AC. Harper´s Textbook of Pediatric Dermatology. 3. ed. Oxford: Wiley-Blackwell; 2011, p 72.1-72.8.

Banerji A. Scabies. Paediatr Child Health 2015; 20:395-402.

Scott GR, Chosidow O. IUSTI/WHO. European guideline for the management of scabies, 2010. Int J STD AIDS 2011; 22:301-3.

Chosidow A, Gendrel D. Safety of oral ivermectin in children. Arch Pediatr 2016; 23:204-9. 

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