Alergia à noz
Introdução
Definição
A alergia alimentar resulta de uma resposta imunológica mediada por imunoglobulinas E (alergia IgE mediada), por mecanismos imunes envolvendo células ou outros mediadores do sistema imunológico (alergia não IgE mediada) ou por ambos os mecanismos.
A sintomatologia pode surgir por ingestão, inalação ou contacto com o alimento.
As nozes são uma das causas mais comuns de alergias relacionadas com frutos de casca rija, nomeadamente através de reacções IgE mediada, podendo estar ou não associada a alergias a outros alimentos.
Epidemiologia
Estima-se que a sua prevalência atinja cerca de 0,5% da população geral sendo responsável por 4% das alergias alimentares nas crianças.
De uma forma geral, sabe-se que a alergia ao amendoim e à noz coexiste em cerca de 40% dos doentes, apresentando ainda uma elevada reatividade cruzada com outros alimentos.
História Clínica
Anamnese
É importante salientar:
- Antecedentes pessoais nomeadamente do foro alérgico (dermatite atópica, rinite, conjuntivite, asma e outras alergias alimentares ou medicamentosas);
- Identificação do alimento suspeito - neste caso, a noz como fruto, ou presente noutros produtos alimentares como pão, bolos, doces, gelados, entre outros.
- Tipo de exposição ao alimento - contacto cutâneo / mucosas, inalação ou ingestão;
- Caracterização da reação adversa - quando ocorreu; intervalo de tempo decorrido entre o contacto com o alimento e o início das reações, gravidade da reação, forma do alimento (natural / cru ou cozinhado).
- Os sintomas de alergia à noz mais frequentemente referidos são: opressão orofaríngea 53%, dispneia 41%, sibilos 29%; angioedema 51%, urticária 47%, vómitos 17%, diarreia 6% e perda da consciência em 6%.
- O espectro de apresentação das reações alérgicas pode variar desde uma reação leve como o síndrome de alergia oral (SAO), até reações sistémicas graves e fatais. A gravidade das reações depende do tipo de proteínas da composição da noz a que o doente é alérgico.
- Circunstâncias em que ocorreu a reacção - local, co-factores (exercício, stress, calor, situação de doença, entre outros);
Em caso de reação anafilática caracterizar a reação e necessidade de tratamento.
Em geral, o doente alérgico é passível de ser enquadrado numa das seguintes situações:
- Doente com alergia ao pólen de bétula que reage à noz. Ocorre por reactividade cruzada entre alergénios polínicos e proteínas semelhantes presentes em alimentos vegetais. Normalmente as reações são ligeiras, uma vez que se tratam de proteínas termicamente instáveis e facilmente destruídas no estômago. Estes doentes toleram os alimentos a que são alérgicos quando estes são processados pelo calor.
- Doente com alergia à noz e a outros frutos de casca rija. As proteínas responsáveis são estáveis ao calor e resistentes à digestão no estômago, podendo originar reacções alérgicas graves. É extremamente importante que doentes com história de reacções alérgicas graves a um fruto de casca rija evitem a ingestão dos outros frutos até ser inequivocamente demonstrada a ausência de reação alérgica
- Doente com alergia à noz e a outras frutas como pêssego, maçã, pêra e uvas. Alergia relacionada com uma proteína denominada LTP a qual está presente nos frutos da família Rosaceae e em muitos alimentos derivados de plantas. Cerca de 50% dos pacientes que reagem à LTP reagem à noz (bem como a outros frutos de casca rija) devido à reatividade cruzada. Para doentes com hipersensibilidade à LTP os alimentos mais perigosos são os pertencentes à família da Rosaceae, os frutos de casca rija e o amendoim. A LTP é estável ao calor e resistente à digestão no estômago, podendo originar reações extremamente graves, incluindo anafilaxia.
Exame objetivo
A alergia à noz, IgE mediada na maioria dos casos, pode manifestar-se de forma multissistémica:
- Manifestações cutâneas: rash urticariforme (início rápido), angioedema;
- Manifestações respiratórias: rinoconjuntivite, broncoespasmo;
- Manifestações gastrointestinais: hipersensibilidade gastrointestinal imediata (náusea, dor abdominal, vómitos em 1-2 horas; diarreia em 2-6 horas); síndroma de alergia oral (prurido, angioedema nos lábios, língua, palato; rápida resolução e associado a rinite polínica)
- A anafilaxia é a forma de apresentação mais grave, podendo manifestar-se com hipotensão e perda da consciência.
Diagnóstico Diferencial
Os sinais e sintomas de alergia à noz, são sobreponíveis aos quadros alérgicos desencadeados por múltiplos fatores, nomeadamente outros alimentos, medicamentos, picadas de inseto, entre outros. A história clínica completa com evolução temporal dos sintomas é fundamental para determinar os elementos causadores da reação alérgica.
Exames Complementares
O diagnóstico da alergia alimentar é complexo. Todo o estudo alergológico deve ser criterioso, dirigido e ajustado a cada situação clínica.
- Skin prick test (SPT): é um método simples e pouco dispendioso que só deve ser realizado se não houver evidência de reações alérgicas graves. Para a sua realização, pode ser usado o extracto comercial, ou a noz fresca (prick-to-prick). O seu valor é limitado tendo em conta a elevada taxa de falsos positivos por reatividade cruzada (nomeadamente à avelã). Tendo em conta a reatividade cruzada e consoante dados da história clínica, podem ser testados outros frutos nomeadamente a noz pecã, pêssego, maçã, entre outros.
- Doseamento de IgE específica: sem riscos para o doente mas dispendiosa. O estudo da alergia à noz deve incluir o alergénio completo da noz - f256; e a mistura de alergénios de frutos secos - Fx22 (noz, noz caju, noz pecã e pistachio) e Fx1 (amêndoa, amendoim, avelã, noz do Brasil e côco). Sabe-se que SPT com pápulas> 4 mm e IgE específicas ≥ 13.5 KU/l estão associadas a valores preditivos positivos de alergia de 100%.
- Estudo molecular: sem riscos para o doente mas dispendiosa. Perante positividade para f256 ou fx22 deve ser pedido o estudo molecular, nomeadamente: Jug r 1 (f441) e Jug r 3 (f442).
- A sensibilização à proteína Jug r 1 (albumina 2S) indica a presença de alergia primária à noz, estando associada a risco de reação sistémica. Deve ser investigada a presença de alergia a outros frutos de casca rija e sementes, como a noz pecã, avelã e caju, dado que podem coexistir alergias.
- A sensibilização à proteína Jug r 3 (LTP) indica que podem ocorrer reações locais ou sistémicas e haver reatividade cruzada com outros alimentos que contenham LTP, nomeadamente o pêssego, a maçã, uvas e outros frutos de casca rija.
- Doentes sensibilizados ao Jug r 1 e / ou Jug r 3 devem evitar noz crua e cozinhada (assada ou cozida).
- Prova de provocação oral (PPO) é o teste de eleição para a confirmação de alergia. Deve ser realizada perante a negatividade dos testes cutâneos, das IgE específicas, do estudo molecular e ausência de história anterior de reações graves recentes. Pode ser realizado em situações com IgE específica positiva mas tendo sempre em conta o valor da mesma, atendendo a que a probabilidade da prova ser negativa é:
- 33% com IgE específica a um alergénio entre 2 e 5 kUA/L;
- 63% com menos de 2 kUA/L.
A PPO deve ser realizada sempre em meio hospitalar e com profissionais de saúde experientes na atuação em caso de reação alérgica. Deve-se triturar 7 metades de noz e misturar em 2 iogurtes líquidos, perfazendo um total de 250ml (100 g de noz = 20 g de proteína). A prova consiste na administração crescente deste preparado até ser atingido um total de 3g de proteína.
Tratamento
Numa criança com alergia documentada à noz o tratamento de base é a evicção alergénica da noz (crua ou cozinhada). A evicção a outros alimentos deve ser sempre feita de forma criteriosa e caso-a-caso.
Estudos apontam que a IT oral para múltiplos alimentos (incluindo nozes-de-árvores) em doentes com várias alergias, nomeadamente à noz, tem sido eficaz. Um estudo de 2019, demonstrou que a IT oral à noz pode induzir dessensibilização à mesma bem como dessensibilização cruzada à noz pecã e avelã, em doentes com co-alergias a frutos de casca rija, com um perfil de segurança razoável. No entanto, este é um tema ainda pouco abordado na literatura, sendo o seu uso limitado.
Evolução
A alergia à noz pode surgir nos primeiros anos de vida, com sintomas logo na primeira exposição conhecida e mesmo com doses muito reduzidas. A sua prevalência aumenta com a idade, sendo possível persistir ao longo da vida.
Existem poucos dados sobre a resolução de alergia à noz. Num estudo realizado para confirmar a perda de reatividade clínica, a resolução de alergia a noz foi estimada em 9%.
Os resultados seriados dos testes cutâneos de alergia e do doseamento de IgE específica parecem ser um bom indicador de resolução ou persistência de alergia a frutos de casca rija. Independentemente do valor preditivo dos exames referidos, a prova de provocação oral continua a ser essencial para estabelecer a perda de alergia, já que alguns doentes mantêm sintomas, mesmo na presença de outros exames negativos.
Recomendações
Seguimento
- Evicção da noz (crua ou cozinhada). A evicção a outros alimentos deve ser sempre feita de forma criteriosa e caso-a-caso.
- Se alterações no estudo molecular devem ser também evitados os seguintes alimentos:
- Jug r 1 positivo: noz pecã, avelã e caju
- Jug r 3 positivo: pêssego, a maçã, outras nozes e uvas.
- Se contacto anterior sem qualquer reação, deve manter a ingestão dos mesmos.
- Doseamento anual de IgE específica
- Ponderar PPO de acordo com valor de IgE específica ou alterações nos testes cutâneos
Conselhos gerais
- Confirmar a ausência de noz (outros alimentos consoante estudo molecular) nas refeições e recusar refeições cuja composição seja desconhecida; leitura atenta dos rótulos;
- Evitar a utilização de utensílios contaminados com frutos secos (ex.: facas, bancada de cozinha);
- Identificação da criança com alergia (entregar cartão de alergia, carta explicativa na escola e outros locais que a criança frequente regularmente);
- Se anafilaxia ou reacção alérgica grave com pequena quantidade de alergénio, deve ser prescrita a caneta de adrenalina, com treino na sua administração e entregue folheto do mesmo. Devem ser também prescritos anti-histamínico e corticoide oral.
Saber Mais
Alergia alimentar, noz, frutos de casca rija, alergénios moleculares
Bibliografia
- McWilliam V, Koplin J, et al. The Prevalence of Tree Nut Allergy: a systematic review. Curr Alergy Asthma Rep (2015) 15:54
- Knol E, Wickman M. Tree nut and seed allergy. Molecular Allergology User’s guide. European Academy of Allergy and Clinical Immunology. 2016; 245-255.
- Elizur A, Appel M, ET AL. Wallnut oral immunitherapy for desensitisation of walnut and additional tree nut allergies (Nut CRACKER): a single-centre, prospective cohort study. Lancet Child Adolesc Health 2019.
- Sindher S, Long A,, et al. Analysis of a Large Standardized Food Challenge Data Set to Determine Predictors of Positive Outcome Across Multiple Allergens. Frontiers in Immunology. (2018) 9:2689
- Programa Nacional para a Promoção de Alimentação Saudável. Manual Educacional de alergia alimentar na restauração. Direção Geral de Saúde. 2016
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