Doença inflamatória pélvica
Introdução
Definição
A doença inflamatória pélvica (DIP) é um quadro infecioso e inflamatório do trato genital feminino, podendo cursar com cervicite, endometrite, salpingite ou pelvi-peritonite.
Epidemiologia
A incidência e prevalência da DIP em Portugal são desconhecidas. A OMS estima que até 10-20/1000 mulheres / ano sejam afetadas – geralmente mulheres com menos de 25 anos, com múltiplos parceiros, que não utilizem preservativo. Outros fatores de risco incluem hábitos toxifílicos, novo parceiro sexual, antecedentes de DIP ou história de manipulação uterina (p.ex. aspiração uterina ou histeroscopia).
História Clínica
Anamnese
A DIP atinge geralmente mulheres jovens (com menos de 25 anos), com múltiplos parceiros ou mudança de parceiro sexual nos últimos 2 meses, que tenham relações sexuais sem utilização de métodos barreira. Outros fatores de risco incluem hábitos tabágicos, etanólicos ou de drogas de abuso, antecedentes de DIP ou história de manipulação uterina recente (p.ex. aspiração uterina ou histeroscopia).
O quadro clínico característico cursa com corrimento vaginal amarelo ou esverdeado, com odor intenso e dor pélvica, normalmente com vários dias de evolução. Menos frequentes são as queixas de dispareunia, coitorragias ou hemorragia uterina anómala. Embora seja incomum, podem existir apresentações clínicas em que a única queixa é o aumento da frequência urinária. Uma complicação rara da DIP é a síndrome de Fizt-Hugh-Curtis, na qual a pelvi-peritonite causa inflamação da cápsula hepática, cursando com dor no hipocôndrio, náuseas ou vómitos.
Exame objectivo
Ao exame com espéculo, pode verificar-se a presença de leucorreia com odor fétido, mas a sua presença não é obrigatória para o diagnóstico. O colo pode estar friável ou haver hemorragia escassa peri-orificial. Ao toque vaginal, é habitual existir dor à mobilização do colo ou à palpação do fundo uterino. A palpação de massas anexiais dolorosas deve levantar a suspeita de piossalpinge ou abcesso tubo-ovárico. Na presença de febre com defesa, reação peritoneal ou degradação dos sinais vitais é obrigatório descartar um quadro de peritonite aguda ou sépsis.
Diagnóstico Diferencial
A dor supra-púbica pode ser característica de infeção do trato urinário (ITU), que deve ser descartada.
O corrimento patológico pode por vezes ser sugestivo de vaginose bacteriana, uma vez que os micro-organismos responsáveis se sobrepõem aos da DIP. No primeiro caso o corrimento é esbranquiçado a cinzento, arejado, com odor intenso, mas a mobilização do colo, fundos de saco vaginais e palpação do fundo uterino serão indolores.
O contexto de corrimento patológico com dor a mobilização uterina levanta também a possibilidade de aborto retido ou degenerescência de fibromioma com infeção sobreposta (endometrite).
Na presença de massas anexiais à palpação, deve realizar-se ecografia pélvica com sonda vaginal para excluir a presença de quistos anexiais, uma vez que em contexto de torção podem originar um quadro de dor pélvica semelhante ao da DIP.
Um quadro de dor na fossa ilíaca direita com febre obriga ainda ao despiste de apendicite aguda. Esta geralmente cursa com anorexia, defesa abdominal e sinais de irritação peritoneal, p.ex. sinal de Blumberg.
Exames Complementares
Patologia Clínica
O diagnóstico da DIP é essencialmente clínico, e não deve ser descartado apenas pela ausência de achados anormais na patologia clínica. Contudo, é frequente existir leucocitose com neutrofilia no hemograma, com elevação da proteína C-reativa. A avaliação bioquímica não costuma estar alterada, exceto em casos de peritonite grave ou vómitos prolongados. Um exame sumário de urina normal descartará a possibilidade de ITU, mas é comum a contaminação da amostra com o corrimento vaginal, gerando uma “falsa leucocitúria”.
Imagiologia
A ecografia pélvica com sonda vaginal é fundamental no diagnóstico diferencial: além de excluir a presença de conteúdo intra-uterino, pode revelar a presença de dilatação das trompas uterinas (sinal de salpingite) ou abcesso tubo-ovárico. Estas últimas devem ser tratadas em internamento dada a má resposta a terapêutica antibiótica oral.
Tratamento
Cirurgia
O tratamento cirúrgico “gold-standard” para a DIP com abcesso pélvico é a drenagem por laparoscopia. Esta abordagem permite a lavagem da cavidade peritoneal, a inspeção direta das estruturas afetadas e dos órgãos adjacentes, e a remoção cirúrgica das porções afetadas, se necessário.
Em alguns centros, pratica-se a punção e drenagem ecoguiadas. Contudo, os resultados desta técnica são menos favoráveis em quadros mais exuberantes (abcessos com dimensão superior a 8cm, pelvi-peritonite, …) ou situações de recidiva clínica.
Antibioterapia
Os agentes responsáveis são geralmente micro-organismos causadores de infeções sexualmente transmissíveis. Os mais frequentes são a Chlamydia trachomatis ou a Neisseria Gonorrheae, mas pode haver isolamento de Mycoplasma genitalium, bem como de outros agentes causadores de vaginose bacteriana, sobretudo anaeróbios. Como tal, o regime de antibioterapia deve incluir uma cefalosporina de 2ª ou 3ª geração, bem como um agente que cubra anaeróbios.
Algoritmo clínico/ terapêutico (2,3)
Tratamento em Ambulatório:
- Tratamento sistemático do parceiro (Doxiciclina 100mg 12/12h, 7 dias)
- Anti-inflamatório não-esteróide (AINE) – p.ex. Ibuprofeno 400mg 8/8h.
- Ceftriaxone injeção IM 250mg
+ - Doxiciclina 100mg de 12/12h durante 10-14 dias.
- (+) Metronidazol 500mg de 12/12h durante 10-14dias.
Se houver alergia aos derivados da penicilina, pode ser utilizado o regime:
- Levofloxacina 500mg p.o. 1x dia
+ - Metronidazol 500mg p.o. 12/12h durante 14 dias
Tratamento em Internamento:
- Tratamento sistemático do parceiro
- Anti-inflamatório não-esteróide (AINE) – p.ex. Ibuprofeno 400mg 8/8h.
- Cefoxitina 2g E.V. 6/6h
+ - Doxiciclina 100mg p.o. 12/12h
OU – Regime Alternativo –
- Clindamicina 900mg E.V 8/8h
+ - Gentamicina dose de carga 2mg/kg, seguido de 1,5mg/kg de 8/8h (p.ex. para uma mulher com 60kg, 120mg de dose inicial seguida de 90mg de 8/8h)
NOTA – em caso de abcesso pélvico ou suspeita de infeção por anaeróbios, adicionar:
- Metronidazol 500mg E.V. 12/12h
NOTA 2 – em caso de alergia a derivados de penicilina, devem ser colhidos exsudados endocervicais para cultura e instituído o regime:
- Azitromicina 500mg E.V 1x dia
+ - Metronidazol 500 mg. E.V 8/8h
Ao final de 48h de antibioterapia endovenosa com apirexia, pode ser considerada a transição para um regime de antibioterapia oral.
Evolução
Se detetada e tratada precocemente, é razoável esperar uma resolução completa do quadro em 15 dias, sem sequelas a longo prazo. Com uma evolução mais prolongada (DIP crónica), é mais provável a formação de aderências ou de abcesso tubo-ovárico.
A salpingite gera facilmente a formação de aderências. Se houver alteração anatómica significativa por oclusão do lúmen ou distorção do trajeto das trompas, podem surgir quadros de sub-fertilidade no futuro. Outra consequência a longo prazo da DIP é a dor pélvica crónica, em consequência do processo inflamatório e aderencial.
Recomendações
A incidência da DIP pode ser significativamente reduzida com a utilização sistemática de métodos barreira, p.ex., preservativo.
Os sintomas devem ser reconhecidos e valorizados para que o tratamento seja iniciado precocemente.
A mudança de estilos de vida como a cessação tabágica deve ser encorajada.
A profilaxia antibiótica antes de procedimentos uterinos invasivos em mulheres com risco clinico pode ser considerada individualmente.
Bibliografia
- Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Consenso sobre Infeções sexualmente transmissíveis: Endocervicites e DIP. 2007
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Pelvic Inflammatory Disease in 2015 Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines.
- Ribeiro F, Simões M, Pereira AP. Doença Inflamatória Pélvica in Protocolos de Atuação Clínica da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, 2011
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