Doença de armazenamento em ésteres de colesterol
Introdução
A doença de armazenamento de ésteres de colesterol é uma doença hereditária do metabolismo, do grupo das doenças lisossomais de sobrecarga, causada por mutações patogénicas no gene LIPA que codifica a enzima lípase ácida lisossomal (LAL), essencial para a metabolização dos lípidos, como o colesterol e alguns e alguns triglicerídeos. Ocorre com uma actividade residual de LAL de 1-12%, resultando na acumulação de ésteres de colesterol, a nível intralisossomal.
Epidemiologia
É a forma menos grave do continuum fenotípico da deficiência de LAL (doença de Wolman é o fenótipo grave) sendo também a forma da doença mais frequente (1:30000), muitas vezes subdiagnosticada dado os sinais e sintomas serem comuns a outras doenças. Afeta ambos os géneros em igual proporção.
História Clínica
Anamnese
Na anamnese é fundamental ter atenção aos seguintes aspetos:
Idade: altamente variável – as manifestações clínicas podem surgir em idade pediátrica ou na vida adulta, com quadro heterogéneo. É a forma de apresentação mais tardia da deficiência de LAL, versus a doença de Wolman que se manifesta nos primeiros tempos de vida;
Antecedentes familiares: outras doenças genéticas ou hereditárias do metabolismo; consanguinidade; história de dislipidemia familiar não esclarecida;
Sintomas presentes: As crianças apresentam-se tipicamente com hepatomegalia, disfunção hepática e/ou dislipidemia (hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia e deficiência de colesterol HDL). Muitas vezes a única manifestação desta doença é a dislipidemia.
O envolvimento hepático é muito comum, quer com organomegalia, alteração das transaminases e esteato-hepatite; a hepatomegalia está frequentemente presente, com início na primeira infância, e tende a agravar progressivamente, culminando em fibrose hepática.
A esplenomegalia também está presente em 33% dos doentes. Outros sintomas que podem surgir na infância incluem diarreia, vómitos, distensão abdominal, dificuldades alimentares e fraco desenvolvimento ponderal.
Como complicações da doença são de destacar a esteatose, fibrose, cirrose e insuficiência hepática, varizes esofágicas e hemorragia potencialmente fatal. A dislipidemia, com o aumento do colesterol LDL, propicia também e progressivamente as alterações ateroscleróticas mais frequentes no adulto.
Exame objectivo
O principal achado ao exame físico é a identificação de hepatomegalia e/ou esplenomegalia.
Diagnóstico Diferencial
É importante considerar no diagnóstico diferencial da doença de armazenamento em ésteres de colesterol, as doenças que cursam com manifestações clínicas semelhantes, nomeadamente com hepatomegalia e disfunção lipídica.
A hepatomegalia pode ser registada por volta dos 3-4 anos de idade, ou mesmo mais cedo, mas o diagnóstico acaba por ser mais tardio, dependendo do quadro associado e pode acontecer a doença ser só diagnosticada na idade adulta.
De entre outras patologias lisossomais, concretamente as lipidoses, afastada a doença de Wolman pela severidade e precocidade de envolvimento, as outras doenças do grupo apresentam manifestações que as individualizam.
Assim, considerando a sua apresentação habitual na idade pediátrica o diagnóstico diferencial da doença de armazenamento dos ésteres de colesterol vai sobretudo acontecer com quadros de esteato-hepatite associada a alteração metabólica e dislipidemia familiar.
Exames Complementares
O diagnóstico clínico pode ser ponderado com base na avaliação clínica, história familiar e exames bioquímicos e imagiológicos que podem orientar o diagnóstico. Como já referido, a dislipidemia é caracterizada por aumento do colesterol total, do colesterol LDL e triglicerídeos, com valor de HDL diminuído ou praticamente normal e apolipoproteína B aumentada.
Marcadores hepáticos, como as transaminases (AST e ALT) podem estar elevados, refletindo disfunção hepática. A ecografia abdominal e a ressonância magnética abdominal podem cursar com hepatomegalia e esteatose hepática.
A confirmação de diagnóstico é efetuada com a determinação da diminuição da atividade enzimática da LAL, em plasma e leucócitos, ou mesmo em sangue seco, e através da caracterização molecular de variantes patogénicas no gene LIPA, permitindo a possibilidade de avaliação familiar e aconselhamento futuro.
Tratamento
Não há cura para a doença de armazenamento dos esteres do colesterol até á data atual. A terapia de reposição enzimática, com a enzima recombinante sebelipase alfa (Kanuma®), foi o primeiro tratamento modificador da evolução aprovado para estes doentes.
Este tratamento tem permitido a redução de transaminases e do perfil lipídico, com aparente estabilização da fibrose hepática e aumento da esperança média de vida do doente. É administrado por via endovenosa, quinzenalmente, de forma crónica, em prescrição hospitalar e tem demonstrado bom perfil de segurança e boa tolerância.
As outras opções de tratamento, que têm igualmente um princípio de abordagem fisiopatológica, integram as já prévias medidas sintomáticas e de suporte, incluindo a dieta controlada com restrição lipídica, uso de estatinas ou outros agentes redutores; contudo raramente se atinge o adequado controlo das alterações lipídicas sem tratamento enzimático.
O transplante da medula óssea ou transplante de células estaminais do cordão umbilical também foram usados, com resultados muito limitados e elevada morbilidade e mortalidade. O transplante hepático foi e pode ser considerado em casos com envolvimento hepático severo, embora por si só não impeça a progressão da doença.
O tratamento do doente com doença de armazenamento dos ésteres do colesterol deve ser orientado por equipa multidisciplinar especializada.
Evolução
A doença de armazenamento de ésteres de colesterol é uma patologia relativamente benigna, apresentando uma esperança média de vida semelhante à da população sem doença, embora a morte precoce por complicações hepáticas tenha sido descrita.
A insuficiência hepática e a aceleração da doença aterosclerótica são as causas comuns associadas à mortalidade desta doença.
Atualmente o diagnóstico e o tratamento precoce com terapia de reposição enzimática, bem como os cuidados integrados e coordenados são fundamentais para a melhoria do prognóstico.
Recomendações
A doença de armazenamento dos ésteres de colesterol é uma doença genética com transmissão autossómica recessiva. O aconselhamento genético familiar é recomendado e apontado como essencial.
Com suspeita ou confirmação do diagnóstico o doente/família deve ser orientado para um dos Centros de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo, reconhecidos no país, para orientação e apoio de equipa multidisciplinar alargada e coordenada, com integração das equipas de cuidados locais, permitindo uma abordagem mais dirigida do doente/família.
Saber Mais
Doença de armazenamento em ésteres de colesterol; lisossoma; lípase ácida lisossomal
Bibliografia
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