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Introdução

O divertículo de Meckel (DM) é a malformação congénita mais comum do trato gastrointestinal, estando presente em cerca de 2% da população. Trata-se de um divertículo verdadeiro, ou seja, uma protusão sacular que contém todas as camadas da parede intestinal, localizado no íleo, a cerca de 60 cm da válvula ileocecal. Este divertículo forma-se durante a embriogénese (5ª e 6ª semanas) provocado pela obliteração incompleta do ducto onfalomesentérico. Entre 12 a 44% possuem mucosa heterópica (gástrica, pancreática e colónica).

História Clínica

Anamnese
A maioria dos DM são clinicamente silenciosos e incidentalomas. No entanto, existe possibilidade de desenvolver complicações como hemorragia, obstrução intestinal, diverticulite, invaginação ou perfuração. O risco de desenvolver estas complicações ao longo da vida é de aproximadamente 4%. A anamnese deve ser dirigida para a melhor compreensão dos sintomas relacionados com as mesmas, tais como dor abdominal, febre, náuseas ou vómitos, alterações do trânsito intestinal: melenas/hematoquézias, diarreia ou ausência de eliminação de fezes ou gases. Deve ser avaliada a existência de história prévia de 1
obstrução intestinal ou fatores de risco relacionados com esta anomalia congénita.
Fatores de risco:
● Idade <10 anos;
● Sexo masculino;
● Comprimento do divertículo maior que 2 cm;
● Presença de tecido histologicamente anormal.
Exame objectivo O exame físico de um paciente com suspeita de complicações associadas ao DM é essencial para orientar o diagnóstico. É importante avaliar o estado geral, incluindo sinais de desconforto ou dor, pele e mucosas para avaliar sinais de gravidade. Em relação ao exame abdominal, no caso de: ● Obstrução intestinal: À inspeção abdominal, pode ser observada distensão abdominal. À auscultação, o aumento dos ruídos hidroaéreos (RHA) pode indicar quadro inicial de obstrução intestinal, em casos mais avançados os RHA podem estar diminuídos ou ausentes. Desconforto na palpação generalizada e a existência de uma massa abdominal pode sugerir obstrução. Timpanismo pode ser um sinal de acumulação gasosa por obstrução intestinal. ● Diverticulite e perfuração intestinal: O desconforto ou dor abdominal está localizado mais na linha média em comparação com a apendicite, mas a posição do DM é variável. A existência de uma massa abdominal, pode sugerir inflamação localizada. Um abcesso relacionado ao DM pode produzir uma massa palpável no exame abdominal, mas esse achado não é específico do DM. A macicez à percussão pode sugerir inflamação ou peritonite. No caso de peritonite vão estar presentes sinais de irritação peritoneal, nomeadamente rigidez, defesa abdominal ou sinal de Blumberg positivo e o RHA podem estar diminuídos ou ausentes. ● Hemorragia: a presença de sangue em dedo de luva pode ser indicativo de hemorragia intestinal. A anamnese detalhada e o exame físico permitem a identificação de possíveis sinais e sintomas de complicações do DM e desta forma orientar a escolha de exames complementares de diagnóstico.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial de DM envolve a consideração de várias patologias que se podem apresentar com sintomas como dor abdominal, hemorragia gastrointestinal ou alterações do trânsito gastrointestinal. Por norma, o DM não é o primeiro diagnóstico considerado. No entanto, a idade do paciente, história clínica com exame físico e exames complementares de diagnóstico podem sugerir a possibilidade de DM.
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Diagnósticos diferenciais:
● Malformações Vasculares do Cólon;
● Gastroenterite aguda;
● Duplicações gastrointestinais;
● Vasculite por IgA (Púrpura de Henoch-Schonlein);
● Síndromes de Polipose Intestinal;
● Invaginação;
● Pólipos Juvenis;
● Enterocolite necrosante (Recém-nascidos);
● Apendicite aguda;
● Obstipação;
● Doença de Crohn;
● Doença de Hirschsprung;
● Urolitíase;
● Doença ulcerosa péptica;
● Síndrome de Peutz-Jeghers;
● Aderências Pós-Operatórias;
● Colite Ulcerosa;
● Vólvulo.

Exames Complementares

Na suspeita de DM complicado recomenda-se a realização de hemograma com cinética do ferro, vitamina B12 e folatos, ionograma, glicose, creatinina e ureia e estudo da coagulação.
Um DM pode ser diagnosticado por uma cintilografia com pertecnetato de 99m-Tc (“Exame de Meckel”) ou uma arteriografia mesentérica, apenas em doentes hemodinamicamente estáveis. O primeiro permite identificar áreas de mucosa gástrica ectópica e o outro identifica um ramo anómalo da artéria mesentérica superior que alimenta o DM. Este exame é mais apropriado nos casos de hemorragia gastrointestinal grave. A endoscopia por cápsula sem fios e a enteroscopia com balão duplo podem identificar o DM como a fonte de hemorragia. Na maioria dos casos, o DM não é a primeira hipótese diagnóstica, por isso os doentes são submetidos a TC abdomino-pélvica com contraste, que em alguns casos pode diagnosticar o DM como a causa da complicação, excluir diagnósticos diferenciais e orientar a terapêutica cirúrgica.

Tratamento

Tratamento Cirúrgico
A orientação dos doentes com DM vai depender da sua apresentação clínica. Doentes sintomáticos têm sempre indicação para resseção cirúrgica. A resseção também é recomendada quando o DM é um achado incidental durante uma cirurgia abdominal devido a outra patologia No caso do DM diagnosticado em exames de imagem (incidentaloma), a sua resseção é ainda controversa.
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Técnicas cirúrgicas:
● Diverticulectomia simples – A diverticulectomia é a técnica mais simples, utilizando um grampeador gastrointestinal linear aplicado na base do divertículo.
● Resseção segmentar – Envolve a resseção do segmento do intestino delgado que contém o divertículo e, de seguida, a realização de uma anastomose primária do intestino delgado.
Indicações para Resseção segmentar:
● Risco de diminuição significativa do lúmen do intestino delgado com uma diverticulectomia;
● Alteração palpável presente na base do divertículo;
● Colo do divertículo largo (> 2 cm);
● Divertículo curto e de base ampla (relação altura/diâmetro inferior a 2) - risco de não realizar resseção completa do tecido ectópico.
Os procedimentos cirúrgicos podem ser realizados por meio de uma abordagem aberta ou laparoscópica.
Tratamento das Complicações
Se hemodinamicamente instável, é necessária colocação de acesso intravenoso, iniciar fluidoterapia e pausa alimentar. Em caso de hemorragia significativa, pode ser necessária transfusão de concentrado de eritrócitos. A presença de sinais de irritação peritoneal ou instabilidade hemodinâmica exige intervenção cirúrgica urgente. Um paciente que apresenta obstrução intestinal pode necessitar de colocação de sonda nasogástrica e posteriormente intervenção cirúrgica.
Atualmente a laparoscopia permite o diagnóstico e tratamento do DM, principalmente em crianças com manifestações hemorrágicas ou inflamatórias. No caso de manifestações obstrutivas a laparotomia é muitas vezes necessária para o diagnóstico e para o tratamento.
● Hemorragia gastrointestinal
É a complicação mais comum em crianças, muitas vezes decorrente da presença de tecido gástrico ectópico no divertículo, secretor de ácido. A hemorragia é resultante das úlceras na mucosa intestinal exposta ao ácido produzido no divertículo.
● Obstrução intestinal
A obstrução intestinal é uma complicação comum em crianças, especialmente em menores de 2 anos. A obstrução pode ocorrer por várias razões:
- Invaginação: O DM pode ser o ponto de partida para a intussuscepção. A redução da intussuscepção pode ser tentada por enema (pneumático ou hidroestático) guiado por imagem, mas a cirurgia é necessária se essa abordagem falhar ou se houver sinais de perfuração ou necrose intestinal.
- Volvo: Torção do intestino em torno do divertículo.
- Aderências ou bandas fibrosas associadas ao divertículo.
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● Diverticulite
A apresentação clínica da diverticulite é muitas vezes inespecífica, uma vez que se apresenta como um abdómen agudo e pode ser confundida com apendicite aguda. O seu diagnóstico por norma só é feito no intraoperatório.
● Perfuração
Em casos de diverticulite ou úlceras graves pode ocorrer perfuração e peritonite.

Evolução

A maioria das pessoas com DM permanece assintomática durante toda a vida, e o diagnóstico geralmente ocorre de forma incidental. No entanto, pode também causar complicações, com apresentações variáveis e tanto mais frequentes quanto mais jovem for a criança. Pacientes assintomáticos: Geralmente, o prognóstico é excelente. Na maioria dos casos o DM é detetado incidentalmente. A sua resseção cirúrgica profilática é um procedimento simples, decorrendo por norma sem intercorrências. Pacientes sintomáticos: O prognóstico depende da gravidade das complicações, que podem exigir tratamento cirúrgico imediato. Com o tratamento adequado, a recuperação é geralmente completa, embora possam ocorrer complicações pós-operatórias. Complicações As complicações relatadas são múltiplas, mas as mais frequentes são hemorrágicas, obstrutivas ou inflamatórias. Outras formas mais raras foram descritas, como hérnia de Littré estrangulada, torções do DM e tumores.

Bibliografia

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● Charki MT, Oukhouya MA, Benmassaoud Z, Mahmoudi A, Khattala K, Bouabdallah Y. Les complications du diverticule de Meckel chez l'enfant: à propos de 18 cas [Complications of Meckel's diverticulum in children: about 18 cases]. Pan Afr Med J. 2019;33:113. Published 2019 Jun 14. doi:10.11604/pamj.2019.33.113.18756
● Rabinowitz S. Pediatric Meckel Diverticulum Treatment & Management. Medscape. 2020.

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