Contracepção de emergência
Introdução
Definição
Por contracepção de emergência (CE) entende-se qualquer método – oral ou intrauterino – usado para prevenir o desenvolvimento de gravidez na sequência de coito desprotegido ou inadequadamente protegido.
Este tipo de contracepção pode reduzir o risco de gravidez se usado até 120 horas após a relação sexual (RS), apresentando maior eficácia quando usado nas primeiras 24h.(1)
Epidemiologia
O seu uso é validado por diversas sociedades científicas designadamente: Organização Mundial de Saúde (OMS), Federação Internacional de Ginecologia Obstetrícia, American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG).(2)
Dados da American Academy of Pediatrics mostram a existência de uma taxa de 34,3 por 1000 nascimentos na faixa etária entre os 15 e os 19 anos. Cerca de 80% das gravidezes na adolescência são indesejadas, resultando da falha ou não utilização de método contraceptivo. A agressão sexual é também mais frequente entre as jovens, condicionando incremento desta susceptibilidade.(1)
História Clínica
Anamnese
Assim, são candidatas a CE jovens que, não desejando gravidez, tenham história recente de RS desprotegida ou que tenham tido uma falha recente de outro método contraceptivo.
A anamnese deve procurar estabelecer uma das seguintes indicações para recurso a este tipo de contracepção, focando-se especialmente nos timings inerentes à falha contraceptiva (tabela 1)(3):
Ausência de método contraceptivo durante RS ocorrida nas últimas 120 horas |
Falha ou uso incorreto de contraceptivo, nas últimas 120 horas: |
Ruptura de preservativo/extravasão de esperma |
Ausência de toma de 2 pílulas com estrogénio e progestativo, na primeira semana |
Ausência de toma de 3 ou mais pílulas com estrogénio e progestativo, na 2ª e 3ª semanas |
Atraso > 24 horas na toma de pílula apenas de progestativo |
Atraso de ≥ 2 semanas na toma de injecção (de acetato de medroxiprogesterona) |
Atraso na colocação, descolamento ou remoção precoce de adesivo transdérmico (>24h na 1ª semana ou > 48h na 2ª e 3ª semanas) |
Exteriorização de anel vaginal > 3h, permanência na vagina > 4 semanas |
Expulsão de dispositivo intrauterino |
Deslocação, ruptura ou remoção precoce de diafragma |
Terapêutica atual ou há menos de 28 dias com medicamentos designados “indutores enzimáticos”, como alguns antiepilépticos, antirretrovirais, antituberculosos ou antifúngicos (se uso exclusivo de contraceptivo oral, anel, adesivo ou implante) |
De acordo com o sugerido pela história, deve esclarecer-se a natureza (consentida ou não) do acto sexual subjacente, de forma a complementar-se a intervenção clínica, se indicado. (4)
A anamnese deve também procurar excluir a possibilidade de gravidez em curso, com base na pesquisa de sintomas (náuseas, tensão mamária, moinhas pélvicas, amenorreia); é por isso imprescindível confirmar a data da última menstruação (DUM).
Genericamente, a história clínica deve ainda prever a identificação de co morbilidades relevantes. No entanto, para além da existência de gravidez, o Centers for Disease Control and Prevention não prevê a existência de patologia médica que contraindique o recurso a CE medicamentosa. Inclusivamente, são exemplo de situações em que o ‘benefício supera o risco’ (categoria 2)(5):
- Doença cardiovascular severa (enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, patologia tromboembólicas)
- Obesidade (IMC ≥30 kg/m2)
- Doença hepática
- Amamentação
Já nos casos em que se considera a utilização de dispositivo intra uterino (DIU) de cobre é mandatória a exclusão de contraindicações absolutas ao seu uso (5):
- Infecção pélvica activa
- Alergia ao cobre
- Transplante de órgão sólido complicado (falência de enxerto, rejeição, vasculopatia do aloenxerto cardíaco)
Exame objectivo
O exame ginecológico não é recomendado por rotina quando se perspectiva o uso de CE oral.(4)
Exames Complementares
Patologia Clínica
Segundo as principais recomendações, não está indicada a realização de um teste de gravidez por rotina, previamente à utilização de CE. A história clínica – sintomas e DUM – deve permitir ditar a sua requisição.(4, 6)
No entanto, alguns autores recomendam especial atenção nos casos em que se prevê o recurso a acetato de ulipristal ou DIU de cobre, já que (ao contrário da CE hormonal) estes comprometem o decurso apropriado de eventual gravidez em curso.(4)
Tratamento
Algoritmo clínico/ terapêutico
Existem, atualmente, quatro métodos aprovados para CE (4):
Posologia | Dias após RS | Eficácia | |
Levonogestrel (LNG) | 1,5 mg (dose única) | Até 3 dias | 59-94% |
Acetato de Ulipristal | 30 mg (dose única) | Até 5 dias | 98-99% |
Etinilestradiol (EE) |
0,10-0,12 mg (EE) + 0,5-0,6 mg (LNG) (2 doses, 12h intervalo) |
Até 5 dias | 47-89% |
DIU de cobre | - | Até 5 dias | ≈100% |
Os métodos hormonais – LNG e EE+LNG – actuam inibindo ou atrasando a ovulação (ou seja, antes do aumento da hormona luteinizante (LH)), não sendo eficazes após a ocorrência desta. Por outro lado, o acetato de ulipristal apresenta alguma eficácia mesmo após o surgimento de LH, desde que administrado antes do seu pico, sendo-lhe atribuída (para além da inibição da ovulação) efeito na diminuição da espessura endometrial e na implantação do embrião. O DIU de cobre inibe quer a fertilização (afectando a viabilidade espermática), quer a implantação.(1, 7)
O DIU de cobre é o método mais eficaz, apresentando a vantagem de garantir contracepção de longa duração – até 10 anos – uma vez colocado como CE. Dos métodos orais, o acetato de ulipristal é o que apresenta maior eficácia. A utilização de formulações existentes como contracepção oral combinada, sob o regime Yuzpe, é o método menos eficaz e com maior possibilidade de efeitos adversos.(7, 8)
Evolução
Globalmente, os ensaios clínicos evidenciam que, quando utilizados nas primeiras 24 horas após RS desprotegida: o DIU de cobre previne 99% das gravidezes e a CE oral previne cerca de 2/3 das gravidezes. (7)
A evidência sugere menor eficácia da CE oral nas mulheres com excesso de peso/obesidade; este risco deve ser comunicado e deve ser dada primazia ao DIU de cobre ou, em alternativa (nas adolescentes com índice de massa corporal > 30 kg/m2), ao acetato de ulipristal. (8)
Os fármacos indutores enzimáticos (carbamazepina, rifampicina, ritonavir, griseofulvina) diminuem a eficácia da CE oral até 4 semanas após terem sido suspensos. Nestas circunstâncias, está recomendada a administração de uma dose duplicada de LNG (i.e. 3 mg, dose única).
O ACOG e a OMS confirmam a segurança do uso de LNG como CE durante a amamentação.(8) Relativamente ao acetato de ulipristal, esta segurança não está bem estabelecida, sendo que a OMS refere que os benefícios de não suspender a amamentação se sobrepõem; alguns autores recomendam a extracção e desperdício do leite durante uma semana após toma de acetato de ulipristal.(7, 8)
Não se conhecem efeitos adversos significativos associados à CE. Os mais comuns – associados à CE oral – são a ocorrência de náuseas e vómitos (mais frequentes com os esquemas estroprogestativos) seguidos das irregularidades menstruais.(8) Assim, no caso de ocorrer vómito – até 2 horas (após toma de LNG) ou até 3 horas (após a toma de acetato de ulipristal) – deve repetir-se a dose do fármaco após a administração de um antiemético (metoclopramida, 10 mg, p.e.) e, caso tal não seja eficaz, optar pelo DIU de cobre.(7)
Recomendações
Um aspecto fundamental no contexto de CE é o aconselhamento relativamente ao futuro contraceptivo da mulher. Excluindo os casos em que a CE se baseia na colocação de um DIU de cobre (que garante contracepção eficaz até 10 anos), os restantes métodos (orais) carecem do início atempado de outro contraceptivo de modo a estar garantida eficácia contraceptiva.
Para os diferentes tipos de CE oral, seguem-se as recomendações para esse efeito(4):
- LNG ou EE+LNG: início imediato de qualquer método – abstinência/método barreira primeiros 7 dias.
- Acetato de ulipristal: início de métodos hormonais 5 dias após CE – abstinência/método barreira primeiros 7 dias.
Independentemente do tipo de CE que tenha sido utilizado, deve ser requisitado teste de gravidez caso não ocorra qualquer hemorragia de privação, 3 semanas após o uso de CE.(8)
Apesar de estudada, não existe evidência que permita recomendar a CE como método regular de contracepção. No entanto, não está contra-indicada a repetição de CE hormonal a qualquer momento após a utilização da mesma. Não se recomenda, contudo, a utilização de mais que uma dose de acetato de ulipristal no mesmo ciclo. (4)
Bibliografia
- Upadhya K, Breuner C. Emergency Contraception – Committee On Adolescence, Pediatrics. 2012; 130; 1174
- Fok W, Blumentha P. Update on Emergency Contraception, Curr Opin Obstet Gynecol 2016, 28:522–529
- Consenso sobre Contracepção, Sociedade Portuguesa de Contracepção, 2011
- Kaunitz A. Emergency Contraception, Wolters Kluwer. 2019 (disponível em: https://www.uptodate.com/contents/emergency-contraception)
- Emergency Contraception – US Selected Practice Recommendations for Contraceptive Use, Centers for Disease Control, and Prevention, 2018 (disponível em: https://www.cdc.gov/reproductivehealth/contraception/mmwr/spr/emergency.html)
- Emergency Contraception, ACOG Practice Bulletin number 152, 2015 (disponível em: https://www.acog.org/-/media/Practice-Bulletins/Committee-on-Practice-Bulletins----Gynecology/Public/pb152.pdf?dmc=1)
- Black K, Hussainy S. Emergency Contraception: oral and intrauterine options, The Royal Australian College of General Practitioners 2017, 46; 722-726
- Batur P, Kransdorf L, Casey P, Emergency Contraception, Mayo Clini Proc 2016:91(6):802-807
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